O Seu Sorriso escrita por Vítor Guimarães


Capítulo 1
A moça salva o rapaz.




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Normalmente, não costumo fazer o que estou prestes a fazer, até por que não se pode morrer duas vezes em uma única vida. Nesse exato momento minhas pernas tremulam e a corrente de ar provoca uma temperatura equivalente à 05ºC aqui em cima. Só agora, olhando de relance pela beirada, que percebo como é alto o World Trade Center — pelo menos mais do que eu esperava que ele fosse.

Oh! Esqueci-me de me apresentar — que indelicadeza a minha. — Meu nome é Sam Walter. Tenho 29 anos e, nesse exato momento, me preparo espiritualmente para me lançar da superfície do World Trade Center. Não que esse seja um ato que Deus admiraria, mas é que... bem, acho que não me encaixo nessa versão turbulenta de toda a trajetória da minha vida espiritual. E, quem sabe, talvez em uma próxima reencarnação as coisas comecem a mudar para mim. Cruzo os dedos acima da cabeça para que isso aconteça!

Tudo bem, estou pronto! Paro de andar compulsivamente de um lado para o outro e finalmente, após cinco horas aqui em cima, firmo os pés no chão e começo a avançar pela plataforma. Por instinto, paro na beirada do edifício e olho mais uma vez para baixo. Puxa, parece estar mais alto do que estava há alguns minutos atrás!

Droga! Droga! Droga! Droga!

— Vamos lá, Sam — digo para mim mesmo. — Você consegue!

Contraio o pescoço para a direita e para a esquerda até ouvir um estralo.

— É agora!

Fecho os punhos com tanta força que sinto uma poça de suor se formando nas palmas das minhas mãos. Prendo a respiração por um segundo, e então exalo o ar dos meus pulmões em seguida.

Por fim, subo na quina da plataforma superior e fecho os olhos, contando mentalmente: 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4...

— Ei! — grita uma voz atrás de mim. — Não faça isso!

Assusto com o grito e abro os olhos instantaneamente, cambaleando por impulso, abrindo os braços para tentar manter o equilíbrio.

— Ai, meu Deus! — grita uma moça, correndo em minha direção.

Infelizmente não foi dessa vez.

Antes que eu pudesse pensar em algo, já estava caindo edifício a baixo. Meu coração batia tão rápido que eu não o sentia em meu peito. O ar congelante lambia todo meu rosto. Nesse momento, já havia me arrependido de subir até lá e achar que aquela fosse a única saída.

Quem sabe se eu gritasse alguém conseguisse me ouvir. Talvez antes mesmo de atingir o chão, alguém lá em baixo me escutasse e pensasse em algo que provocaria o meu resgate com sucesso. Mas as únicas palavras que começaram a sair da minha boca foram:

— Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome. Venha a nós vosso...

Como se minha prece fosse atendida antes do término, pairei no ar, relutando contra a forte brisa que vinha de cima. Seria algo sobrenatural? Seria Deus me dando uma segunda-chance? Ou... Não podia ser! Ou poderia sim, e estava acontecendo... A mulher que me fizera perder o equilíbrio me segurava pelo colarinho da camisa-social-roxa que eu usava.

— Peguei você! — exclamou ela, forçando a mão no tecido da camisa, puxando-me para cima.

Agarrei a sua mão, feliz por ela não ter me soltado. Firmei o pé na textura da parede e tomei impulso para cima.

Rapidamente, metade do meu corpo já estava na quina da plataforma e a mulher me ajudava a trazer o resto dele para a superfície plana. “Que bela dupla”, pensei instantaneamente.

Já de volta à parte concreta do edifício, eu recuperava o fôlego, arfando a cada segundo. Notei que a mulher fazia o mesmo.

— Você poderia ter me matado! — disse a ela, em estado de choque.

— O quê? — ela respondeu, indignada. — Me desculpe, mas não era eu quem estava na quina de uma plataforma há dois minutos.

Olhei para ela, com o mesmo ar de indignação. Era claro que a culpa por eu ter despencado era toda dela, e não minha. Foi ela quem havia me assustado com o grito, fazendo com que eu perdesse todo o equilíbrio dos meus músculos-corporais.

— Me desculpe senhorita, mas foi você quem me fez perder o equilíbrio com seu grito-histérico!

— E desde quando se deparar com um homem que está preste a saltar de um prédio não é motivo para não entrar em pânico?

— Eu não estava prestes a saltar do prédio!

— Sério? — ela disse, com um ar de desdém.

Abri a boca para responder, mas nada saiu. Ela tinha razão. Por que alguém não entraria em pânico se estivesse prestes a presenciar um assassinato?

Naquele momento, a pergunta que cingia minha mente era: como cheguei a esse ponto? Tal pergunta que a resposta não constava em meu dicionário.

— Agora me diga... — ela começou a dizer — o que levaria uma pessoa a achar que não houvesse mais saída?

Um sorriso se formou em seus lábios e pude perceber que ela, apesar de tudo o que eu acabara de dizer, estava sendo gentil comigo.

— Bem... — disse, acanhado. — É tudo!

— Mas o que é “tudo”?

Arfei, sentando-me de frente para ela.

— Meu trabalho, as pessoas, é tudo... literalmente.

Ficamos em silêncio por alguns segundo, trocando olhares misteriosos.

— Sou Anna — ela disse, me estendendo o braço. — Anna Martin.

Apertei sua mão:

— Sou o Sam. Sam Walter.

— Prazer em conhecê-lo, Sam.

Nossas mãos se chacoalhavam no ar, e por um breve segundo pude perceber o quanto ela era bonita. Tinha volumosos cabelos ruivos e cacheados. Os olhos atribuíam um tom azul-vivo surpreendente. A pele clara ganhava um pouco de sardas alaranjadas, principalmente na área das maçãs de seu rosto. Tinha também a boca mais perfeita e o sorriso mais extraordinário que eu já havia visto em toda minha vida. De todas suas características, nenhuma se destacava tanto quanto ele. Era encantador e trazia certo conforto aos meus olhos.

Meio bobo, retribuí o sorriso e disse, por fim:

— O prazer é todo meu.


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