Destination escrita por Beatriz Bertholdi


Capítulo 2
Uma Estranha Me Faz Uma Visita




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Acho que esqueci de mencionar na minha primeira apresentação um grande fato sobre mim: eu sou completamente atrapalhada.
Imagine você a cena: eu já disse que trabalho no aquário nacional, né? Então, presumindo que em um aquário há muita água por toda parte e em parte toda, estava eu, carregando uma escada maior do que eu pelos corredores, com meus inseparáveis fones de ouvido tocando Muse no volume máximo e com alguns morcegos de borracha no outro braço. Minha única tarefa era amarrá-los em alguns pontos estratégicos nos pinos próximos às lâmpadas. Era somente isso que eu tinha que fazer para começar o meu expediente. Mas, típico da minha pessoa, eu consegui tropeçar nos meus próprios pés enquanto subia os degraus. Resultado? Fui parar dentro do reservatório dos pinguins.
Agora você se pergunta por que eu estava tentando colocar morcegos no teto em um aquário, não é?
Bom, apesar de morar no Brasil, há certas tradições que o dono do aquário mantivera de sua terra natal. Charles, meu chefe, é natural dos Estados Unidos, mas mora no nosso país há uns dez anos. Então, se você se sentir em outro país quando nos visitar, saiba que não é o único. Muitas vezes eu me esqueço que estou em terras brasileiras quando estou trabalhando. E isso é bom. Faço uma viagem sem deixar meus avós para trás e posso voltar pra casa quando o dia acaba. Mas voltando ao assunto dos morcegos, todo mundo sabe que Outubro é o mês do Halloween lá fora, certo? E aqui, em Outubro, comemoramos o dia das crianças. Pensando no público alvo - que é na maioria crianças - Charles decidiu inovar o feriado nacional e juntou o dia das crianças com o Halloween. Resultado? Aquário cheio, chefe feliz e uma Annabeth completamente ensopada.
Não que eu não tenha caído outras vezes. Acho que em uma semana apenas, eu devo ter caído umas vinte vezes. Logo no meu primeiro dia aqui eu aprendi que uma muda de roupa extra no armário salva o dia de qualquer um.
- Tudo bem, eu sou bem patética. - Resmunguei comigo mesma, saindo da água gelada com certa dificuldade. - E acabo de perder mais um celular. Droga!
De todos os ambientes naquele aquário imenso, o dos pinguins é o meu predileto. E entre os dez pinguins existentes ali, existe um que eu considero como meu favorito. Prestley é o nome dele. Talvez seja pelo fato dele ser o único que não bica meu pé quando vou alimentá-los. E também pelo fato dele ser o menor e mais novo ali. Eu sentia como se fosse um dever protegê-lo. E ele era bem manso, considerando que ele não é tipicamente um animal de estimação. Enfim, nós nos entendemos de uma maneira bem maluca, e tentar explicar isso vai demorar muito.
Prestley e os outros pinguins foram me cercando aos poucos; provavelmente achavam que eu estava ali para alimentá-los. Quando viram que eu não trazia nada - apenas uns morcegos de plástico não muito agradáveis - foram me deixando sozinha. Mas Prestley permaneceu ali, fitando-me com aquelas esferas negras brilhantes, - podem me chamar de maluca - e ele parecia se divertir com a cena.
- É, é muito engraçado ver a humana toda molhada, não é?
Levantei-me, colocando ambas as mãos na cintura, enquanto Prestley agitava suas asas para cima e para baixo, movendo o bico no mesmo sentido.
- Vou interpretar isso como um sim. - Rolei os olhos, tomando o caminho em direção à saída. - Você tem sorte de eu gostar mesmo de você, porque eu poderia te deixar sem comida por um mês, sabia?
Prestley tombou a cabeça minimamente para o lado, e eu rolei meus olhos novamente, dessa vez para mim mesma. Por um lado, eu tinha muita sorte por ninguém me pegar nesses momentos em que falo com animais. Ou com as coisas nas quais eu esbarro. Enfim.
Como o aquário ainda não estava aberto, não tive que me preocupar em correr pelos corredores até chegar ao vestiário feminino, onde poderia trocar de roupa sem que ninguém me visse naquele estado.
Às vezes eu achava que não era tão azarada assim. Mas era só às vezes.

Xx

O restante do dia foi bem seco, resumindo bem. Eu consegui pendurar todos os morcegos sem cair no tanque de mais nenhum animal e também consegui distribuir os doces para as crianças que encontrava sem nenhum incidente. Quero dizer, nenhum que fosse grave.
O feriado rendeu muitas visitas e eu estava realmente cansada. Em um dia comum, eu já estaria em casa naquele horário, mas, como eu era uma das poucas que morava ali perto, Charles pediu para que eu ajudasse na organização.
O relógio marcava dez e meia da noite quando eu terminei de arrancar todos os cartazes com vampiros e lobisomens. Eu até tentei sugerir que mantivéssemos a decoração até o final do mês, mas Charles disse que não queria ter que olhar para aquelas coisas horrendas todos os dias. Vai entender.
Deixei um suspiro muito cansado escapar de meus lábios, sentando-me um pouco no banco vazio do corredor. Poucas luzes estavam acesas e a iluminação azulada que tocava o chão provinha do aquário maior, que cobria a extensão toda da parede à minha frente. Aquela era a parte mais funda do aquário, uns dois níveis abaixo do solo, eu acho. Vendo lá da superfície não parece ser tão fundo assim. Encostei minha cabeça na parede atrás de mim e fechei meus olhos por alguns segundos, sentindo a cabeça latejar. Permiti-me um cochilo breve, até ouvir distantemente, passos no corredor. Rapidamente me pus de pé; não ia pegar bem se Charles me visse dormindo. Mesmo que eu já tivesse cumprido meu horário e tudo mais.
Enrolei os cartazes em um cone, esperando que os passos chegassem até mim. Mas eles não chegaram, o que era bem estranho. Os sons continuavam, mas eu permanecia sozinha no lugar.
- Olá? - Gritei para o vazio, recebendo o eco de minha voz como resposta. - Alguém aí?
Os passos cessaram. Esperei a resposta, mas novamente ela não veio. E depois eu estava no mais profundo silêncio. Meneei minha cabeça, crente de que eu imaginara aquilo tudo. Talvez fosse culpa da gritaria do dia inteiro; meus ouvidos ainda zuniam...
Virei-me bruscamente para recolher o restante dos objetos quando trombei com uma pessoa que não estava ali no segundo anterior.
- Cristo!!! - Levei uma mão ao peito, sentindo o coração disparado. - Você quase me matou do coração!!!
À minha frente, estava uma garotinha de no máximo sete anos de idade. Em seu semblante havia um ar de preocupação e eu logo presumi que ela estava perdida.
- Hei, você não deveria estar sozinha aqui a essa hora. - Abaixei-me para ficar do mesmo tamanho que ela, tentando ser simpática e ao mesmo tempo tentando não assustá-la. - Onde estão seus pais?
Mas ela não me respondia. Apenas me fitava com aqueles grandes globos azulados, e de alguma forma, eles pareciam tão antigos para mim. Eu devia estar mesmo muito cansada. Vendo que ela não me daria respostas, talvez por estar assustada ou até mesmo por timidez, decidi que a levaria para o escritório de Charles, onde ele poderia acionar a delegacia mais próxima e encontrar os pais dela.
Levantei-me exibindo um sorriso confortador para a garotinha, e quando entrelacei meus dedos aos seus, eu senti o mundo rodar sob meus pés.
E então eu fui abraçada por uma escuridão vertiginosa, que me tragou para suas profundezas antes que eu sentisse o chão contra minha pele.


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