Coletânea De Rabiscos escrita por Martina Santarosa


Capítulo 7
Nossa torre de Paris


Notas iniciais do capítulo

Esse tambem é um filminho....



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Eu estava sentada ali já fazia vários minutos e estava começando a acreditar que ele não apareceria. Eu chequei meu celular milhões de vezes enquanto estava ali. Nenhuma mensagem, nenhuma chamada. Nada. Continuei olhando, em parte para fingir que estava fazendo alguma coisa e não parecer tão besta para as pessoas que estavam passando, e em parte porque esperava que de repente, assim, do nada, chegasse uma mensagem dizendo algo como “Não vá, estou quase ai”.

Olhei para cima e vi as enormes colunas de ferro da torre. A nossa torre, como ele costumava brincar. Um sorriso surgiu em meus lábios quando lembrei de quando ele me pegou no colo e me levou até o topo da torre. Ninguém vem a Paris e não sobe na Torre Eiffel. Eu gritei com ele, pois tinha muito medo de altura. No elevador, enquanto eu esmagava seus dedos, ele sussurrou pra mim “Eu estou aqui, tudo vai ficar bem”, e, de repetente, eu soube que era verdade. Fomos até a ponta e eu vi toda Paris se estendendo a minha frente, respirei fundo e senti que toda aquela beleza e poesia se infiltrava em mim, fazendo com que minhas pernas tremessem, mas não de medo. Não, eu não tive medo, nem por um segundo. Ele estava bem ali, segurando minha mão.

– Oi – me assustei um pouco. Não que eu achasse que ele não viria, eu sabia que viria. Mas acho que sempre me assustava quando o via, como se não acreditasse que ele estivesse realmente ali, que fosse realmente meu.

– Oi – sorrimos ao mesmo tempo.

Ele estendeu a mão e eu aceitei, deixando que ele me guiasse até o elevador da nossa torre. Estávamos quietos, mas não era como se precisássemos de palavras, estava tudo bem daquele jeito. Subimos e subimos, nossas mãos entrelaçadas e nossos sorrisos conectados.

– Adoro esse chapéu – ele olhava o meu chapéu coco, que estava quase sempre em minha cabeça. Me inclinei para beija-lo, pois o comentário me deixou muito feliz. Sabia que ele não disse aquilo simplesmente para me agradar ou porque é o correto elogiar. Fez isso porque realmente gostava do chapéu, gostava dele em mim e de todos os significados malucos que eu atribuía a ele. Fiquei feliz também porque sabia que ele lembrava de todos esses significados e de todas as minhas manias estranhas, e que ele gostava delas. E que ele gostava delas porque eram minhas.

Andamos até a beira. Se eu me inclinasse mais um pouco poderia muito bem pular dali, abraçar o vento. Sei que naquele momento pensei: é exatamente isso que eu faria se eu um dia viesse a perdê-lo. Olhei para baixo. Tudo parecia tão pequeno, e ao mesmo tempo, olhando para o horizonte, era tudo tão vasto. O nosso amor era assim: fazia tudo na vida parecer ao mesmo tão lindo, uma beleza tão grande que me assustava, e tão insignificante, tão pequeno que, se eu não prestasse atenção, não notaria. 

– Você vai partir? – a pergunta veio do nada, ele simplesmente a soltou no ar, deixou-a pairando ali entre nós, apertando meu coração.

– Bem, um dia vou ter que voltar, não é? – Tentei rir, mas aquele não era um assunto para risos. – Não posso ficar para sempre.

– Por que não? – ele olhou nos meus olhos e provavelmente encontrou a mesma pergunta dançando em minha mente: Por que não?

Por que não poderia ficar? Eu queria estar com ele todos os dias. Queria acordar em sua cama todas as manhas, abrir a janela e olhar a nossa torre. Queria fazer café para nós enquanto ouvia o barulho da maquina de escrever que ele usava para criar seus contos. Almoçar um croissant em algum cafezinho perdido nas ruas de Paris depois de ter passado horas rodando as livrarias a procura de novos livros de poesia. Queria afastar o sofá da sala e por musica antiga para dançar com ele até que os vizinhos nos xingassem, e depois ver ele rir do meu jeito de achar que até os palavrões soam bonitos em francês.

– Porque... bem... – eu não tinha como responder.

– Fique – foi um pedido acompanhando de olhos brilhando. – Fique e more comigo. Quero que você seja a primeira e a ultima pessoa que eu veja todos os dias. Quero poder olhar você dançando ou inventando alguma coisa na cozinha, pra conseguir uma boa inspiração pros meus poemas. Quero poder ouvir você rir e cantar sempre, até que eu esteja velho e surdo de mais pra ouvir qualquer coisa. Quero que a gente possa vir aqui na nossa torre de e em quando e só olhar o cenário desses nossos filminhos.

Eu olhei pra cidade abaixo de nós. Eu podia vagamente ouvir os barulhos das vidas que se desenrolavam lá em baixo e por mais complexas e belas que elas poderiam ser, nenhuma delas me importava. A única que importava estava bem ali, ao meu lado, como sempre esteve desde que nos encontramos, e estava me pedindo para ficar. Não estava mandando nem implorando, estava só pedindo.

– Não estou te oferecendo nada de extraordinário. Nem uma casa grande, nem um carro, dinheiro ou certeza de felicidade. Só os meus dias. Só te digo que posso fazer dessa minha vida comum, a nossa vida comum. E, bem, talvez ela seja bonita. Pra mim sempre vai ser, se você estiver ali.

Ele me olhou com carinho e eu soube que nunca precisaria de mais nada. Se no lugar de cada “meu” eu colocasse um “nosso”, ficaria tudo bem. Me lembrei de novo o dia em que ele me mostrou a torre. Ele já havia me provado, a muito tempo, que enquanto ele estivesse ali, estaria tudo bem. Que enquanto estivéssemos ali, daríamos um jeito.

Nos beijamos por vários minutos ali, na nossa torre. E esses beijos se repetiram ao longo dos anos. Eu não tive mais medo de altura, só um frio na barriga e alguns sustos repentinos. Mas acho que isso acontecia porque, ao chegar ali em cima e olhar a cidade, eu tinha a impressão que o nosso amor conseguia ser ainda maior, mas se escondia tão bem no coração, que às vezes eu nem percebia. 


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Notas finais do capítulo

xxxxxxxxoooooooo



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