Kit Black: Viajantes De Mundos escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 10
Escamas e muito Fogo!/Parte II




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Nicolas, Nicolas. Quando era uma criança de dez anos, você tinha mais bom-senso.
O Senhor do Palácio de Granito lançou ao seu conviva um olhar vazio. Se não tem nada pra me dizer de útil, Aldeon, espero contar com o seu silêncio.
Aldeon ignorou o comentário. Era um homem aparentemente frágil, de no máximo 45 anos. Seus cabelos começavam a ficar grisalhos, e tinham um tom meio rubro e quente, que fazia contraste com os olhos, cor de gelo. O rosto começava a mostrar sinais de velhice, mas ainda era estranhamente belo. A boca era uma linha tênue e nada sutil, feita para sorrir. E seus sorrisos costumavam ser gentis e compreensivos.
Foi um desses sorrisos que ele mostrou para Nicolas, enquanto afiava a lamina de sua espada. Era uma arma larga e temível. Dizia-se que sua cor mudava de acordo com o humor do dono. Agora, exibia uma cor acinzentada, o que queria dizer que ou ele estava muito triste, ou desagradavelmente cansado. Como eram duas coisas que não faziam parte do seu humor normal, as pessoas começaram a perguntar
A espada tinha o punho em formato de uma cabeça de dragão, mesclando o azul gelo e o vermelho, e sua lâmina era denteada e implacavelmente afiada. Ele a chamava, amigavelmente, Dente de Dragão, mas havia quem a chamasse de Lâmina Maldita de Gelo e Fogo. Se isso chegou aos ouvidos de Aldeon, ele não pareceu se importar.
Era um cavaleiro do Palácio de Granito desde que se conhecia como gente. Tinha crescido ali, aprendido a lutar ali, evoluído ali. E era ali que vira Nicolas pela primeira vez, e tinha se disposto a treiná-lo. Porém, aquilo acontecera há tempos. Nicolas crescera, e acabara de perder tudo. Não, ele perdera QUASE tudo.
Você não pode ficar assim pelo resto da vida, garoto. É o Senhor do Palácio de Granito ainda, ou estou enganado?
Nicolas chiou baixo, e de mau-humor respondeu: -Sou um homem, não um garoto.
Sem sombra de duvida o é na idade, mas será que o é na cabeça?
Ele se dignou a balançar a cabeça em resposta. Ao ver os seus amigos massacrados, mortos como se fossem pouco mais que nada, tinha sido tomado por uma tristeza atroz, que parecia nunca chegar ao fim. Logo a tristeza deu lugar à culpa. Depois ao ódio e ao desejo de vingança. E pela impossibilidade de poder se vingar, agora não havia nada a não ser amargura e dor. Estava, sem sombra de duvida, no fundo do posso.
Nick, meu garoto. Você precisa superar. Ficar trancado no palácio não irá lhe fazer bem, muito pelo contrário -Aldeon parou o que estava fazendo e olhou o antigo aprendiz de relance. Afinal, é inútil ficar aqui, se não faz seu trabalho direito. O imperador diz que está constantemente alheio ao que se passa ao seu redor, e os Deuses declaram que o seu humor anda terrível.
Os Deuses?
Reidh e Hera, na realidade Mas os outros dois também comentaram algo obre a sua paciência ter encurtado
E dai?
Você esquece-se de quem é filho, Nicolas? Esquece-se do lema de sua família?
Vencedores de batalhas impossíveis. Nicolas entoou, mais para si mesmo do que para Aldeon.
Acho que não está tão perdido assim, nobre rapaz.
Eu ainda estou combatendo.
Não me parece. Aliás, parece mais que você desistiu. E que usa uma semi-inconsciência e um escudo de amargura pra manter-se a salvo da dor. Não pode fugir pela eternidade. Você não é imortal.
Felizmente. Quando o meu dia chegar, não precisarei mais fugir.
Aldeon assumiu um esgar de irritação. Tola criança. E ainda se autoproclama um homem! ele desceu Dente de Dragão com toda a força. Nicolas precisou sair do seu estado de letargia para não ser partido em dois. Ele puxou sua própria espada, com seu nome gravado em letras azuis na lamina, e parou a estocada do mestre. Saltou para trás, evitando um segundo golpe e um terceiro. Um quarto golpe, dado em suas pernas com a parte cega da espada, o fez cair. Aldeon deu um daqueles seus sorrisos fáceis e apontou a ponta de sua espada para o pescoço de Nicolas. Este arfou, exasperado. Não esperava aquilo. Ainda estava tentando entender.
Por quê?
Porque você tem de voltar pra guerra, Nicolas. Ou seus amigos terão morrido em vão. Precisa lembrar que ainda há pessoas com as quais se importa, e elas ainda estão vivas. Deve fazer justiça, e retornar ao trabalho.
Acho que não consigo
Aldeon guardou a espada e lhe ofereceu a mão para ajuda-lo a se levantar. É obvio que consegue. Você chegou até aqui, indo contra todas as probabilidades.
Isso foi diferente.
Quem sabe
Você mesmo disse que eu tinha mais bom-senso naquela época.
Aldeon apontou um dedo fino e ágil no nariz de Nicolas, alegando: -Não ouse usar minhas palavras contra mim, garoto. Ainda sou seu mestre.
Ele deu uma volta na sala, pegou a capa azul claro que costumava jogar nos ombros, e conduziu-se a saída do aposento. Nicolas estava na biblioteca, embora não tivesse paciência para ler coisa alguma ou estômago para analisar as atrocidades que Haradja cometera ao longo do mês. Era óbvio que sua intenção era ilhar Cristal, a capital de Diamante, onde se encontrava o Palácio de Granito. Suas forças marchavam, saindo de Soledad e começando a atacar todas as cidades ao seu alcance. Aldeon passou os olhos pelo último relatório, que estava em cima da mesa, intocado. Criatura esperta, aquela Haradja. Esperta e cruel demais para o bem de todos aqueles que lutavam contra ela.
Suspirou fundo e finalmente saiu do extenso cômodo. Antes de fechar a porta atrás de si, afirmou: -Eu nunca desisti de você, Nick, e não vou fazê-lo agora. Levante a cabeça e lute! E, se cair, levante-se! Se achar que não consegue, tente outra vez! Você pode vencer essa batalha impossível, é só querer.
O rapaz ainda ficou olhando muito tempo naquela direção, mesmo depois de Aldeon já ter ido embora. Seus dedos roçaram o relatório. Ele tinha razão, afinal. Estava sendo infantil, parecia mesmo um garotinho assustado. Sentou-se a mesa e obrigou-se a olhar o pedaço de papel. Haradja separara seu exército em duas frentes: uma seguia pelo leste, a comando de Gaia, o esqueleto vivo. Outra marchava a oeste, sob a bandeira de Mid Night, o pirata demoníaco, e sua corja de assassinos. Passou a mão pelos cabelos negros. Por Ajax! Onde estava com a cabeça? Tinha que fazer algo, e já
Agora podia ver a tênue luz da manhã passar pelas janelas. Luz Não se sentia mais tão no fundo do posso. Ele ainda estava lá em baixo, mas agora podia voltar superfície. Vamos, Nicolas, escale
Abriu um mapa sobre a mesa. Prevendo táticas de guerra, estratégias para barrar o avanço da imortal. Não poderia fazer isso sozinho Lançou um olhar para Farem, onde um pequeno pontinho negro feito à caneta marcava o exato local da Sede Black. Iris o ajudaria. E a garota estava lá Quase se esquecera disso. Tapado, idiota A garota tinha sido o motivo daquilo tudo, e ele a esquecera. Sentia-se horrível por isso. Abandoná-la não era opção. Nunca tinha sido.
Vamos, Nicolas, reaja e suba
Aldeon fizera bem em lembrá-lo. Ainda havia pessoas as quais ele daria a vida para salvar. Era nisso que ele se apoiaria.
Vamos, Nicolas, você consegue!
Uma revoada de plumas tirou sua concentração. Conhecia bem aquelas plumas. Retirou uma que havia caído sobre o seu nariz e saldou o recém-chegado
Majestade
Nick. Parece que seu humor melhorou consideravelmente
Acredito que seja agradável o suficiente agora, certo, Reidh?
O Deus fez um leve aceno com a cabeça e lhe ofereceu um sorriso juvenil. Sem duvida.
Alguma noticia da Sede Black?
Reidh farfalhou as asas, desconfortavelmente. Me parece que Iris mandou os novatos em sua primeira missão, hoje.
Nicolas franziu as sobrancelhas. Que tipo de missão?
O elfo se deslocou pela sala, mudando de assunto: -Me disseram que ficou aqui direto nos últimos dias. Não sei como consegue. É fechado e abafado. Parece uma gaiola.
É. Parecia mesmo. E Reidh sabia disso muito bem, já que detestava lugares fechados, perto do chão, ou pequenos. Um Deus do Ar tem que ser livre pra ir onde quiser. Precisa ser como seu elemento, O Deus lhe dissera certa vez, e foi nesse dia que ele chegou a conclusão que Reidh estava onde deveria estar. Entretanto, isso significava que o Deus dos rumores sempre estaria por perto, quando ele quisesse ou não, lhe contando ou roubando-lhe histórias para passar adiante. Ele era mais confiável e mais correto que qualquer jornalista Mas isso não o tornava menos inconveniente
Você não respondeu a minha pergunta, Deus da Fofoca. Nick ousou afrontar. Ele viu quando Reidh baixou as orelhas pontudas, com uma profunda irritação e respondia, enquanto girava uma pena alva entre os dedos. Deus dos RUMORES. E, se te interessa tanto saber, Kit foi para Dragon. Procurar por escamas de dragão.
Nicolas sentiu como se tivesse escorregado ao subir a parede do posso que se esforçava tanto para deixar. Não seja tolo, Nicolas, você não cairá
Dragon?! Iris mandou ela para -Ele começou, atônito, logo passando para o modo vou matar alguém: -Qual é o problema daquela mulher?!
Não faço ideia. Reidh disse, sem se importar se o Senhor havia lhe escutado ou não. Mas gostaria imensamente de saber
Deuses, olhem por mim
Ah, nós já olhamos por você desde o seu nascimento, e acredite, pelo menos pra mim só me deu dores de cabeça.
Nicolas observou-o de esguelha. Estava sendo retórico. Força do habito.
Claro, claro. Aqui, se quiser que eu olhe pela garota também eu posso ir
Pra ter outra história pra espalhar? Não, obrigado. E além do mais, você não pode interferir diretamente
Não, mas posso interferir indiretamente.
Não, Reidh. Deixe-a em paz. Ela vai se dar bem.
Será?
Esqueceu de quem ela é filha? Questionou Nick, ao que o Deus objetou com uma gargalhada.
O sangue que corre nas veias não faz o herói, meu caro.
Não. Mas a fé faz.
Reidh sorriu-lhe uma última vez. Espero que a fé de todos seja bem forte Até mais, Nick.
Até
Ele desapareceu em outra revoada de plumas, deixando Nicolas só e com muitas penas espalhadas pelo chão. Pouco a pouco essas foram desaparecendo, até não sobrar nenhuma. O rapaz fitou novamente o mapa, destampando uma caneta qualquer que estava à vista e fazendo um círculo, vermelho, sobre o território de Dragon. Tamborilou os dedos no tampo da mesa, um tanto quanto aflito. O que Iris estaria pensando? Tentou deixar esse assunto para depois. Não podia se meter, por enquanto
Por enquanto.
Vamos, Nicolas. Você deixou o poço. É hora de combater
   
Kit chegou para trás bem a tempo de se esquivar de um pedaço de casca de ovo duro como ferro que passou silvando em sua direção. Olhou atônita para o ninho improvisado. Uma criatura tinha saído do ovo, com garras afiadas e escamas reluzentes, de um escarlate vivo, com as veias das asas se projetando em tons de negro. Não era maior do que um gato, mas suas asas abertas tinham a envergadura superior ao dobro do seu corpo. A fina calda, com três espigões na ponta, agitava-se mais do que a própria Kit. As patas eram pequenas e aparentemente frágeis, e na ponta de seu fino pescoço se propagava uma cabeça igualmente fina, com chifres curtos e olhos estreitos, verde-esmeralda. No conjunto, era até uma criaturinha bonitinha. Foi o que a garota pensou antes do filhote de dragão conduzir um jato de fogo em sua direção.
Ela sentiu que era puxada para trás, mas ignorava quem fosse A chama passou tão perto que ela poderia ter perdido o nariz Dois braços fortes agarravam-na, de modo que Kit não poderia se mexer nem se quisesse
Parada Eles investem contra centros de movimento
Suspirando de alivio, a garota seguiu as ordens, mantendo-se estática, enquanto dialogava
Mitaray Você me assustou Como me achou?
Eu ouvi você gritar
Eu não gritei
Então deve ter sido só impressão. Ele sorriu-lhe, com doçura, e olhou a pequena criatura, que se esforçava para tirar uma das asas que ficara presa debaixo de um pedaço de casca de ovo. Meus parabéns, Kit, você conseguiu Achou um dragão mais cedo do que imaginávamos, e nem precisamos entrar mais no território
Kit não respondeu, apenas observou o serzinho se contorcer, tentando se libertar, inutilmente.
Não é justo
O que?
A jovem se aproximou lentamente do dragão. Podia sentir o ar esquentar drasticamente ao seu redor. O ser silvou, ameaçando queima-la novamente, mas ela continuou a andar, bem devagar.
Kit... O que está fazendo?
Ela continuou a caminhar, chegando perto apenas o suficiente desprender o dragão. Retirada a casca, deu dois passos atrás e ficou observando, em silêncio, enquanto a criatura esticava as asas e fazia uma tentativa de voo, logo caindo ao chão.
Mitaray desviou seu olhar para o dragão.
Está machucado Não poderá voar tão cedo.
A garota não respondeu. Mordeu levemente os lábios, silenciosa, provavelmente tramando algo. De alguma forma, ele tinha uma ideia do que ela estava pensando. Era muito óbvio.
Você vai leva-lo?
Ele não pode ficar aqui
Ele é um dragão! Está no único lugar deste reino onde não pode ser ameaçado.
Está numa fenda de rocha esquecida pelo tempo Não acha isso estranho? Você mesmo disse que os filhotes eram criados no Berço de Chamas.
Ele parou para analisar a situação por alguns segundos, antes de afirmar, categórico: -Mesmo que o levemos Crós vai querer usar as escamas dele, e acho que não vai querer que isso aconteça.
Eu me resolvo com Salem E, além do mais, ainda não acabamos. Precisamos achar escamas
E achamos Mas você prefere ignorá-las. Mitaray deu de ombros, aparentemente vencido. Colocou uma mão no ombro da garota, abrindo um sorriso sutil, característico dele. Não me leve a mal Entretanto, sabe que vai arranjar problemas se for fazer isso mesmo, não é?
Sim eu sei.
Tudo bem. Está sob sua própria conta e risco. Olha de viés para a criatura, e depois para Kit. A questão é: Será que ele irá com você?
Ela fez uma careta. Não havia pensado nisso. Como se fazia um bebê-dragão ir atrás de você? Cobrindo-se de ketchup? Quem sabe talvez molho para churrasco
Não faço ideia
Abaixou as orelhas, chateada. O ser ainda tentava voar, sem sucesso algum. Em certo instante, sentou-se sobre as patas traseiras, mordendo descontraidamente as próprias asas, como se estivesse culpando-as por não o sustentarem. Os olhos verdes passaram por todas as direções, antes de localizarem Kit. Ele silvou baixo para ela, abrindo um pouco as asas. A jovem deu novamente alguns passos na direção dele, com a mão estendida em sua direção. Um, dois, três passos. Mitaray não disse nada. Ela se perguntou se, mesmo depois daquele comentário que fizera, ele a ajudaria novamente. Obrigou-se a voltar sua atenção para o dragão. Mesmo que não pudesse leva-lo consigo Pelo menos tinha que coloca-lo num lugar seguro. Mesmo sendo um ser mitológico e inteligente, cuspidor de fogo e devorador de lava, não iria sobreviver ali sozinho Teria que leva-lo ao Berço de Chamas. Era sua melhor opção. Andou mais alguns passos. Ele silvou, ameaçando tentar fritá-la pela terceira vez. Ela parou, agachando-se a frente dele, sem tocá-lo, no entanto. A mão continuava estendida, num convite mudo. Viu o dragão inclinar a cabeça para o lado, como se estivesse pensando: Está fazendo o que, garota-gato-burra?. As enormes asas voltaram a se abrir e ele levantou-se, avançando com cautela, até tocar o focinho nos dedos de Kit. Chegou ainda mais perto, cutucando a mão dela com o topo da cabeça. A jovem teve que afastar um pouco a mão, ou os chifres a arranhariam.
Parece que gostou de você
É -O dragão finalmente pulou para o colo dela, se encolhendo e repousando sobre suas pernas. Primeira parte concluída. Só falta tirá-lo daqui.
E enfrentarmos um exército de dragões para coloca-lo dentro do Berço de Chamas. Fácil.
Não seja tão pessimista, isso é coisa do Hiei
Não estou sendo pessimista, estou sendo prevenido -Coçava a cabeça, com um ponta de preocupação. De toda forma, vamos indo
   
O computador finalmente atualizou, mostrando que fora devidamente consertado. Kira acabava de dar os últimos reparos, e logo acenava para Cloe, sem erguer a cabeça.
Venhaé todo seu.
A jovem fez uma careta de descrença, mas logo se sentou numa cadeira, girando-a para ficar de frente a tela, depois de a outra lhe dar passagem.
Você tem certeza?
Veja por si mesma.
Ela bateu levemente com o dedo na tela da máquina, enquanto os devidos programas eram abertos. Cloe viu a tela de vídeo aparecer, e nesta a face de Ken.
Demoraram muito
A irmã se debruçou e começou a praguejar, enquanto resmungava o quanto fora difícil concertar o computador e como ele deveria ser mais grato. Cloe cutucou-a insistentemente para que ela se calasse. Depois voltando os olhos castanhos para a tela, começou.
Como está a situação?
Ruim perdemos Mitaray e Kit, e não conseguimos manter contato mas de acordo com o combinado, deveríamos nos reencontrar no Berço de Chamas caso ouve-se uma situação assim.
Kit só me dá problemas -Ela passou a mão pela testa. Deveria ter seguido o previsto, mas sempre tem que se meter em confusão. Sabia que a garota tinha se mostrado uma batedora eficaz, mas não se contentava apenas em observar
Isso é algo que já tínhamos previsto
Ela tirou as mãos e se espreguiçou. Estava pensativa. Se houver algum descuido, morrerão carbonizados. Não deveria ser algo agradável. Ajeitou-se, juntando os dedos das mãos. Siga
Como assim, siga?
Siga vá em frente, rumo ao Berço de Chamas.
Este é o seu plano?
É o melhor que temos, a menos que consigam contato com os batedores -Ela inclinou a cabeça, fitando-o com uma expressão quase inocente. Duvidas de mim?
Er -Ela viu-o sacudir freneticamente as mãos em resposta. - claro que não mas e depois?
Depois -Um meio sorriso surgiu em seus lábios, e ela aproximou-se mais da tela. Escute bem, isso pode salvar as suas vidas
   
Ele desceu da árvore em que estava sentado alguns minutos antes e caminhou silenciosamente para a cidade. O arco passava pelo ombro, preso a seu corpo por este, e as flechas acomodavam-se dentro de uma aljava mesclada de verde e marrom, que ajudava a confundir com o ambiente em que estivera. Alberich não tinha receio de ser encontrado. Apenas queria evitar tal coisa. Seria muito complicado se desvencilhar de dezenas de guardas. E detestava lidar com guardas.
Continuou a caminhar até chegar aos portões de Sybelle. A cidade-capital do reino era bem organizada, mas pecava quando se tratava de recepção. Os guardas imperiais circulavam por todo lugar mais improvável, e qualquer pessoa vagamente suspeita era interrogada. Alberich era um elfo de Faren e, muito além disso, era agora um integrante externo da Equipe Black, um informante. O Imperador podia não considera-lo uma ameaça, mas a sua guarda o achava muitas vezes impertinente, assim como o resto da Equipe. O Senhor do Palácio de Granito até tentara dar um fim nestas demonstrações claras de desafeto, mas foi em vão. De modo que o elfo apenas começou a evitar encontros desagradáveis, e sempre entrava pelo lado de floresta, praticamente invadindo os limites da cidade pelo lado menos vigiado possível.
E, da mesma forma, aquilo ainda era um aborrecimento. Não havia forma de evitar completamente os guardas. Isso se provou verdade quando ele dobrou a quinta esquina. Um destacamento de cinco guardas o fitou de modo desconfiado, e um até mesmo levou a mão ao punho da espada.
Por que será que eles não podem simplesmente me ignorar? Ele sabia que era pedir demais. Continuou a caminhar, no entanto, ignorando os olhares e a mão pronta a lançar um ataque a qualquer instante.
Hei, você!
Ele já havia passado pelo grupo, mas parou e virou a cabeça apenas um pouco, de modo que pudesse fita-los de esguelha.
Sim, meus senhores?
Um dos cinco foi até ele e o examinou de perto, recebendo um olhar indiferente em resposta. Logo, continuou:
Tome cuidado, há traidores soltos por aí Dizem que Haradja está marchando
Ele se afastou novamente. O tom que usara deixava claro o que estava escrito nas entrelinhas: Estou de olho em você, elfo, se for um deles, irei saber. Mas Alberich apenas ignorou isso. Algo mais urgente entrara em sua cabeça. Voltou ao seu antigo caminho, lançando um obrigado não muito convincente para o grupo. Continuou a caminhar e caminhar, até ele desaparecer completamente do seu raio de visão.
Haradja marchando? Haradja não marcha ela manda seus demônios, assassinos e esqueletos vivos fazerem seu trabalho sujo. Abaixou a cabeça, pensativo. Prédios de arquitetura estilizada passavam por ele, mas não notava isso. Vibrou as orelhas pontudas, tentando captar pedaços de conversas. Saberia que só ouviria cochichos por parte dos guardas, já que a notícia dificilmente chegara a população comum. O Imperador e os Deuses preferiam assim, para evitar um provável caos. Mas o ataque a Cidade das Águas correra de boca em boca do mesmo jeito, assim como o assassinato (ou, havia quem dissesse sabotagem) de boa parte da Equipe Black. A questão era que os humores estavam bastante alterados, de qualquer jeito, e espalharem que a selvagem-cruel-sanguinária Haradja saiu de seu covil deveria trazer mais problemas ainda.
Ouvia atentamente, mas nada de novo foi adicionado ao fato nada de convincente, ao menos. Pegou-se imaginando se era apenas um boato, e, caso não fosse, o que poderia ter levado a isso. Haradja poderia estar cansada de ficar tanto tempo inerte pouco provável. Ela não se mostrara o tipo de pessoa determinada a liderar seu próprio exército em uma batalha a menos que a chegada da garota que estava fadada a derrota-la tenha feito com que ela saísse de sua zona de conforto mas isso era tão ilógico quanto à primeira opção. Se a Milady Infernal estivesse tão preocupada com Kit, certamente teria começado sua marcha há um mês, quando a menina se juntou a Equipe
Ele passou a mão pela testa mais uma vez, e girou para subir os degraus que levavam ao portão do Palácio de Granito. Mais uma dúzia de guardas o guardava.
Mais essa
Quem vem?
A voz estridente do capitão chegou aos seus ouvidos, fazendo-o se contorcer por dentro. O atual comandante dos guardas devia ter mais de 40 anos, e utilizava uma suíça que, ao invés de tornar seu aspecto mais respeitável, só levava-o ao ridículo.
Alberith de Helm, senhor tenho assuntos urgentes para tratar com Nicolas
Com o Senhor do Palácio de Granito, você quer dizer.
O elfo respondeu com um esgar de ceticismo.
Que seja
Se o agrada sim, preciso me reportar a ele.
Ele não está disponível no momento -Juntou as sobrancelhas, encarando Alberith abertamente. Você não é aquele elfo informante?
Como se existisse outro andado por estas bandas
Creio que sim
Sempre furtivo não seria um espião, certo?
Se eu fosse um -Um sorriso surgiu em seus lábios, rapidamente: Você nunca desconfiaria.
Faria bem segurar a língua, se não quer vê-la cortada e espetada em algum poste por estas bandas. Agora a fisionomia do capitão não era nada feliz. Seus dedos correram pela empunhadura da espada. Quase automaticamente, Alberith já havia tirado o arco e encaixado uma flecha neste, de modo que uma batalha poderia começar a qualquer instante.
E és tu quem pretende cortá-la?
O barulho de aço deslizando em couro se fez ouvir, enquanto o senhor retirava sua espada da bainha, pronto para dar uma estocada. O elfo esquivou, puxando a flecha rapidamente e soltando. Ela cravou-se a alguns centímetros acima da cabeça do combatente, numa pilastra atrás deste. Ele girou sobre seu próprio eixo, pronto para dar um segundo golpe, lateral, com a espada. Os outros guardas, vindo para ver a causa da algazarra, começavam a desembainhar suas armas também.
Já basta, Baltazar.
O golpe parou imediatamente, assim como todos aqueles que estavam circundando os dois combatentes. Nicolas deu dois passos a frente, mostrando-se visível. Mais uma vez escutou-se o barulho de aço raspando em couro, mas era agora de pelo menos doze espadas, sendo guardadas a um só tempo.
Meu Senhor -Alberith, fez uma leve mesura. Já estava com seu arco guardado também, e os cabelos ruivos pareciam levemente desalinhados, causa de sua ultimo tentativa de se desviar.
Milorde. Não é o que está pensando
Eu sei muito bem o que penso e com o que isto se parece, Baltazar, não necessito de suas explicações. Ele segurou a ponte do nariz entre os dedos, suspirando profundamente, e continuou: -Volte para seu posto, eu assumo daqui.
Mas
É uma ordem. Não esperou o capitão responder e virou-se para o resto dos guardas: -O trabalho de vocês é manter a segurança do Imperador, não tentar adivinhar quem será o próximo espião a cruzar estes portões. Estreitou os olhos. Aconselho que comecem a arranjar isso a partir de agora.
Alguns resmungos baixos se seguiram, mas em poucos segundos todos já haviam voltado a seus afazeres. O Senhor do palácio de Granito, fez um gesto ao seu convidado para segui-lo, e os dois entraram no palácio, os passos ecoando no silencio.
A sede do governo de Diamante tinha este nome porque realmente era feita quase completamente de granito. A rocha se mostrava no piso, nas paredes, nos ornamentos do teto uma verdadeira obra de arte construída por um dos Deuses, diziam, o qual o Imperador tomava como morada e sala de audiências. Ali também vivia sua família, caso houvesse, e seus subordinados de mais alto escalão. Nicolas era um deles.
O poder do Reino nunca fora hereditário. Eram os Deuses que escolhiam um novo Imperador assim que o anterior morresse. Não era o tipo de cargo provisório. Se fosse escolhido para governar e aceitasse, viveria o resto de sua vida no palácio, e apenas a morte lhe tiraria do trono.
Sua mira já foi melhor
O elfo sorriu: -Eu errei propositalmente.
Imaginei. Pensei que tivéssemos combinado de que evitaria este tipo de situação.
Eu evito, senhor eles que cismam em retirar suas lâminas sempre que me avistam. Deu de ombros, passando os ágeis dedos pela corda do arco, que atravessava a frente de seu corpo. Legitima defesa, é como respondo.
Eu chamo de língua viperina. Passou as mãos pelos cabelos. Parecia cansado. Queria tratar comigo?
Sim. Correm boatos na cidade, entre os guardas.
São o que parecem. Boatos. Abaixou o tom de voz. Haradja não está em marcha, mas seu exército está deslocam-se em duas frentes, mas já sabe disso.
Eu sei. Mas preferi confirmar.
Ótima decisão. Mas seja quem for que espalhou o boato, conseguiu o que queria. Os civis estão começando a escutar, e se isso não for controlado
Teremos caos.
Acredite, isso não é nem a pior parte. Realmente creio que haja traidores entre nós, e devem estar aqui dentro também. Mexeu desconfortavelmente os dedos, antes de continuar: -Preciso ter certeza.
De que?
De quem eu imagino que seja o responsável pela chacina da minha -Ele parou. De boa parte da Equipe Black original.
Ainda é muito recente e ele ainda se culpa.
Alberith ficou alguns instantes em silêncio, antes de continuar. Ele já havia se oferecido para buscar o causador, e este era um de seus trabalhos atuais, de modo que era inútil voltar neste assunto, já que não tinha nada de novo para informar.
Deve saber
Iris mandou a garota para uma missão em Dragon. Eu sei disso.
Preocupado?
Receoso.
O que tanto teme?
Você não é ignorante, elfo sabe muito bem.
Ele deixou mais um sorriso ligeiro passar pelo rosto. Sempre se esqueces de com quem estás a falar, não é?
Nem por um fugaz instante. Foi a vez de Nick sorrir. Escamas de Dragão?
Sim pergunto-me o que Cross está tramando.
Escamas de Dragão são usadas em várias poções, principalmente de invulnerabilidade.
QUASE invulnerabilidade mas o que ele imagina fazer com isso?
São sempre uteis, caríssimo amigo de orelhas pontudas. Ele juntou os dedos das mãos na frente do rosto. No entanto, ele deve ter algum motivo para manter seu estoque cheio. E aposto que este motivo começa com a letra H.
Haradja é imortal, de toda forma, uma poção dessas não garantirá ganhar dela é até mesmo inútil.
Ela é imortal, mas o resto do seu exército não é -Parou de andar, virando-se para encarar o elfo. Sabe onde me encontrar. Qualquer nova informação que consiga, venha procurar por mim.
É para isto que sirvo, meu senhor. Fez uma nova mesura, girando nos calcanhares e começando a fazer o caminho inverso, antes de ouvir o outro o chamar.
Alberith!
Sim?
Acenava para uma das janelas. Por este trajeto não há guardas.
Negava com a cabeça. Prefiro sair pela porta.
Não tem mesmo jeito
Eu tento, meu senhor.
Ah, sem dúvida nenhuma -Fechou os olhos e voltou a seguir para o fim do corredor, antes de acenar levemente com a mão. Atée tente não causar mais tumulto.
Como ordenar. Saía pela porta, voltando todo o caminho. O dia estava longe de acabar, e Alberith sabia que ele seria realmente muito longo


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