Digimon - O Mundo Dos Sonhos escrita por Júnior Brito


Capítulo 6
Cap 6 - Então... Não era só um sonho?


Notas iniciais do capítulo

"Nada existe antes que se prove sua existência. Seja com base em cálculos, seja mostrando uma evidência ou tendo sido uma testemunha do acontecido. Nem todos estão preparados pra isso."
- Jonas. -



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CAPÍTULO VI

ENTÃO... NÃO ERA SÓ UM SONHO?

E lá estava eu... Parado em frente a um terreno baldio cercado e vazio. Segundo o relógio, era o início de um novo dia, mas levando em consideração a situação, poderia ser o início de uma nova era. Até aquele momento eu procurava me afastar da ideia de tentar concretizar o meu sonho, só que diante do que acontecia bem na minha frente eu só podia me entregar.

Certificava-me de que mais ninguém testemunhava a situação. Era espetacular e ao mesmo tempo assustadora, era sublime e ao mesmo tempo repulsiva, tudo que acontecia era muito estranho, mas dentro de mim mesmo mensurando riscos, era o que eu queria.

Eu olhava estatelado para o céu como se aquela luz, aquela luz quente e acolhedora, fosse o berço de um milagre. A uns 50 metros de altura o ar parecia um rio logo após se jogar uma pedrinha. Várias ondas circulares e constantes se espalhavam surgindo do centro daquela anomalia que começava a se abrir. A luz que se espalhava pelo ambiente agora começava a se concentrar naquele único ponto, como se fosse um ponto de gravidade tão forte, que pudesse atrair a própria luz.

Não conseguia ao menos piscar os olhos, todo o movimento me tomava por completo e eu sentia que fazia parte dos acontecimentos. Sentia-me ligado àquela fenda. Toda a energia que estava sendo concentrada agora pairava acima de mim. As ondas diminuíam sua frequência e, como se por consequência, o vento ia ficando mais forte. Meu coração palpitava freneticamente e eu já não pensava em mais nada além de ver o que aconteceria no final de tudo.

Meus cabelos e minha roupa esvoaçavam, não ofuscava com a aquela visão e o que era apenas um círculo se transformava numa esfera de luz. Não, não era uma esfera... A forma era definitivamente oval. Assim que toda a energia espalhada havia se concentrado naquela forma, uma única onda de choque se originou do ovo parando todo o movimento tanto ondulatório quanto da massa de ar que se aglomerava ao meu redor.

A onda foi forte o bastante para me derrubar no chão e me fazer derrubar o D-VICE. Não tenho certeza se apaguei ou o tempo que apaguei, mas assim que abri os meus olhos o celular estava posicionado exatamente abaixo do que eu já não tinha dúvidas de que era um ovo no céu e eles se uniam por uma corrente de aspecto aparentemente holográfico. Não sei se era por estar escuro, mas a corrente me parecia azul-marinho e se movimentava como um fio de cabelo solto na superfície calma de um lago, fora o fato da corrente mudar de cor constantemente podendo se comparar a um diamante refratando à luz do sol e ter, em seu interior, os números 1 e 0 enfileirados em ordens aleatórias.

– Então... Não era só um sonho? – Disse indo na direção do D-VICE. –

– Então isso é mesmo uma espécie de digivice e não tô ficando maluco e isso é mesmo...

Minha fala foi cortada pelo choque em todo o meu corpo ao chegar perto o bastante a ponto da corrente me afetar. Não doía. Por mais incrível que pareça, a sensação se tornava anestesiante e até mesmo confortável. Peguei o D-VICE do chão e instantaneamente o ovo começou a descer, ainda reluzindo. Não havia o que falar muito menos o que pensar naquele momento. Era o que era e ponto final. Pensaria no que fazer assim que conseguisse chegar em casa são e salvo para poder desmaiar em minha própria cama.

O ovo terminou de descer até a altura dos meus olhos e já não brilhava mais. Agora via sua aparência: era em sua totalidade branco, com exceção de algumas manchas disformes verde-claras e outras amarronzadas, não como se estivessem sido pintadas, mas como se pertencessem a ele de berço. Estava aturdido, sem dúvidas, só que a confusão vinha com uma pitada de “sonho realizado”, uma mistura de sentimentos que não poderia ser expresso com um gesto ou uma frase, então chorei. Não sabia se de alegria, de medo, de desespero ou de tudo isso junto, mas chorei duas lágrimas de satisfação.

– Espécime convertido. Transferência terminada com sucesso. Compatibilidade inicial testada e aprovada.

E logo após essa frase o ovo caiu bem aos meus pés que, por sorte, pisavam em areia fofa não tendo a chance de transformar a cena mais impressionante da minha vida num omelete gigante. Peguei-o do chão com cuidado e meio desajeitado por ser mais pesado do que imaginava e o levantei com certa dificuldade.

– Espécime, transferência e compatibilidade. Preciso guardar essas palavras... Eu ando vendo coisas de mais sem ter certeza do que é real e o que está fritando meus miolos, mas sem dúvida tudo isso tá acontecendo e você, seja lá quem for, está agora sob meus cuidados. Você e provavelmente os dois Mundos. Preciso nesse momento tentar acalmar meus nervos, como nunca, tratar como real o que vinha me acontecendo e fazer de tudo pra não endoidar com tanta informação ao mesmo tempo.

Levava o ovo para casa com certa dificuldade, ele deveria ter o tamanho aproximado de um capacete de moto táxi e em média uns 2 a 3 quilos. Era pesado, real e surreal. Tudo era desde o dia da autoescola, mas o contato direto com a última situação me trouxe uma confiança e uma determinação que já não via em mim há muito.

Cheguei na porta de casa e realizei que estava com um ovo gigante nos braços e a roupa completamente suja de areia.

–DROGA! Como eu não pensei nisso... Claro e óbvio que minha mãe vai notar que eu tô com isso no colo! Sem ofensas, aí dentro. Deixe-me ver... Oh sim... A garagem sempre é a resposta para tudo.

Abri o portão da casa sorrateiramente e encostei o ovo na parede contrária da qual o quarto da minha mãe dividia com a garagem. Coloquei o ovo cuidadosamente no chão e o cobri com um dos panos onde Preta dormia em cima.

– Desculpa Pretinha... Mas ele também precisa disso. Calma que eu já resolvo essa situação.

Ela me olhou como quem estava curiosa com a situação e suas orelhas, que estavam levantadas, caíram. Entrei em casa fazendo o mínimo possível de barulho e, com a ajuda da sorte, estavam todos dormindo e não acordei ninguém. Entrei diretamente para o banho. Sempre foi o lugar onde eu penso melhor e consigo, ou pelo menos tento colocar os pensamentos em ordem. Com a água forte e morna caindo em minha nuca comecei a reviver a situação passo a passo e ensinar a minha mente a conceber tudo aquilo como real. Não estava sendo fácil e minha cabeça começava a doer.

Sentia-me exausto, como se toda a energia do meu corpo tivesse sido drenada. Talvez tivesse sido. É preciso muito de um ser humano para se fazer entender. Aquela situação começava a me levantar um questionamento: “Será que era assim que os homens da caverna se sentiam ao depararem-se a cada dia com algo totalmente novo?” ou “Foi essa a cara que Thomas Edson fez ao conseguir sucesso com a luz elétrica?”. Não entendia se estava bem, mal ou se conseguia estar das duas formas ao mesmo tempo. Só tinha certeza de que tinha uma missão irrefutável em mãos e que não deixaria minhas dúvidas e meus medos vencerem. Não daquela vez.

– Primeiramente, organizar as ideias. Segundo, conseguir uma forma de esconder um ovo gigante. Terceiro, lembrar de não surtar! Isso é muito importante. MEU DEUS TEM UM DIGIMON NA MINHA GARAGEM! EU SOU UM ESCOLHIDO! AAAAAAAAAAAH!

Não me contive. Era como uma criança que queria desde sempre uma viagem para Disney só que no lugar, o parque todo se muda para o seu quintal. Depois de tanta pressão, a sensação de ter o ovo em minhas mãos era um motivo de alegria imensa. Tanto pelo fato da realização pessoal até então impossível quanto por saber que poderia fazer algo contra seja lá o que estivesse por vir.

– A energia ainda flui pelo meu corpo. Ou pelo menos eu ainda sinto passar... É tudo muito estranho, diferente e ruim de assimilar. Mas se eu estou nessa situação, tem um motivo e eu não vou dar as costas pra o que eu precise fazer. É minha missão. Epa, se eu vi um Digimon e agora TENHO um Digimon... Jonas...

Jonas poderia estar passando por problemas. Ainda mais pelo fato dele não conseguir se acalmar somente com o que ele vê. Ele precisa de provas e explicações. Não estaria “calmo” como eu nem se contentaria em ter simplesmente um ovo em mãos. Ele iria buscar respostas...

– Mas se quando ele viu o Leomon ele veio diretamente a mim, então qualquer outra coisa ele me falaria também. Ou não? Agora já não sei o que pensar sobre ele. Droga Jonas! Porque você tinha que estar nesse bolo? Pelo menos Lucas tá fora disso...

Eu sabia que por mais realizador que fosse, ter um legítimo ovo de Digimon em mãos significaria também grandes problemas e não queria nenhum amigo ou familiar envolvido. Principalmente Lucas.

– Ele não pode saber de nada disso em nenhuma circunstância. Ele não pode se meter nisso sob nenhum aspecto. Vai ser perigoso demais pra ele.

Saí do banho agora com uma perspectiva mais sombria. Até então, não havia pensado que o que acontecia comigo poderia afetar diretamente as pessoas que estão ao meu redor e aquele foi o pensamento que pairava acima do meu nariz enquanto estava deitado no beliche.

– Por enquanto tá tudo bem... Será que tem alguém esperando alguma coisa? Será que eu vou ser expurgado da Terra pra o Mundo Digital? Eu não quero sair daqui sem aviso ou cheio de dúvidas na cabeça... Ir pra um lugar desconhecido onde podem me matar a qualquer momento... DROGA! – Gritei mesmo com Lucas dormindo na cama de baixo e mesmo sabendo disso. –

As consequências sombrias da realização de um sonho tão inocente começavam a fervilhar em minha cabeça, pesadamente. A minha família não podia pagar o preço por mim. Ninguém além de mim. Iria guardar tudo a sete chaves e esconder aquela existência a qualquer custo.

– Ninguém jamais vai ficar sabendo de você, ovo. É estranho chamar assim, mas ainda não sei o que vai sair de você... – Falei para o ar com um sorriso choco no rosto. –

Dormi com o pensamento dividido. Estava extasiado e animado com a ideia de ter um ovo prestes a chocar o meu sonho, mas me sentia preso ao fato atrelado com a aparição dos Digimons. Se eles estavam aqui, algo estava errado e precisava ser corrigido.

Estava agora num sonho. Um daqueles sonhos que se tem consciência de estar sonhando e aquilo me dava uma bela frente diante do que pudesse vir. Aquilo poderia ser esclarecedor se não estivesse tudo apagado. Tudo completamente escuro até que um único feixe circular de luz alcançou o agora visível chão. Uma luz branca que vinha sabe-se lá de onde e parava sob meus pés. Como se viesse da luz, notava um objeto de formato basicamente cilíndrico em queda livre. Um pouco antes de cair a cena parecia entrar num tipo de slow motion então pude pegar o objeto antes que caísse.

Não foi de muita serventia. O cilindro estava quente e a minha reação primária foi soltá-lo de imediato. Agora completamente iluminado notava que ele era transparente, provavelmente feito de vidro e com tampas prateadas em suas duas extremidades. O conteúdo me pareceu ter um aspecto familiar. Tinha quase certeza de que já havia visto algo com aquela textura.

Abaixei-me e examinei com cautela o frasco e o seu recipiente. Pensei que poderia ser algo importante para estar tão bem protegido e mesmo quando vulnerável, não poder ser tocado. Era algo interessante para se destrinchar se fosse para ser levado ao subjetivo.

Ao longe, quase como se estivesse sendo impedida de falar, escutava uma voz sussurrante:

– Colete-os... Colete-os... Não deixe que quebrem a...

E era prontamente interrompido. A voz parecia pedir ajuda. De forma branda e nada agressiva, como estava acostumado já a sonhar. Escutava então de novo, o mesmo coro e do começo:

– Colete-os... Colete-os... Não deixe que quebrem a...

Mas a maldita voz não terminava o recado. Parecia de propósito. A cada vez que tentava falar, sua voz saía mais baixa e mais fraca e o feixe de luz que dava forma ao meu sonho ia se esvaindo junto com o cilindro e a minha noção de realidade.

Tudo estava finalmente apagado e quando tentei olhar para trás, um som característico de vidro se quebrando ecoou ao meu redor abrindo um turbilhão de vento bem à minha frente. O cenário agora era iluminado por faixas de luz transparente que pareciam mudar de cor ao movimentar-se e números que pareciam formar combinações binárias estavam pairando no ar. Eu nesse momento me sentia perdido. Estava dentro do meu próprio sonho, mas não tinha o controle dele.

Os números se juntavam numa forma sólida bem no centro da ventania que ainda não havia parado e eu pensava em quão familiar essa cena poderia me ser. Diferente do final que imaginava uma lança ou um raio foi atirado em minha direção e atravessou o meu peito friamente. E foi com isso que acordei.

– Hm... Lucas, tá dormindo? – Falei roucamente. –

– Lucas? Nossa, ou ele acordou cedo hoje, ou é mais tarde do que eu imaginava. Que horas são?

Por alguns segundos havia me esquecido de tudo o que estava passando, mas olhar as horas no D-VICE me fez lembrar automaticamente do meu problema prestes a eclodir.

– Droga, o OVO! Droga, droga, droga, droga... Porque eu tenho que dormir só de cueca? Blusa, beleza. Agora bermuda, calça, short...Qualquer coisaaaaa!! Aqui, pronto. AI!

Desci da cama com pressa e bati na cômoda. Se havia dormido tanto, tinha chances de terem encontrado o inquilino secreto na garagem o que geraria um grande problema pra explicar ou uma desculpa envolvendo tráfico de ovos de avestruz.

– Mãe, tá em casa? Lucas? Ninguém??

– Eu estou aqui, serve?

– V-vó?? – Estava surpreso e amedrontado então não soou como eu queria. –

– Nossa, tem algum bicho preso em mim? Você fez uma cara horrível quando me viu! Sua mãe e seu irmão foram ao shopping. Cheguei agora de manhã, só que você estava na sua cama roncando, não quis te acordar. Como está você, menino?

Minha avó é uma senhora de 65 anos. Muitos diriam que é jovem para ser avó, mas minha mãe me teve aos 19 então isso não soa tão estranho. Como a maior parte da minha família materna, ela é pequena. Por volta de 1,50. Tem cabelos curtos e cacheados que se misturam entre o preto, branco e o cinza que se forma entre os outros dois tons. Falando em tons, ela tem essas coisas em comum com Lucas como a pele e os olhos. Ela usa um par de óculos de grau com lentes bem grossas e geralmente usa roupas folgadas como vestidos floridos ou camisetas e shorts para casa. Muito mais jovem do que é tanto fisicamente quanto em suas ações.

– Ah, vó... A senhora já sabe... Tô bem e...

– Bem? Olha como você tá magrinho! Não cresceu porque não come direito!

– Não escalda, vó!

– Não o quê?

– Nada... Então, o que traz a senhora aqui?

Estava preso numa conversa inútil com a minha avó, mas não podia simplesmente virar as costas para ela. Precisava dar a atenção merecida a alguém tão importante na minha vida como ela. Sem esquecer que tinha alguém muito importante também ainda para nascer.

– Vim visitar meus netos e minha filha, oras. Estou de folga do trabalho e decidi passar uns tempos com vocês. – Me respondeu descontraída. –

– Nossa, vó! Vai ser ótimo ter a senhora aqui com a gente. Não tanto quanto eu queria que fosse, mas vai.

– Porque diz isso, menino? É por causa do seu pai? Ele continua aparecendo aqui na porta? Se ele tiver...

– Não, não... Nada disso. E é melhor a senhora não se alterar, tomar cuidado com a pressão. Eu tô só com a cabeça muito cheia esses tempos, então não vou aproveitar tanto quanto eu queria.

Não podia ao menos oferecer a ela a atenção que merecia, no momento. Minha cabeça estava completamente enterrada no meu grande problema extraterrestre. Meu corpo e minha mente pediam para ir até a garagem confirmar que estava tudo bem, pegar aquele ovo e esconder num lugar mais seguro, precisava finalizar aquela conversa...

– Nossa, acabei de acordar. Preciso ir no banheiro! – Falei enquanto dava as costas e me dirigia à garagem. –

– Tem um tempo que eu não venho aqui, mas acredito que o banheiro ainda esteja no corredor, certo? – Me perguntou quase que retoricamente. –

– Oh, sim. Claro! É só que... Eu tô descalço e... Minhas sandálias tão lá fora. Já volto!

– Ah, certo. Não se preocupe comigo não meu neto. Sua avó pode muito bem ficar aqui no computador. Criei um Facebook pra mim. Caíque? Esse menino...

Escutei de longe sua última frase e sorri comigo mesmo. O que estava começando a se tornar raro devido às minhas preocupações atuais. Era tanto peso que eu já tinha que forjar os sentimentos bons para não notarem o peso nas minhas costas e havia me esquecido de sorrir de verdade.

Dirigi-me à garagem rapidamente e fui ao canto onde havia deixado o ovo torcendo para ninguém tê-lo descoberto. Acredito que com o meu susto ao ver que o ovo não estava lá, poderia ter posto um maior do que o que já tinha. Empalideci.

– Será que foi tudo um... Um sonho ou sei lá, algum tipo de ilusão. Como a noite no fundo da casa? S-será que... QUE PORRA! – Gritei imprudentemente, esquecendo-me da presença da minha avó. –

– Droga! Nem posso gritar de raiva. Foi tudo uma puta duma ilusão. – Comentei iludido para o pano de Preta que, pelo cheiro, precisava ser trocado.

– Caíque! Caíque! Venha cá!

– Ela escutou... ERA O QUE EU PRECISAVA! Uma bronca da minha vó por causa de boca suja. Oi? O que foi, vó? – Perguntei da porta da frente para ela escutar do meu quarto. –

– Seu aparelho. Seu celular tá tocando. Comprou celular novo, foi? Nem pra me dizer. O número é o mesmo?

– O quê? Tocando? Foi mensagem? Ou chamada?

– Não sei menino. Só sei mexer no meu celular. Tome vá.

– Brigado.

Sendo uma mensagem, poderia me dar mais uma combinação de números que dessa vez poderiam me levar a algum lugar de verdade. Ou pelo menos me dar alguma pista do que fazer.

– Processo de eclosão iniciado.

– Como? Erosão? Como é?

– O sistema de interatividade do seu D-VICE é limitado a responder às perguntas certas. Por favor, faça as perguntas certas.

– Droga, não começa com isso de novo! Pensar numa hora dessas é pedir de mais! Hm... Poderia repetir sua última notificação?

– O sistema de interatividade do seu D-VICE é limitado a responder às perguntas certas e atender ordens pré-programadas. Sua pergunta não se encaixa.

– Opa, peraí. Agora você mudou o discurso. Então eu posso ordenar?

– O usuário do D-VICE tem uma quantia limitada, porém expansível de aplicações e ordens para escolher.

– Preciso me lembrar disso. Tenho muito a ordenar então... Repita sua última notificação.

– Acessando... Processo de eclosão iniciado.

– Ec-eclosão tipo de eclodir? Chocar? – Perguntei abruptamente. -

– O sistema de interatividade do seu D-VICE é limitado a responder às perguntas certas e atender ordens pré-programadas. Sua pergunta não se encaixa.

– Foi retórica. Então o ovo existe? – Esperei ansiosamente para que aquela pergunta se encaixasse no padrão limitado do D-VICE. –

– Espécime registrado. Transferência concluída com sucesso.

– Esse foi o sim mais estranho e mais carregado de felicidade da minha vida! Mas, como eu faço pra achar o ovo?

– Localizando dados recém convertidos na área limite de 200m². Rastreando linhas de M.U.P. Espécime localizado. Execute sua função GPS.

– Conseguiu? Sério? Então tá mesmo aqui? Ligar GPS agora mesmo! Licença aqui senhorita voz, mas vou abrir o programa. Localização exata... Aqui! Rastrear espécime. Que jeito estranho de chamar um Digimon... Tá perto daqui. Tá dentro de casa? Vamos andando... Direto... Direita... Opa, papel e caneta aqui do computador. Essa mulher fala de mais sobre coisas que eu não sei e não da pra gravar tudo. Preciso anotar. Recém convertidos, M.U.P.... Depois me preocupo com isso. Agora a prioridade.

– Tá falando sozinho menino? – Gritou minha avó do meu quarto. –

– Não, vó! Tô no celular! AHN?

Fui guiado ao fundo da casa o que não seria nada estranho, tirando o fato do ovo estar lá, sendo que ninguém o levara e por estar rolando freneticamente para todos os lados sem nenhum tipo de impulso. Estava intrigado, aliviado, excitado com as possibilidades e atento ao que a voz do D-VICE poderia dizer. Usava meus sentidos para múltiplas atividades. Não costumava fazer isso e quando tentava, não saia com a maestria necessária.

O ovo ainda se mexia e eu estava tentando pegá-lo. Ele parecia fugir de mim, ou algo assim já que todas as minhas tentativas eram falhas. “É um ovo muito ágil”, pensei. Já estava muito ansioso para saber o que iria acontecer, se alguma luz iria emanar do ovo até que o Digimon nascesse, se ele chocaria e viraria um berço instantaneamente, queria comprovar com meus olhos as cenas que tanto gostava de ver na televisão.

– Eclosão iniciada. Espécime prestes a nascer.

– Nascer? Mas ele tá girando feito um doido e...

Antes de terminar, o ovo parou completamente em pé, equilibrando-se firmemente em nada além de si mesmo. Depois de tudo que o vira fazer, aquilo não me assustava. Esperei pelo próximo passo, atento à uma possível aparição instantânea da minha avó.

– Ele tá... Chocando... – Comentei talvez pensando alto, talvez com o ovo. –

Não posso dizer que fiquei desgostoso, mas sei que fui surpreendido e me senti um pouco nauseado com a cena que estava para presenciar. A casca do ovo começou a se quebrar, como se uma ave qualquer fosse sair de dentro dele, fora o fato de que os pedaços de casca que soltavam vinham cheios de algum tipo de secreção transparente, uma gosma por assim dizer e iam caindo no chão produzindo sons tão estranhos quanto sua aparência.

Começava a notar que dentro do ovo havia mais gosma do que qualquer outra coisa e passava a me perguntar se a situação era utópica ou nojenta. Me fazia lembrar fielmente a cena do nascimento do dinossauro da saga Jurassic Park.

A parte superior do ovo já havia saído completamente e comecei a ver então algo como uma mão que empurrava os pedacinhos do ovo para fora, tentando se livrar de todo aquele grude. Talvez não fosse uma mão. Só haviam três dedos sem nenhuma divisão, ligados diretamente ao “braço” que entrava no ovo impossibilitando ver sua continuação.

Pensei em ajudar a quebrar a casca do ovo, mas ainda não havia decidido o quão tóxica aquela gosma poderia ser para um humano. Eu já não conseguia esperar nem mais um segundo. Mesmo a cena sendo um pouco repulsiva e incomum, o meu Digimon estava para nascer.

O que parecia ser um braço já estava quase completamente à vista. Sua pele era de um pálido incomum, meio esverdeado, mas branco o bastante para pensar em sugerir um tempinho na praia ao seu dono. Depois de ter quebrado mais um pedaço do ovo, notei o porquê da demora para sair: ele estava de cabeça para baixo. Então me decidi a ajuda-lo em sua empreitada para sair de sua prisão gosmenta.

– Ei, carinha... Não sei se vo-vo-cê... Droga, tô nervoso... Olha, vou te aj-ajudar a sair daí. Não se assusta. – Falei complacente. –

Aproximei-me ainda meio receoso do ser que até então eu não conseguia definir. Toquei naquilo que agora tinha certeza que era um tipo de rabo e ele contraiu, talvez com medo.

– N-não tenha medo, só quero te ajudar. – Ratifiquei limpando minha mão na camisa. –

Tentei novamente puxá-lo para fora com cuidado e fui abençoado pela confiança daquele recém nascido. Acredito ter emanado minha boa vontade ou que algum vínculo entre nós tivesse o feito confiar em mim.

Minha mão escorregava pela pele lisa e sensível do ser que ainda não nomeara. Era quente. Mais do que o normal, por assim dizer. Fez-me sentir quente também e a cada segundo eu parecia compartilhar as sensações do pequeno ser.

Enfiei minha mão pela abertura do ovo, o que me trouxe uma certa aflição. Parecia estar tentando cavar uma gelatina com os dedos. Senti o corpo da criatura se comprimir mais uma vez, então afastei a mão e recomecei mais devagar. Ele não tinha braços nem pernas, notei. Eu apalpava uma bola. Uma bola quente e escorregadia.

Consegui pegá-lo com firmeza. Puxei-o com cuidado para fora e o trouxe para a minha visão. Agora tinha certeza de sua aparência. Fora o rabo e o formato esférico que havia notado, duas bolinhas completamente escuras sentiam dificuldade em se mostrar diante da luz do sol. Elas brotavam do que poderia ser o seu rosto. Um único dente afiado se mostrava presente, escapando do pequeno risco abaixo dos olhos que eu deduzi ser a sua boca, mesmo não tendo lábios, mas sua característica mais marcante era o chifre no topo de sua cabeça.

Estava anestesiado. Simplesmente não me movia. Estava emocionado, meu coração palpitava forte e sentia um leve formigamento nas pernas que as deixavam um pouco bambas. Tinha um Digimon em minhas mãos, o tinha visto nascer, ajudei em sua chegada ao meu mundo. Ele era mais que bem vindo, era tudo o que eu queria. Naquele momento havia esquecido as preocupações. Era o momento mais alucinante e surreal da minha vida. Me perguntei se ficaria tão emocionado no nascimento do meu primeiro filho.

– Ei, carinha... Você é... Demais.

Recebi como resposta algo que me pareceu um sorriso misturado com um arroto ou um soluço. Ele parecia se adaptar ao que via, sentia, ouvia. Era realmente um bebê. O que me tornava pai de aluguel. Pelo menos enquanto continuasse naquela forma, a pequena criatura estaria sob meus cuidados.

– Então minha missão começa cuidando de você, né? Preciso despistar minha vó e te levar pra o banheiro. Eu posso tirar essa geleca de você, certo? – Falei com aquela vozinha que todos fazem para bebês.-

Ele não parecia me entender, mas notava que ele se sentia protegido em minhas mãos. Se sentia confortável e não parecia inquieto. Notei que ele olhava para o ovo constantemente e atribuí isso ao fato de ter sido sua casa por um tempo considerável.

– Poxa, eu não lembro seu nome... Não é exatamente como vi no anime, mas tenho certeza que é você. Mas isso não importa, não agora. Preciso te dar um bom banho e provavelmente você tá com fome. Vamos indo.

Me esgueirei pela porta da cozinha e ele pareceu não gostar muito disso já que soltou um som como um resmungo, seguido de uma bolha que saiu de sua boca. Passei sorrateiro pela cozinha e meu Digimon parecia cada vez mais inquieto. Cheguei à sala do computador e vi minha avó deitada no quarto da minha mãe, tirando uma soneca. O bebê soltou alto como um “gah” um pouco mais alto que o seu resmungo e que agora havia me preocupado um pouco.

Não tinha certeza do que fazer e com certeza não encontraria um guia de “como criar seu Digimon de verdade” na internet. Quanto mais nos afastávamos do fundo da casa, mais ele se mexia na minha mão. Quando cheguei na porta do banheiro e olhei para trás, notei a trilha de bolhas que ele havia deixado. Elas pairavam no ar, enfileiradas, como se estivessem mostrando algum caminho.

– Nossa... O que você tem? Precisa ficar perto do ovo, é isso?

– GAH!! – Me respondeu como se dissesse não.-

– Caramba... Eu não falo bebêzês! Assim fica difícil... Você tá com fome? – Perguntei fazendo mímicas de mastigação e hambúrgueres invisíveis.-

– HUN!! GAH!! – Se dirigia a mim com seriedade nos olhos.-

– Você tá tentando falar... Eu sei disso, mas o que?

– Caíque, é você que tá brincando de bolinhas de sabão? Isso não é mais pra sua idade não, sabia?

– Não vó! É que... É que... Nada não, pode descansar!

– Descansar nada, preciso ir no banheiro! – Gritou para que até os vizinhos ouvissem.-

– Mas eu já tô aqui! – Falei entrando no banheiro com pressa. –

– Avisa quando sair!

– Tá!

– GUH!!! AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!

– Não, não, não carinha... Faz isso não, para de chorar... Porque cê tá chorando? Foi a porta? Foi o grito que eu dei? Foi isso?

– AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!

– Ei, ei, ei, e se eu fizer uma careta? E se eu passar essa gosma nojenta na minha cara? Vai, ajuda aí! NANANANA!!! É... Buga, buga, bugaaaaa!! – Tentei algumas gracinhas, mas nada deu certo.-

– AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!

– Caíque! Que gritaria é essa?

– Nada, vó! Só botei o som muito alto aqui. É um vídeo que eu tô vendo!

– Então abaixa isso, vou fechar a porta do quarto!

– Tá bem! Obrigado... Essa ajudou... E você, porque não para de chorar? – Perguntei a mim mesmo, já um pouco desesperado.-

Não sabia mais o que fazer. Minha avó iria sair chateada com o barulho em algum momento. O bebê não parava de chorar e ao invés de diminuir, ele só fazia chorar cada vez mais alto, como se fosse para mais alguém escutar. Meus ouvidos começavam a doer com aquele choro ressoando nos azulejos do banheiro. Ele berrava cada vez mais alto a ponto de pensar estar escutando dois choros. Ou estava escutando.

– AAAAAAAAAAAAA!

–AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

Aquele segundo choro parecia ser mais baixo, diferente, e nas primeiras vezes atribuí ao eco do banheiro. Notei que o bebê parara um pouco de chorar para tomar fôlego, já estava ficando meio avermelhado, mas mesmo assim ainda ouvia um som ao fundo.

– Nossa, você chorou tanto que o barulho já não sai mais da minha cabeça. –Falei surpreso.-

– AAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

– Cara, isso definitivamente não veio da minha cabeça.

– GAH! – Foi a resposta quase rouca que recebi. -

Na casa tem um beco que leva ao fundo e no banheiro, uma pequena janela que dá para o beco. Notava que o som do choro vinha dessa janela.

– Esse choro... Vem do fundo?

Abri a porta do banheiro com pressa, carregando o nenê em minha camisa, para não deixa-lo cair. Quanto mais me aproximava do fundo da casa, mais alto ficava o som e cheguei novamente à origem do meu Digimon.

– O ovo tá... Chorando?


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