O único lado bom de ser o conquistador e não a Katniss que está me imobilizando, é que ele não me empurraria a menos que ela não tivesse mais salvação. Na verdade, acho que mesmo que ela não tivesse mais chance de viver ele não me empurraria. Mas mesmo assim não consigo não ficar preocupada, eu tenho que bolar uma estratégia, e rápido. Lembro do que Katniss fez na cornucópia a algumas horas, e então tenho uma ideia:

–- Você a ama? – pergunto baixinho, quase sussurrando.

–- Muito, não conseguiria viver sem ela – ele responde no mesmo tom que eu usei.

–- Como é não ser correspondido? – digo com um risinho, e antes que ele possa responder eu continuo -- como não conseguiu que era tudo armação, Conquistador?

Ele dá um forte tapa em meu rosto, mas bateu com vontade, acho que quando sair da arena vou ter as marcas de seus dedos em minha face, não vou parecer fraca, então solto um risinho e respondo.

–- Não doeu.

–- Deixa de ser irônica garota – ele responde, mas consigo ver em seus olhos que está triste, ele não parece ser o tipo de pessoa que gosta de machucar os outros.

–- Ironia é uma forma elegante de ser má. – respondo sentindo o gosto de sangue na boca.

Então acontece. Cato levanta Katniss no ar e a joga em cima de Peeta, me libertando. Katniss está arfando, o que me leva a acreditar que ele estava pressionando seu pescoço. Corro cambaleando para o lado de Cato, logo a garota em chamas está de pé novamente. Nesse pequeno período o seu arco caiu junto aos bestantes, então ela está desarmada, sua morte será rápida e fácil, e me leva a crer que um tanto injusta e cruel. Um sentimento se culpa me consome, mas apesar de ter certeza de que eu não tenho culpa se só um pode viver, nessa edição podem ser dois do mesmo distrito, eu me voluntariei para isso, ela está aqui para proteger a irmã, o que será de sua pobre família quando ela for morta? De repente eu não quero viver com o peso de sua morte em meus ombros. Quando me dou por mim, os três estão me encarando, o que me leva a pensar o tempo que eu fiquei parada.

–- Mata ela Clove! – Cato fala enquanto joga minha faca que estava no chão na minha direção, a pego com facilidade.

–- Eu... Ah – respondi com dificuldade. Em qualquer outro momento da arena, eu teria vontade de fazer isso, mas agora parece um ato tão errado, tão egoísta.

Katniss me encara com um olhar de dor, Peeta de desespero e de piedade. Não sei o que aconteceu comigo, pensar em mata-los era como pensar em matar criancinhas inocentes, que não tem culpa de nada. Bem, se formos pensar eles não têm culpa disso mesmo. Mas nesse momento é ou eles ou a mim e Cato. Olho atentamente para a perna do conquistador, ela sangra agora mais do que antes, logo ele vai morrer de hemorragia. Katniss olha para seu ferimento com desespero, vendo os dois nesse momento é quase como se eu estivesse me vendo com Cato. Quando eu virei sentimentalista mesmo? Agora desejo do fundo de meu coração que o presidente Snow morra, ele merece morrer, por cada tributo morto nessa arena, por cada família destruída, pelas pessoas que morrem de fome todos os dias nos distritos pobres.

–- Você está bem, Clove? – Cato pergunta baixinho.

Nego com a cabeça e volto a olhar para os amantes desafortunados, é, eles são realmente desafortunados, estão prestes a morrer e infelizmente será pelas minhas, ou nossas, mãos. A capital deve estar indo a loucura que nenhum de nós morreu ainda, devem estar fazendo suas apostas nos preferidos e ansiosos por mais sangue derramado de inocentes desse lugar caótico que chamamos de Panen. Peeta está pálido, morrendo aos poucos, na verdade todos nós estamos morrendo por dentro. A garota em chamas se ajoelha ao lado do agora caído conquistador, isso deveria me causar repulsa, mas a única coisa que queria poder fazer agora era aparecer em casa e ver que tudo isso era um sonho. Eles começam a sussurrar e entendo o que eles falam.

–- Katniss – Peeta fala com dificuldade – eu te amo sabia?

–- Eu também te amo – ela fala entre lágrimas – desculpa por não tirar agente daqui.

–- Não foi tão ruim ter vindo para cá – ele responde baixinho – pelo menos passei meus últimos dias ao seu lado. Não queria morrer tão cedo, mas acho que isso é o mais próximo que eu vou ter de morte feliz.

Atual situação: lágrimas escorrem pelo meu rosto, Cato faz uma cara meio de nojo meio de tristeza, Katniss está com cara de desespero e o conquistador esta meio que sorrindo.

–- Vou te amar para sempre garota em chamas – ele sussurra, e alguns instantes após, ouvimos o seu canhão.

–- PEETA! – Katniss berra. – Ele não... ELE NÃO MERECIA ISSO!

–- Acho que nenhum de nós merece – respondo tentando não demonstrar o quanto eu estava abalada.

–- Mate-a Clove – Cato fala sério.

–- Não posso – respondo baixinho.

Nesse momento acabei de descobrir o real motivo dos jogos Vorazes, eles não querem nos dar honra ou orgulho, eles matam pessoas inocentes para que todos os distritos saibam que somos apenas meras peças em um jogo de assassinatos, para que lembremos que eles são superiores a nós, que eles são melhores a ponto de ter o direito de não ter que tirar a vida de pessoas inocentes, ou mesmo correr o risco de perder a própria. A Glimmer-bestante ainda não conseguiu chegar aqui em cima, olho para os outros tributos e sinto o real peso de tê-los matado. Agora percebo que Cato me encara com um olhar de desaprovação, e então anda na direção de Katniss e a pega pelo pescoço.

–- Últimas palavras, garota em chamas? – ele pergunta com muita frieza em sua vós.

–-P-Prim, desculpe... – ela começa a soluçar – Mamãe... Gale cuide delas... Por mim...

Corro para o seu lado e sussurro em seu ouvido: -- Sinto muito – ela apenas me olha com um olhar fuzilante, mas acaba concordando com a cabeça antes que Cato torça o seu pescoço, ouvimos o seu canhão, e seu corpo cai sem vida em meio aos bestantes. Agora entendo perfeitamente aquela garota do distrito 4, Annie Cresta, a arena e os jogos, tem o pleno poder de tirar nossa sanidade.