Kit Black: Viajantes De Mundos escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 12
A Lady Infernal/Parte I


Notas iniciais do capítulo

Acaba que eu escrevo demais e não tem senso de quantidade de palavras... sim, eu sei... vou dividir esse também... espero realmente que eu esteja facilitando um pouco a vida das pessoas com isso...
Obrigada por lerem até aqui ^^



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Soledad é um deserto… uma terra árida e ressecada, onde a vida é praticamente vedada em toda a sua extensão, com uma pequena exceção, o Castelo conhecido como Torre da Perdição, atual morada da criatura a que chamam de Lady Infernal: Haradja. Perto deste local corre um rio, única chance de sobrevivência, mas quem seria tolo de viver em um deserto, ainda mais perto de uma assassina declarada?
Sua areia é de um tom branco, o que torna o lugar quase fantasmagórico à noite. Os ventos são fortes, e as dunas mudam de posição e forma com frequência, convidando os desavisados a se perderem. Os dias são absurdamente quentes, a ponto de turvarem os sentidos… as noites são percorridas por ventos selvagens e criaturas diabólicas, que caçam sob a luz da lua.
Não é nem de longe um local onde se desejaria estar, apesar de ter sua irracional e profunda beleza.
A jovem Kit definitivamente não poderia aproveitar de tal vista, mesmo que quisesse…
–Por que você não me disse? –A garota protestava, colocando o dedo indicador no peito de Cross. Os dois estavam afastados dos outros, ainda no jato, a alguns instantes para pousar.
–Não era hora para…
–E quando seria? Quando eu a prendesse, sendo que a possibilidade de que isso aconteça é mísera?
–Menos, Kit…
–Não diga “menos” para mim, não vou ouvir esse tipo de coisa vindo de você! –Ela deu-lhe as costas num rompante, mas não havia muitos lugares para manter-se longe do mago em pleno voo. Numa tentativa de feri-lo, olhou-o por cima dos ombros e murmurou baixo: -Você me prometeu… que eu saberia de tudo pela sua boca… -E com uma ultima virada, se preparou para descer, já que o veículo se aproximava do chão para poder pousar. Ela foi a primeira a deixar o transporte e começar a caminhar, o que fez os outros presentes se entreolharem com certa surpresa e depois lançarem olhares intimidadores para Cross.
–O que tanto olham? –Ele retrucou, fazendo-os se arrepiar, e logo deixou o jato também.
–Era só o que faltava… -Ken levou sua mão a testa, balançando a cabeça negativamente. –Como se não estivesse ruim o suficiente…
–Acalme-se, ou as coisas podem piorar… -Mitaray levantou-se de seu banco e acomodou sua arma nas costas, saindo após essas palavras.
–Ahh, só pode ser brincadeira… -foi a vez dele se levantar e olhar de modo metódico para trás, onde ainda estavam as garotas: Sacha, Kira e Cloe. –Tem certeza que ficarão bem?
A irmã fez um sinal de positivo com o dedo, mas logo cruzou os braços. –por que eu não posso ir…?
–Porque ficará responsável pela nossa comunicação, como de praxe…
–Mas estou com abstinência de lutas, preciso quebrar a cara de alguém!
Ele praguejou baixo em resposta. –Então venha, mas tenha certeza que os aparelhos estejam funcionando…
A mulher não respondeu, pondo-se a revisar todos os equipamentos de comunicação e logo pegando sua espada a um canto, descendo do jato e fazendo um sinal para o irmão. –Vamos logo com isso!
–E quem é que está nos atrasando, afinal… -Ele saltou, pisando na areia branca. O dia chegava ao fim, e a temperatura começava a cair. Puxou a espada, vislumbrando-a com os olhos verdes e logo fazendo-a deslizar pela bainha novamente, guardando-a.
Hiei se acomodou na cadeira do piloto e bufou, fazendo a franja sair de seu rosto temporariamente. –Hum… espero que fiquem bem…
–Por que você não vai junto, então? Se está tão preocupado… -argumentou Cloe, levantando uma sobrancelha e postando-se em frente a seu notebook.
–Porque alguém tem de cuidar das nobres damas…
–Ah…sem duvida…
–Poxa, não sabia que se importava tanto… -Sacha abriu um largo sorriso, que logo murcharia com a resposta dele.
–Com você nem tanto… -Ele coçou a cabeça… era difícil saber se aquilo fora uma brincadeira. –E além do mais… creio que eles dão conta sozinhos…
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–Então é essa fedelha… esse serzinho minúsculo e impulsivo que alardearam tanto? É esta minha ruína, Iris?
Haradja apoiou o rosto na mão esquerda, ajeitando-se em seu trono negro e aparentemente gasto pelo tempo. O salão principal de sua fortaleza era uma coisa antiga e amaldiçoada, já existia ali há anos e anos, resquícios de idades antigas e imemoriais… quando se instalara ali, não se incomodara em lhe prestar devidas reformas… desde que a guardassem e tivesse espaço para tramar e conjurar seu exército, já estava melhor que a encomenda.
Na parede em frente ao trono havia o que parecia um painel, feito de substância vaporosa, que lembrava fumaça, e se expandia para mostrar os invasores de seu território, em especial sua odiada irmã. Porque, mesmo que nunca a tivesse encontrado frente a frente antes, Haradja a odiava com todas as suas forças…
Ao lado direito do trono, um pouco afastada e devidamente presa, estava Iris. Haviam colocado a mesma no que parecia uma jaula baixa, o que a forçava a ficar sentada a maior parte do tempo e praguejar. Seu cabelo castanho estava desgrenhado e úmido, e o rosto delicado marcado em alguns pontos, como se tivesse sido agredida antes que a colocassem ali dentro. O nariz estava estranho, provavelmente tinha sido deslocado, e as mãos presas atrás de suas costas a impediam de tentar coloca-lo no lugar por si mesma. Ela levantou os olhos avermelhados para o rosto de sua rival, emoldurado pelos cabelos negros e longos e com uma expressão de tédio, antes de responder…
–Você subestima demais as outras pessoas…
–Por que eu temeria uma jovem garotinha intempestiva e problemática? Consigo ver seu coração daqui, não faria mal a uma mosca…
–Se ela está aqui, é porque sem duvida conseguiu voltar de sua missão, o que significa que matou um dragão…
–Dificilmente com as próprias mãos… não sou tola, Iris… vocês jogaram o fardo em cima dela, rezando, a espera que fosse mudar algo, mas isso não acontecerá… até porque, pelo que me consta, a única forma de me derrotar não está devidamente preparada… minhas pedras foram dispersas há anos… eu cuidei para que nem eu mesma soubesse sua localização exata… as que conseguiram juntar vieram a vocês por pura sorte… -ela revirou os olhos escuros, antes de continuar, com sua voz profunda e grave, que causava calafrios: -Sem isso nada pode me parar, minha cara… absolutamente nada. Sou imortal, afinal…
Ela abriu um sorriso macabro e largo, como se isso fosse um pensamento lógico. Os dentes eram brancos, o que contrastava bastante com sua aparência sombria. Voltou a observar o painel e bocejou entediada. –Mas digo-lhe, isso foi tão decepcionante… esperei 17 anos para conhecer aquela a que chamavam de Kit Black… minha irmã caçula, que falhei em conseguir localizar e matar antes… esperava por algo mais… interessante… nem sei se chegará até onde estou… -ela estalou os dedos, ao que um demoniozinho atendeu prontamente, parando em frente ao trono e esperando por suas ordens.
–Contate Driguem e Cassandra… diga que a ordem é interceptar.
–Er… Cassandra não se encontra, milady… está naquela busca que ordenou…
Um brilho mortal passou pelos olhos dela, enquanto fazia um esgar de irritação. –É impressionante como ninguém está à disposição quando eu necessito… -voltou a se acomodar, agora deixando os dois braços estendidos sobre as arestas do trono. –Então mande apenas Driguem… ele servirá… se chegarem até aqui, eu mesma cuidarei disso…
O demônio bateu continência e desapareceu novamente, levando o recado consigo. Iris manteve-se olhando Haradja atentamente, perguntando-se o que ela estava tramando. A menção do nome de Cassandra fez uma duvida corroer sua cabeça... aquele nome era familiar... mas toda aquela situação a impediu de raciocinar em cima disso. –Um contra vários… está com muitas esperanças no seu assassino do Mundo Real…
–E você em sua pequena campeã… mas isso logo se mostrará inútil ou não… realmente tenho esperanças que ela satisfaça minha curiosidade… esmagar vermes de seu quilate não me trás nenhuma diversão…
–Espero que engula esse seu orgulho, sinceramente…
–E eu que cale sua boca, ou a matarei antes do grand finalle… -Parou de observar sua prisioneira definitivamente, cravando seus olhos no painel, a espera… uma ansiedade começava a despertar no seu peito, ou era apenas impressão?
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Kira alcançou Mitaray, que tinha virado o rosto lentamente achando que era outra pessoa e, quando a viu, acabou por levar um susto.
–Mas que…
–O que foi? –Ela levantou uma sobrancelha e ajeitou a bainha com a espada, logo depois segurando ambas as mãos nas costas.
–Não deveria estar no jato?
–Não, meu irmão não conseguiu me convencer do contrário… -Ela fez uma careta. –De toda forma, para que serve todo aquele treinamento e dias madrugando se eu não vou lutar com ninguém?
Mitaray suspirou profundamente. –A cada dia que passa a irresponsabilidade familiar cresce mais…
–Poxa, não seja tão metódico… eu posso me virar.
–Eu nunca disse o contrário, milady… -ele abriu um sorriso sutil e tirou o apoio da foice de seu ombro para passa-lo ao oposto. –A senhorita se diverte de maneiras estranhas…
–Sem duvida, mas não somente com isso… -Ela abriu um sorrisinho cínico. –Como já deve ter reparado…
–Hum… digamos que eu repare mais em ti do que julga… -Foi a vez dele sorrir, e desta vez ela sentiu um rubor subir pela sua face, e não teve a audácia de responder.
Kit já estava bem a frente quando Kem conseguiu emparelhar com ela. –Hei… o que foi?
Ela murmurou um “nada” arrastado e parou momentaneamente, como se estivesse analisando o terreno. As dunas mudavam de posição constantemente seguindo a direção do vento, e muitas vezes eles tinham de dar a volta para não correrem o risco de serem soterrados.
O rapaz inclinou a cabeça, interrogativo, e passou a mão pelo topo da cabeça da garota, que era bem menor que ele. –Fale para mim, gatinha…
Ela levantou os olhos sem desfazer a carranca e protestou: -Deveria ficar longe de mim, nunca se sabe quando vou surtar e querer destruir tudo a minha volta…
A resposta dele foi um coçar de queixo, mostrando que não sabia do que ela falara. Mesmo com a exaltação de Kit no jato, aqueles que ficaram mais afastados só conseguiram pegar algumas palavras de acusação, o que não explicava coisa alguma.
Kit notou o silêncio confuso dele e revirou os olhos. –Haradja…
–O que tem ela?
–É minha irmã! –Ela agarrou-o pelo colarinho e começou a sacudi-lo. –Ela tem meu sangue, e ninguém achou importante me contar isso!
–Hei, hei, calma amor… -Ela chacoalhara-o tanto que agora estava com certa dor de cabeça. Kem passou a mão pela nuca e logo chegou mais perto, a abraçando gentilmente. –Está tudo bem…
–Não está tudo bem, está longe de ficar! E se eu for como ela? E se for algo genético e hereditário psicose sanguinária? –Ela continuou a falar, agora já deixando a cabeça pousada no ombro dele. –Não quero ser assim… e não queria ter descoberto sozinha…
Ele não disse nada por um tempo, acariciando a cabeça dela com as pontas dos dedos. Depois de alguns segundos, beijou-a docemente e a segurou nos braços. –Não temos tempo para isso agora… Precisamos trazer de volta nossa líder, lembra?
Ela concordou, com um aceno sutil de cabeça.
–Vamos, fofa… depois que isso acabar vai poder gritar, surtar e me sacudir o quanto quiser… -Ele sorriu. –Combinado?
Desviava os olhos, fazendo um biquinho. –Bobo… -Ela parou e observou Mitaray e Kira que vinham logo atrás, esquecendo-se temporariamente de seu problema –Sua irmã fugiu…
–Acho que fugir não é o termo certo… -Ele seguiu o olhar e suspirou de modo pesado. –Eu lhe disse certa vez… ela se defende muito bem sozinha…
–Eu não estou questionando isso, para falar a verdade. –Ela deu de ombros olhando em volta lentamente. –Está faltando… alguém.
–Verdade… cadê o Cross…?
–Sei lá… deve ter virado um gatinho e estar andando por ai…
–Não seja tão má, Kit…
–Mas é verdade, oras! –ela protestou em sua defesa. –Ele pode fazer isso. Eu já vi. Não me pergunte como ou por que…
–Pessoal, vamos manter a calma, por favor… -Mitaray chegou mais perto e deixou a foice cair de seu ombro e enterrar a lâmina mortalmente afiada no chão. –Esse tipo de discussão não nos levará a lugar algum, muito pelo contrário.
Kira, que tinha levado a mão à testa, para evitar a claridade do sol que já se punha no horizonte em seus olhos sensíveis, começou. –Estamos quase lá, falta pouco… -e apontou para a direção que observava. Uma torre negra podia ser vista ao longe, varando a branquidão do deserto e o céu alaranjado do por do sol.
–A Torre da Perdição. –Mitaray comentou, num tom de voz mais baixo que o normal.
–Caramba, quem dá nomes para os lugares nesse mundo? É cada coisa grotesca…
–Me soa suficientemente ruim para o que vamos encontrar lá… -Kit estremeceu suavemente. –Devemos continuar… a noite está caindo…
–E tudo fica mais complicado a noite, pelo que sei… -Mitaray puxou novamente a foice. Já ia começar a caminhar novamente quando o solo estremeceu perigosamente.
–Terremoto? –Kira abaixou o corpo suavemente, de modo que não perdesse o equilíbrio.
–A última vez não era algo tão agradável, se devo lembrar-lhe… -Mitaray já havia passado a mão pela lâmina prateada de sua arma, preparando-se para o pior.
–Esqueletos vivos outra vez? Mas pensei que estavam em marcha…
–Nunca se sabe, estamos no território deles… -Kem respondeu a irmã. O tremor continuou, levantando poeira. Estava demorando demais para passar… num repente, uma fenda se abriu no chão a frente deles, e de lá surgiu uma cabeça gigantesca, do que parecia ser um verme. Uma criatura de proporções grandes, cuja cabeça terminava em uma boca redonda lotada de dentes, e poderia se dizer com até um par de pinças. O corpo era cilíndrico, com varias patas e escamas chapadas, diferentes das dos dragões. Estas eram cilíndricas, e se fechavam ao redor do corpo como uma verdadeira armadura. Kem praguejou baixinho.
–Era só o que faltava…
–Caraca, que demais! –Kira já girava sua espada, preparando um golpe.
–Só pode ser brincadeira, você está feliz com isso?
–Como eu já disse, eu vim simplesmente para bater em bichos feios como este… quanto maior, melhor…
–Preciso urgentemente leva-la a um psicólogo… -ele saltou, evitando um choque contra o corpo da criatura, que já se lançava contra eles. No meio do caminho, deixou-se cair sobre as costas do verme e enganchou a espada em uma das fissuras de sua armadura, de modo que com mais alguns golpes poderia abrir aquele pedaço. Viu sua irmã correr pela lateral da cabeça e fazer o mesmo. Kit materializou ganchos que o prenderam no chão, e logo Mitaray chegava pela frente para dar o golpe final, quando algo deu errado… o ser se sacudiu de modo violento, o que fez Kit desestabilizar sua concentração, e os ganchos trincaram, logo se dissolvendo. Ele estremeceu uma vez mais, fazendo Ken e Kira forçadamente soltarem suas costas e indo com uma estocada para frente, acabando por acertar, com uma de suas presas, Mitaray, que precisou travar a lâmina de sua foice no chão para que não fosse parar longe com a pressão da pancada. O verme ondulou o corpo, fazendo sua ultima passageira cair e voltou a enterrar-se na areia, levantando uma nuvem pesada, que demorou alguns minutos para se dissipar.
–Estão todos bem? –chamou Ken, tossindo por causa da areia e tentando vislumbrar os outros. A irmã tinha caído perto dele, e agora levantava com certa dificuldade, passando os dedos pelo braço.
–Ai… estou bem… ainda… -ela fez um esgar de irritação, provavelmente imaginando o que faria se encontra-se com outro verme daqueles. Com a poeira a assentar-se suavemente, Kit também ficara visível. Havia um corte em sua testa, mas nada mais grave acontecera com ela, o que o fez dar um suspiro de alivio. A jovem tossiu também e se aproximou, murmurando baixo:
–Desculpe-me, a magia se rompeu…
–Está tudo bem…
–E Mitaray…? –Kira perguntou, olhando em torno de si. A outra garota levantou as orelhas felinas e assumiu uma posição que transparecia certa preocupação, enquanto procurava com os olhos. Uma figura entrou em seu campo de visão, e logo o amigo aparecia para eles. Poderiam pensar que nada havia acontecido de mais sério, se não fosse o fato dele apertar com força o lado esquerdo do seu flanco com a mão direita. Arrastava a foice atrás de si pelo cabo, fazendo uma linha profunda na areia por onde havia vindo. Quando se juntou a eles, deixou-se cair sentado na areia, ainda segurando o provável ferimento. Um tom mais pálido que o normal cobria sua face.
–Mitaray… -Kit fez menção de abaixar-se e tentar tocá-lo quando ele levantou a mão, agora livre, já que a foice jazia ao seu lado.
–Estou bem, foi só um arranhão… -ele forçou um sorriso sutil, mas quem olha-se bem veria a blusa que usava se manchar de sangue aos poucos.
–Mas…
–Não podemos parar agora… -ele abaixou a cabeça suavemente. –Vão à frente… eu preciso descansar um pouco, logo alcanço vocês…
–Não pode ficar sozinho com este ferimento… -argumentou Ken.
–E não vamos deixa-lo aqui… -Kit ainda mantinha-se na mesma posição, observando-o de perto. Parecia triste, e terrivelmente culpada. –Sinto muito, você não teria se ferido se eu tivesse mantido o encanto por mais tempo…
–Não foi culpa sua… eu que fiquei no caminho, não é…? –Mitaray passou a mão por cima da cabeça dela. –O tempo está passando… não se deem ao luxo de preocuparem-se comigo.
Kira bufou e cruzou os braços, batendo o pé. –Já chega… eu faço companhia a ele…
Os outros dois se entreolharam por algum tempo. Ken achou terrivelmente estranho isso, a partir do momento que ela enchera tanto sua paciência para ir junto. Mas não tinha como ficar imaginando o que se passava na cabeça da irmã no momento, e a lua já subia cada vez mais no céu, tomando o lugar do sol. Estrelas começavam a surgir aos poucos, a noite caia… ele pegou a mão de Kit e a puxou levemente para que voltasse a se levantar. –Vamos…
Ela sacudiu a poeira da roupa e acompanhou o namorado, olhando para trás.
–Fiquem bem… vocês dois… -ele murmurou de um jeito que conseguissem compreender, e alguns segundos depois o casal já estava correndo, em mais algum tempo desaparecendo de vista.
–Mas… e se o verme voltar? –Kit perguntara a Ken, enquanto corria. Desistiu de ficar olhando para trás, antes que acabasse tropeçando e torcendo alguma parte do seu corpo.
–Vamos torcer para que não volte… -ele respondeu, aumentando o passo. Agora a torre já estava bem mais perto. Se não houvesse mais nenhum imprevisto, em meia hora estariam cruzando sua entrada.
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Kira sentou-se ao lado de Mitaray e retirou a bolsa que pegara as pressas, remexendo lá dentro a procura de remédios. Lançou um olhar zangado para o rapaz ao seu lado, que largara o ferimento, mostrando um feio e profundo corte. A pele em volta havia assumido uma cor esverdeada, o que fez com que a face dele se tornasse sombria.
–Me diz que não é o que estou pensando…
–Veneno… havia esquecido esse detalhe… -ele fez uma careta de dor e retirou a camisa. A temperatura esfriara, e algum tempo depois ele tremia, não se podia saber se era por causa desse fato ou se alguma febre já tomara conta de seu corpo. Em um dado momento, mal conseguia manter-se sentado, e teria tombado ao chão se Kira não tivesse o segurado. Não havia nada que pudesse ser feito… não havia jeito de dispersar o veneno. Ela o abraçou ternamente, mas não teve nenhum sinal de retribuição… ele havia perdido a consciência.
E nesta perda, conseguiu ouvir uma voz grave.
“Você ainda teme cair?”
Ele viu seu próprio corpo flutuando no vazio, e pareceu uma eternidade o tempo que passou ali, até uma moça familiar ir se formando lentamente, olhando-o de frente, em seus olhos. Utilizava um manto negro, e dela vinha a tal voz que tanto escutava. Sem que precisasse sequer pedir, ela repetiu, agora falando diretamente para ele.
–Você ainda teme cair?
Ele arregalou os olhos. Seria este o fim de tudo o que construíra? Agora que as coisas começavam lentamente a se encaixar?
–Eu…
–Quando eu o escolhi, entre tantos órfãos transtornados, vi algo que apenas você tinha… algo único… todos o têm, mas este algo que me refiro é diferente de todo o resto… -ela ergueu a face, e ele viu um rosto pálido, olhos escuros, e cabelos negros emoldurando uma face repleta de conhecimento. –Foi por isso que eu o mantive ao meu lado, e lhe dei o poder que hoje se utiliza… e em nenhum momento eu me arrependi de minha escolha… nem com você, nem mesmo àquele que lhe é quase um irmão…
Mitaray manteve-se em silêncio. As trevas não se desvaneceram… e ele ainda parecia estar à beira de cair eternamente.
–Você ainda tem medo de cair, Mitaray?
Ele desviou os olhos acenou afirmativamente com a cabeça… “ela” era uma das únicas criaturas que este não conseguia encarar… talvez porque significasse o fim de tudo… ou seria o começo? Viu ela abrir um sorriso quase doce, e continuar: -Quando perder seu medo, você saberá que aprendeu tudo… -e estalou os dedos. As trevas foram se desvanecendo, abrindo lugar para um campo de grama muito verde… também familiar… Os Campos da Morte.
–Por quê? –ele perguntou à entidade, aparentemente confuso…
–Porque você ainda precisa voar… -fechou os olhos negros, levando uma mão ao peito. –A jornada ainda não acabou para você, meu caçador… ela começa, de fato, agora…
Meio sem palavras para responder, ele abaixou a cabeça, numa profunda reverência. –Obrigado… Mestra…
Parou quando sentiu que esta colocara os dedos ágeis sobre a cabeça dele, como se fosse um afago. –Mas não posso ficar distribuindo concessões, meu querido… nem mesmo para os meus servos mais leais… -tocou o queixo dele, levantando seu rosto. Por um instante, a mestra e o servo se encararam. –Tente não arranjar motivos para uma morte prematura… ou não terei alternativa a não ser busca-lo…
A Morte voltou a sorrir, e a paisagem começou novamente a se desvanecer, levantando toda a claridade. Mais uma vez ele estava no escuro, mas não parecia tão apavorado… o vulto da mulher começou a sumir aos poucos, como fumaça, e apenas sua voz potente pode ser ouvida, antes que ele se esquecesse: -Até breve, Mitaray… continue com o bom trabalho…

Kira ainda o sacudia desesperadamente, sem a menor reação da parte do mesmo. Havia limpado a ferida, cuidado o quanto podia, mas não podia fazer nada com relação ao veneno… este poderia corroê-lo por dentro até não restar nada… poderia parar seu coração, causar um pane nas atividades cerebrais ou simplesmente sufoca-lo até a morte… eram tantas probabilidades, e uma mais ruim que a ultima, que ela sentiu um nó se formar em sua garganta. Mantendo a cabeça dele escorada em suas cochas, media a cada período certo de tempo a temperatura, rezando baixinho para que ele abrisse os olhos… para que milagrosamente conseguisse se recuperar… Mas ela sabia… que suas esperanças eram infundadas…
No entanto, estava errada… porque finalmente ele se mexeu, lentamente a princípio, logo passando para uma tosse forte, e finalmente abrindo os olhos de cor clara, e fixando-os na garota que parecia estar acima de sua visão. Franziu o cenho suavemente, tentando falar algo, mas a boca estava seca demais para continuar.
–Ah… tome… -Kira girou o corpo, pegando um cantil com água cristalina do lado de seu corpo ( e que já estava praticamente vazio), e levando-o aos lábios dele, para que pudesse se satisfazer. Após beber o que restara da água, conseguiu finalmente articular algumas palavras desencontradas.
–Eu demorei?
–Demorou? Como demorou? Você estava ardendo em febre… pensei que morreria por causa do veneno…
Ainda manteve a cabeça dele apoiada em seu colo, mudando de posição para ficar mais confortável. Subiu a mão direita para tocar sua testa, percebendo que a temperatura de seu corpo baixara novamente.
Ele abriu um sorriso sutil, fechando os olhos e deixando a cabeça descansar. –Não imaginei que a encontraria cuidando de mim.
–E… por que isso?
–Não parece seu estilo…
–Eu não poderia deixa-lo morrer… não poderia assistir sem fazer nada… -ela desviou os olhos para longe, acariciando com a pontas dos dedos o cabelo dele.
–Totalmente um instinto humano de compaixão, então?
–O que…
–O seu ato.
–Ah… sim… claro.
Fechou a cara com esta afirmação de sua própria parte, mas não disse nada a mais que isso.
–Estás fazendo uma carranca adorável…
Kira voltou seus olhos para Mitaray, reparando que este nem sequer abrira os olhos. –Como sabe? –e um xingamento ficou preparado na ponta da língua, mas continuou lá, sem ser citado.
–Eu já lhe disse… reparo mais em ti do que julgas…
–E por que, sou um tipo interessante? –ela revirou os olhos…
–De fato é… mas esse não é motivo principal… -ele abriu os olhos e se esforçou para fazer um sinal de “chegue mais perto”. –Deixe-me dizer a seu ouvido… é um segredo…
Kira franziu o cenho, já imaginando que aquilo não ia acabar muito bem… abaixou a cabeça sutilmente, de modo que sua orelha ficasse o mais perto possível da boca dele. –Não imaginei que fosse tão folgado…
–E eu não sou, milady… mas o veneno ainda corre em minhas veias, e mesmo que esteja… talvez… parcialmente neutralizado… ainda não tenho forças para me levantar… -Mitaray levou o dedo indicador a testa dela e tocou o local rapidamente: -Só peço um pouco de sua compaixão…
Ela ficou imaginando um milhão de coisas para responder… e perguntar… mas a única coisa que conseguiu proferir foi um “diga logo”.
O rapaz riu discretamente, e finalmente disse, em um tom baixo, como um sussurro, ao pé do ouvido de Kira. –Sou apaixonado por ti… -e moveu a cabeça para o lado para dar um beijo no canto da boca dela.
Surpreendida, ela moveu a cabeça rapidamente para olha-lo de frente. Imaginava ser uma brincadeira, mas sabia o suficiente dele para não acreditar em seu próprio pensamento. Ele não brincaria com algo assim. Seu coração acelerou repentinamente, e ela passou a se perguntar se, durante este tempo todo, não sentia o mesmo. Mas não pôde tirar satisfações ou ter certeza absoluta… quando ergueu sua face, ele já havia adormecido novamente, usando as pernas dela como travesseiro. Ela murmurou algo ininteligível e voltou a colocar sua mão na cabeça dele, acariciando-a suavemente. E enquanto pensava, a noite caía definitivamente sobre os dois…
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–Enforcados… mais uma vez…
Cloe riscou com a caneta azul o bloco de notas que estava descansando em seu joelho e observou os outros dois colegas. –Está bem que isso não seja uma brincadeira comum neste mundo, mas não é tão difícil assim… é só dizer as letras e usar dedução lógica… qual é a dificuldade nisso?
Hiei fez uma careta e levou um dedo a bochecha. –Suas palavras que são difíceis.
–Concordo com ele… -Sacha alegou, fechando a cara e pondo-se a olhar uma vez mais as unhas, naquele dia pintadas com um esmalte florescente em um tom de verde.
Cloe bufou e fechou o bloquinho, colocando a caneta atrás da orelha. –Chega… perdeu a graça… -olha pela janela do jato e estremece. –Está esfriando muito…
–Estamos em um deserto… isso é o tipo de coisa que você já deveria saber… temperaturas altas de dia, quase abaixo de 10 graus à noite…
Cloe revirou os olhos. Às vezes Hiei gostava de reafirmar o óbvio. Voltou a recostar-se, pensativa. –Será que está tudo correndo bem?
–Quem sabe… eles ainda não entraram em contato…
–Estamos começando a ficar esquecidos… -choramingou Sacha, o que fez Cloe levar a mão a boca para esconder um risinho, mas logo assumiu seu tom sério novamente.
–Conseguem ouvir?
Sacha e Hiei se entreolharam e depois voltaram a fita-la, balançando lentamente a cabeça em sinal negativo. Para variar, sua audição era sempre melhor que a maioria da equipe… com exceção de Kit, talvez… não teve muito tempo para pensar nisso, quando um baque violento contra o teto do jato fez com que este chacoalhasse e desequilibrasse os três.
–Mas que…?
–A pergunta certa não seria… quem? –uma voz desconhecida a eles soou do lado de fora, e logo um par de pés calçando botas grossas apareceu, passando pela fresta que era a porta aberta e lançando-os um olhar de escárnio. Os cabelos eram de um tom escuro, sem uma cor muito definida… pareciam ser ligeiramente ruivos, mas não dava para se ter certeza. Os olhos seguiam o mesmo padrão… para se falar a verdade, a aparência toda dele passaria despercebida em qualquer lugar com muita gente… Algo comum, sem muitos atrativos, que não podia defini-lo como bonito ou feio… extremamente instável. A única coisa que faria alguém olhar duas vezes era sua vestimenta, que lembrava vagamente uma roupa de caçador, feita de pele e couro, num tom apático de marrom. Um arco passava pelos seus ombros, assim como a alça de uma aljava… mas ele não parecia disposto a atirar flechas, porque puxou algo que parecia ser uma espada e apontou-a aos três, que se olhavam como quem não entende absolutamente nada. –Ora… que pena… a gata-de-rua não está com vocês…
O cajado de Hiei apareceu prontamente em sua mão, enquanto Cloe já havia pegado o chicote no momento que este adentrara o jato, em sua mais lavada cara de pau. Suas orelhas de lobo que a faziam ficar quase fofa também já tinham aparecido, assim como a calda, o que significava que ela estava pronta para a batalha que certamente viria. Sacha seguiu seu exemplo e transformou-se, logo se apossando de seu jogo de arco e flechas e mirando uma na testa do rapaz.
–Vá embora… você está em desvantagem… -alegou Cloe, fazendo o chicote estalar… embora soubesse que não era bem uma verdade. Eles podiam ser três contra um por enquanto, mas estavam presos dentro do jato, e ainda teriam de tomar cuidado para não destruir nada do maquinário, ou isso influenciaria toda a missão. Se conseguisse tirá-lo de lá…
–Hum… mas vocês estão presos… por onde pensam que vão sair?? –ele coçou o queixo, como se cogitasse essa hipótese no lugar deles. –Passarão por mim? Pode ser que sim… aliás, porque não o fazem agora… -ele deu passos para trás, regredindo. Cloe não gostou nada do que essa atitude poderia significar. Quando os três chegaram à porta, ao mesmo tempo em que o estranho ainda dava passos atrás, mantendo-se afastado e saindo do jato, puderam ver uma verdadeira tropa de demônios em volta do perímetro. A garota engoliu em seco.
–Nada bom…
Hiei girou o cajado entre os dedos finos. –Hum… Haradja e seus bichinhos de estimação… acho que o Deus das Trevas não ficaria feliz em saber que ela está usufruindo de seus capangas…
–Ele podia reclamá-los agora… -Sacha choramingou uma vez mais, tremendo dos pés a cabeça, mas pareceu se controlar, ou sua mira iria acabar prejudicada.
–Não pode… está preso… há milhares de anos…
–Gente, não quero ser estraga-prazeres, mas podemos discutir isso depois? –Cloe fez o chicote estalar contra o chão e entrou em posição de defesa. O rapaz continuou olhando-os, e abriu um sorriso de deboche ao ver as duas garotas, lado-a-lado.
–Uma cadela e um colibri… o que vão fazer? Me morder? Ou me bicar até a morte? –ele deu uma gargalhada, fazendo um sinal para as tropas esperarem.
–Nota-se que matou as aulas de biologia… -resmungou Cloe em um tom neutro, enquanto Sacha dava um piti dizendo algo como: “Sou uma águia! A-G-U-I-A, seu idiota!!” –Posso saber ao menos o nome do presente ignorante?
Ele abriu um sorriso e cravou a espada no chão. -Eu sou um dos generais de Haradja… mas sua amiguinha… Kit, certo? Ela me conhece por Driguem…
Cloe sentiu uma onda de enjoo, mas ignorou-a. As peças haviam se juntado. Fez o chicote enrolar e olhou de esguelha para Hiei e Sacha. –Conseguem matar os demônios?
–Sem duvida que sim… -ele fez sinal de positivo. Sacha teve um segundo piti, mas logo fez o arco vibrar e colocou uma flecha no mesmo, mirando. –Pode contar…
–Que ótimo… -ela levantou os olhos castanhos translúcidos para Driguem, e passou um laço pelo cabelo cacheado, prendendo-o. Ele parecia estar se divertindo com a situação… ela iria acabar com a festa dele. –O cérebro de ameba ali é meu… -deu dois passos, logo começando a correr.
Driguem deu o sinal de ataque e o exército se fechou em volta deles. A jovem foi pulando por cima das cabeças de meia dúzia de demônios, passando por baixo de outros e finalmente seu afiado chicote acertou o rosto do inimigo, causando-lhe um arranhão e fazendo-o cambalear, mas nada mais que isso. Ele se recuperou rapidamente e fez um golpe de baixo para cima com a espada, cortando alguns fios de cabelo que ficaram no caminho quando ela tentou desviar. Cloe praguejou baixinho para si mesma… não era a toa que a colocaram de estrategista… ela era ótima para armar planos e esquemas, mas e quando a abordagem envolvia uma luta real? Ela era boa, mas não o suficiente… quase se arrependeu de ter feito a escolha de bater de frente logo com ele, mas logo forçou-se a focar novamente sua atenção a batalha. Girou o corpo, evitando um segundo golpe e fez o chicote estalar, mas Driguem também desviou.
–Venha, venha, cadelinha… -e ele fez um barulho sutil, como quem realmente chama um cachorro, o que faria qualquer um perder a cabeça, menos Cloe… afinal, sua força estava na sabedoria, e se deixasse o ódio queimar em seu peito, isso logo seria anulado. Saltou, passando por cima dele e pousando em suas costas, logo virando o corpo e fazendo o chicote enrolar-se nas pernas dele, derrubando-o por hora. Um demônio a agarrou pelo tornozelo, impedindo-a de continuar seus golpes. Ela tentou levantar-se, mas vendo que não conseguiria, deu um chute com a perna livre em seu estomago, e logo o chicote partiu o ser em dois…
Hiei estava com uma pilha de corpos ao seu lado a estas horas, usando o seu cajado-bastão como uma lança e estocando quantos demônios caiam em sua vista. Normalmente eles não morreriam, mas como já deve ter imaginado, a arma que este carregava era especial, assim como a de Mitaray… ou talvez fossem ambos especiais? Não fazia muita diferença no momento. Ele girou sobre si mesmo e acertou um perseguidor na testa, fazendo-o virar pó, e logo voltou ao trabalho.
Sacha estava um pouco mais distante dele, e por incrível que possa parecer, estava se saindo muito bem. As flechas entravam com uma precisão perfeita no corpo dos monstros, na maior parte das vezes os deixando incapacitados de lutar, e outras pegando pontos estratégicos que os faziam explodir numa nuvem de fumaça sulforosa. Estavam neste pé… ela atordoando, ele matando, quando ela murmurou uma imprecaução e retirou-se para cima da asa esquerda do jato, mantendo uma distância segura.
–O que foi? –Hiei a interpelou, vendo sua atual imobilidade. Ela parecia caçar algo com os olhos agudos de águia, e quando o ouviu apontou metodicamente para a própria aljava, agora vazia. Parecia estar em busca de flechas reutilizáveis, mas ao ver que não acharia nenhuma naquela algazarra, deu de ombros para o mesmo.
Hiei revirou os olhos, continuando a sua tarefa. –Despiste-os… está fazendo um bom trabalho, patricinha…
Ela teria sorrido, se o elogio fosse mais elaborado… ou parecesse mais com um… abriu as longas asas e despencou no meio do campo, agarrando demônios desprevenidos e subindo, atirando-os lá de cima… ou no chão, ou em seus semelhantes, ou até mesmo perto do campo de visão de Hiei, que logo botava um fim em sua existência.
Enquanto isso, Cloe ainda penava para tentar manter-se inteira. Driguem atacava sem piedade, e a partir de certo momento, começara a acertar alguns golpes… sorte dela que ainda era rápida o suficiente para que só pegassem de raspão. Levantou o chicote preso entre as duas mãos para segurar uma estocada por cima, movendo-se rapidamente para sair da trajetória e acabando por ficar com mais um corte no braço. Sua testa também fora atingida, o que fazia um filete de sangue percorrer seu rosto, exatamente sobre um dos olhos, prejudicando sua visão. Ela deu alguns passos para trás, tropeçando em o que parecia um demônio agonizante-já que estes viravam pó quando definitivamente morriam, e acabou por cair. Quando tentou levantar-se, teve a deprimente visão de uma espada apontada para seu pescoço.
–Já acabou de latir?
Ela engoliu um rosnado baixo… seu lado fera estava tomando conta, e se este vencesse só Deus sabe o que poderia acontecer… provavelmente nada muito bom para si mesma. Girou a perna, tentando dar-lhe uma rasteira, mas ele não caiu no truque e espetou uma flecha perdida em sua canela, fazendo-a realmente uivar de dor. –Diga adeus a sua vida… ela acaba agora…
Ótimo… agora ela ia realmente morrer… e ainda por burrice, o que a deixava mais brava ainda… mas não foi bem isso que aconteceu…
Com um misto de surpresa e incompreensão ela viu algo se mover ao lado do corpo dele… um bastão? A única coisa que conseguiu discernir foi seu rival sendo lançado longe como se fosse uma bola de beisebol. Segurando o tal cajado-exatamente como quem segura um bastão do mesmo jogo-estava Hiei, que parou no meio do movimento e colocou uma mão sobre os olhos, observando onde seu mais recente alvo iria parar. –Como é que se diz mesmo quando faz um ponto?
–Er… não me lembro para falar a verdade… -ela estava atordoada demais até para lembrar o próprio nome.
Ele sorriu e estendeu a mão para ajuda-la a levantar-se. –Você é tão inteligente e faz algo tão idiota… o que tem na cabeça??
–Um cérebro… neurônios… e no momento um galo… -ela apontou para a própria cabeça, provavelmente tinha levado uma porrada de um demônio… ou fora Driguem? Ela não sabia muito bem. Pegou a mão que ele estendia e levantou-se com certo esforço. O lugar estava vazio… sem um monstro sequer… -Fizeram um bom trabalho…
–Não é nada mais do que eu já estou acostumado… -ele sorriu, levando a mão para trás da cabeça. –Tome mais cuidado da próxima vez…
–Certo… se houver uma próxima estarei mais preparada… -ela desfez o laço do cabelo, que já estava todo bagunçado, e voltou a amarrá-lo. Agora voltara a sentir o frio da noite. Sacha catava flechas pelo campo, depois de verificar que a amiga parecia bem, e ia colocando-as em sua aljava, uma a uma… -Ela se saiu bem?
–Para uma patricinha mimada amante de sertanejo... sim, ela se saiu bem…
Cloe quase conseguiu sorrir. –Menos mal… -suspirou, pensando consigo mesma que tinha de melhorar seu potencial… ou a falta dele custaria sua vida. Voltou lentamente para o jato, abraçando o próprio corpo por causa do frio. Sentiu um casaco ser colocado em seu ombro e levantou os olhos para Hiei.
–O que foi?
–Nada… obrigada…
–Não tem de que… estou com calor mesmo…
Ela percebeu que era uma mentira, mas não argumentou contra ele. Os três voltaram a se acomodar dentro do jato, cuidando de seus ferimentos. Sua canela ardia, mas ela ainda conseguia andar, o que era uma boa coisa. Olhou pela janela, pensativa. –Será que voltará?
–Não acho… ele estava atrás de outra pessoa…
–Kit… -engoliu em seco. “Espero que fique bem” pensou, voltando a limpar o extenso ferimento e a prestar atenção no notebook. Ela verificara antes mesmo de se sentar, imaginando se pudessem ter mandado uma mensagem durante o ataque, mas nada chegara. Não sabia se isso era bom ou ruim…


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