Reminiscência escrita por Noah Marmallade


Capítulo 1
Um




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Vazia, sem alma, sem vida. Foi essa a sensação que ele teve ao entrar naquela casa vazia. Vazia não, ainda tinha alguns poucos móveis, pertencentes ao antigo morador. Um sofá aqui, uma mesinha de centro ali… Fora isso, nada. É verdade que era grande, claro, muito maior que o antigo apartamento em que morara com os pais e irmãos. Devia estar finalmente feliz por terem se mudado para aquela casa grande e confortável, segura. Então por que não estava?

A verdade é que aquilo não era um lar. Era uma casa, mas não um lar. Não tinha vida, não tinha nada. Vazia de corpo e alma. Era apenas um amontoado de tijolos e massa, revestidos de tinta e com fios elétricos atravessando suas entranhas como um parasita, mascarando sua falta de essência. Sentia-se estúpido ao olhar o tamanho da casa e constar que, ainda assim, era tão pequena quanto sua vontade de morar lá. Imaginou, com certo desdém, que se o antigo morador não tivesse ele mesmo plantado o jardim, aquele terreno não passaria de um monte de terra e barro inútil. Sem valor.

Ele e seu irmão ficariam com o quarto de baixo, enquanto sua irmã e seus pais ficariam com os de cima. Escolheu o pior lugar. Foi o que sobrou, na verdade, não tinha opção. Odiava aquele quarto. Era o maior, mas o odiava. Nem sequer tinha uma cama. Ela seria comprada mais tarde, mas não sabia se poderia sobreviver até lá. Sentia-se numa selva. Não era um lugar amigável. Era inóspito, selvagem, um pedaço cru de vida passada. Não era aonde ele gostaria de morar. Não que quisesse voltar ao antigo apartamento, só não queria ficar ali.

Acordou um dia muito cedo, cedo demais. Saiu do quarto, subiu as escadas, abriu a porta da varanda, pulou o pequeno muro, esgueirou-se pelas telhas até achar um local confortável para se sentar. Estava ali, no teto da casa. Podia observar tudo. O céu estava claro, mas o sol ainda não havia nascido. Olhou ao redor das telhas. Não viu nenhuma forma de vida, sequer um inseto. “Nem os insetos querem morar aqui”, pensou, amargurado.

Desceu as escadas e foi à cozinha. Sua irmã estava sentada à mesa, já acordada, comendo algo pelo qual não se interessou. Ela começou a conversar com ele, tão jovem que era não percebeu que ele não a escutava. Ou simplesmente não ligou. Continuou a falar. Não tinha opção, a não ser sentar-se perto daquela tagarela. Ela parecia tão feliz falando, tão sorridente, parecia não se importar com nada. Como gostaria ele de poder voltar àquela idade de ouro, em que temos pouco ou nada a ligar a não ser com nós mesmos. Sorriu.

  Levantou-se da cadeira de repente, fazendo-a parar de falar. Deu-lhe um beijo na bochecha, desligou o alarme da casa e saiu desta. Ficou a observar o jardim. Era muito bonito, o antigo morador havia feito um bom trabalho. A grama molhada refletia a pouca luz do sol. Um pássaro solitário andava por ali. O clima estava agradável.

Olhou para trás e a encarou. Ela se erguia ali, imponente. Mas era só aparência. Estava morta. Vazia. Sem corpo, nem alma, nem vida. Ele suspirou e pensou, perguntando-se quando foi que todo o riso se fora.


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