Era quase de manhã. No Distrito 12, uma mulher - que há pouco tempo fora menina - estrengulava um grito. Olhava em volta. Respirava com dificuldade, o suor frio escorrendo por entre os cabelos e o pijama. 

Seu marido acordara com a agitação. Tentava debilmente enxergar o que a esposa vira. Se cansou daquele jogo idiota, e lhe perguntou, se endireitando na cama, a voz rouca e olhos semicerrados.

- Katniss.  - Ele respirou fundo, procurando uma maneira de não parecer grosseiro. Ligou o abajur. A menina se encolheu, esperando encontrar algum monstro de olhos conhecidos - Não tem nada aqui. Está vendo? Nenhum bestante - Ele se forçou a dizer .

- Peeta - Ela sussurrou. Começou a chorar. Abraçou o marido confuso - Eu não aguento mais isso, Peeta. Não consigo mais. Peeta, vamos fugir, vamos ir embora. - Ela soluçava, agarrando com os dedos tremelicantes a camiseta do marido.

- Katniss, me escuta - Ele disse, segurando os pulsos da garota. Se obrigou a ser firme - Não vamos embora. Não tem nada aqui. Não há porque ir. 

" Não vai parar com seus pesadelos irritantes " - Ele pensou.

"Você é Katniss Everdeen, do Distrito 12. Você já participou dos Jogos Vorazes. Comigo, seu marido, Peeta Mellark. E nós ganhamos. Estamos na Aldeia dos Vitoriosos. Você tinha uma irmã. A Capital a matou. Você a amava e o nome dela era Primrose Everdeen. Você destruiu a Capital e matou o Presidente Snow. Os Jogos acabaram. Está tudo bem agora. " 

Ele repetiu, como há muitas noites fazia. Deitou-se na cama, puxando a mulher chorosa para seu peito. Passou-lhe a mão pelos cabelos até ela finalmente voltar a dormir. Desligou o abajur e fechou os olhos.

Aquilo valia mesmo a pena? - Ele permitiu-se pensar no torpor que antecede o sono.

Sim - Sua subconsciência lhe respondeu de imediato. Porque ele não seria feliz com ninguém como era com Katniss.

Algumas horas depois, o Sol decidiu que era sua hora de aparecer. Banhou o rosto da mulher que dormia um sono sem pesadelos perturbadores. Ela se levantou, com cuidado para não acordar o marido. Sentiu uma enorme náusea. Correu para o banheiro mais próximo e deixou ali o que comera na noite passada.

Com um horrível gosto de vômito na boca, as últimas palavras que se lembrava de ter trocado com sua mãe lhe vieram inesperadamente em sua cabeça.

"Então, hoje o dia não foi cheio. Só uma mulher, que estava tendo uns sonhos estranhos, e muito emotiva. Quando começou a vomitar sem parar, o marido a trouxe aqui desesperado. - A mais velha permitiu-se rir um pouquinho - No fim, ela estava bem. Só estava grávida."

Seus olhos se arregalaram. Ela jurara que jamais colocaria um filho para viver nesse mundo horrível no qual ela vivia.

Mas aquilo foi na época dos Jogos. 

Mas continua sendo ruim.

Tudo mudou, Katniss.

Não importa. Não vou ter nenhum filho.

Pode ser a chance de você voltar a falar com Gale. Convide-o para ser padrinho da criança.

Não. 

Seu bebe, Katniss. Pode ser como a Prim. Ela iria gostar de ter um sobrinho. Além disso, Peeta quer muito um filho. Não se lembra dele falando?

Eu não estou grávida.

Sabe que está.

Depois desse ponto, Katniss decidiu parar de discutir consigo mesma. Apanhou a bolsa, e rabiscou uma nota, deixando-a em cima da cama.

Volto já. Não se preoucupe, vou ficar bem.

Amor,

Katniss.

Calçou as antigas botas de seu pai, e correu para o mercado negro que fora reerguido após a paz. Procurou, com algum desespero, algum curandeiro que lhe confirmasse o que já sabia.

Estava tudo tão claro, que a garota mal precisava de uma resposta.

Uma mulher velha como os céus revelou-se curandeira. Olhou bem para a garota cheia de cicatrizes e espantou-se ao lembrar quem ela era. Depois de todo aquele tempo, Katniss continuava a ser o Tordo.

Os olhos de Katniss disseram a mulher tudo que ela precisava. Ela se sentou num pedaço maltrapilho de papelão e se deixou ser examinada pela senhora. Um sorriso faltando dentes se mostrou no rosto enrugado da velha. 

Katniss não precisava de mais nada além daquele sorriso. Levantou-se e correu para casa antes de ouvir a mulher lhe dizer " Parabéns mamãe".

Seus pés a arrastavam. Ela não sabia o que fazer. Uma criança, Katniss. O que diabos você vai fazer com uma criança? Não sabe cuidar de si mesma, por Deus.

As lágrimas rolaram no rosto da garota. Os ventos do caminho as faziam voar. Quando se deu por conta, estava no batente da sua porta. Haymitch gritava com ela.

" Katniss, por favor, está tudo bem ou você morreu e se esqueceu de cair?"

" Eu estou bem, Haymitch. Vai dormir "

Ele obedeceu. Katniss revirou os olhos. Abriu a porta e encontrou Peeta dormindo. Tentou fechar silenciosamente a porta, mas um movimento em sua barriga, a fez se contorcer e bater com violencia a porta. 

Peeta levantou-se de um salto. Tentou abraçar Katniss que o empurrou. Correu para o banheiro e pôs para fora o que restava em seu estomâgo. Limpou com as mãos a boca.

Peeta correu e a  olhou desconfiada.

" O que está acontecendo aqui, Katniss? "

" Está acontecendo, Peeta, que eu estou grávida "

Ela disse, pondo tudo para fora de uma vez. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas Peeta sorriu e a abraçou. Ela não retribuiu. Ela privou-se de sua emoções. Disse, sem expressar nada. O rosto vazio.

- Eu não quero essa coisa dentro de mim, Peeta.

- O que raios está dizendo, Katniss?

- Por Deus, Peeta, não podemos ter um bebe. 

- Claro que podemos. E vamos ter.

- Não vamos Peeta. Essa é a minha decisão final.

- Bom, a não ser que esteja me traindo, essa coisa que você está levando aí na sua barriga é parte minha. E eu não abro mão dela, me entende?

A garota suspirou. Amava demais Peeta para querer contrariá-lo assim. Mesmo sendo da sua natureza contestar, algo dizia que ela tinha o dever de ter aquele filho. 

- Tudo bem, Peeta. Você venceu. Mas tem uma condição - Ela disse, sorrindo maliciosamente.

- Qualquer coisa.

- Gale será padrinho dessa...criança - Ela se forçou a dizer. Ele sentiu o queixo cair.

Ela não podia estar fazendo aquilo com ele.