Digimon - O Mundo Dos Sonhos escrita por Júnior Brito


Capítulo 4
Cap.4-O estranho pesadelo, o presente inesperado


Notas iniciais do capítulo

Título completo do capítulo: O ESTRANHO PESADELO, O PRESENTE INESPERADO E MAIS UM BAQUE.]
"Um corpo pode ser facilmente classificado ou pode requerer muita pesquisa e dedicação para ser entendido. Não é recomendado "brincar" com as propriedades físicas de um ser, mas isso acontece."
-Caíque-
Obs.: O nome do capítulo não coube no espaço delimitado pela Nyah!



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CAPÍTULO – IV

O ESTRANHO PESADELO, O PRESENTE INESPERADO E MAIS UM BAQUE

Não podia classificar aquela noite como momento de descanso. Mesmo não tendo me movido do lugar, acordara completamente exaustado, transpirando como um atleta em pleno movimento e acima de tudo, assustado com o que havia “visto” durante o sono. Foi um pesadelo daqueles que se sabe não estar acordado, mas que mesmo assim me afetava em um nível físico numa intensidade quase que real.

Sonhava estar em um tipo de campo de batalha, corpos ao meu redor, só que não conseguia distinguir sua origem ou imagem. Sabia que eram corpos, porém quando tentava focar em um deles, ficavam embaçados e impossíveis de se distinguir. O céu tinha uma coloração vermelho-sangue que parecia refletir a cena ao meu redor. Gritos desesperados clamando por ajuda ecoavam em minha mente e rostos desfocados e desesperados se mostravam aleatoriamente em meio a cena.

Eu não entendia como me encaixava naquela história, nem como fui parar ali. Pessoas desfocadas, corpos ao chão, ambiente inóspito... Todos aqueles gritos e pedidos de socorro aterrorizavam a minha sanidade. Até que, por trás de todo aquele barulho, começou a surgir um som familiar. Inicialmente parecia um simples zunido que vinha de todos os lados simultaneamente tomando conta do ambiente que parecia muito ser uma guerra ou algo do tipo. O som se aproximava e se tornava mais intenso e, se já não fosse por estar louco dentro daquele lugar, se concentrava no ponto onde eu estava parado desde que o pesadelo começou.

Ficava cada vez mais forte e penetrante quando comecei a sentir uma leve dor de cabeça, então meu corpo se lembrou de imediato da dor fora dos padrões que senti na autoescola dias atrás. Era o mesmo som. O mesmo som infernal que me fizera perder o controle sobre o meu corpo e que havia ecoado na noite do meu contato com o SkullSatamon. E quanto mais forte ficava, mais nítida deixava a cena ao meu redor. Os corpos ganhavam forma, os rostos se desfaziam do desfoque e constatei que eram Digimon ao meu redor.

A cena era amedrontadora: os mostrava sofrendo, morrendo e pedindo socorro. Alguns pareciam lutar contra algo ou alguém, mas caiam logo em seguida. Outros corriam pelas suas vidas pedindo ajuda, desamparados.

Os caídos no chão davam seu ultimo suspiro e muitos se desintegravam no ar e sumiam bem na minha frente. Era tudo aterrorizante e me fez pensar o que causaria tanta dor e traria tanto caos àqueles seres. Eu não podia fazer nada para ajudá-los, me sentia inútil e descartável em frente a tantas vidas perdidas.

O som ficava mais forte e mais forte a ponto de não escutar nada além dele. Meu coração palpitava no ritmo de uma metralhadora e eu já não aguentava mais estar ali até que ouvi uma única voz inteligível em meio à destruição, uma voz que me parecia velha, ao menos cansada, que me dizia em alto e bom som: “Aceite a caixa.” Não descobri se a frase terminava ali já que acordei como se tivesse sido puxado à força de volta para a minha cama.

– Aceite a caixa? O que? O que isso quer dizer e porque Digimon de novo? Que merda tá acontecendo comigo...

– Também não sei, quase que eu não durmo direito, contigo se mexendo a noite toda ai na cama!

– Lucas, tava dormindo?

– Tava até você acordar gritando pra eu aceitar a caixa!

– Que horas são?

– Não sei, olha no celular.

– Putz, são 9 e meia já cara! Preciso me arrumar pra ir fazer a prova!

– Boa sorte e vê se fecha a porta do quarto quando sair...

– Tá bem.

Vesti uma blusa e minha calça jeans numa velocidade sobrenatural para não me atrasar, calcei meu All Star preto e branco, engoli alguma coisa e corri para fazer a prova. Não consegui tirar aquele pesadelo da cabeça por um segundo sequer durante o tempo que levei para sair de casa nem durante a caminhada até a autoescola, o que me rendeu mais dúvidas ainda sobre o que estava me acontecendo.

Acima de toda aquela cena traumatizante, me surgia a dúvida sobre o significado de “aceitar a caixa”. Geralmente as pessoas entendem seus sonhos e eles têm alguma conexão com o seu dia a dia. Ter Digimon no sonho não era novidade já que sonhava com eles desde pequeno, mas nunca tive pesadelos envolvendo-os até então.

A história da caixa ficaria na minha cabeça durante todo o tempo da prova. Terminei em umas duas horas, teria feito em menos tempo se não tivesse ficado olhando para o teto de cinco em cinco minutos para constatar que não havia olhos assombrosos me espionando. Fui quase o último a sair da sala, fora um senhor de idade que não me lembrava de ter visto da primeira vez que fui até lá.

Terminei de responder as questões e fui pegar meu celular na mão da recepcionista, que recolheu o de cada uma das pessoas que estavam ali, como constava nas regras. O senhor que estava terminando também saiu e pediu seu celular à atendente que o entregou um aparelho que parecia ser de ponta, já que eu conheço bastante sobre inovações tecnológicas e nunca havia visto um daqueles antes. Tinha acabado de sair quando o velho toca no meu ombro e me diz uma frase que, geralmente, não me faria arregalar os olhos e ficar estatelado como fiquei.

– Aceite a caixa.

Precisei de um tempo para assimilar que ele havia me dito a mesma frase que estava na minha cabeça desde que acordei naquele mesmo dia. Pensei que poderia ter pensado alto durante a prova, como costumo fazer e ele veio me perguntar por que eu diria algo assim. Ele já havia tirado a mão do meu ombro então me virei para explicar que estava falando comigo mesmo, mas não tinha para quem responder.

– C-ca-cadê ele? Ei, senhor? Velhote? Ô tiozão, tá se escondendo atrás do poste? Puta que pariu, o que foi isso? O cara sabia o que eu sonhei, ele sabia e veio me confirmar que aquilo não foi só um sonho. É mesmo um tipo de mensagem pra mim. De quem?

As perguntas não se resolveriam sozinhas e não iria me adiantar ficar brincando de esconde-esconde com um idoso no meio da rua. Fui para casa tentar solver tudo aquilo que me acontecia recentemente então resolvi listar o que me acontecia nesses últimos tempos.

–... Uma caixa que preciso aceitar e um velho que evapora. Pronto. Já tenho tudo certinho aqui. Vamos ver se dá pra ligar os pontos.

– Ligar pontos? É revista de passatempo que cê ta fazendo aí em cima, Ike?

– UAI! Avisa quando for entrar Ivan.

– Foi mal, não queria atrapalhar sua concentração, tava parecendo um matemático completando uma pesquisa ou um retardado finalizando um quebra cabeças de quatro partes depois de duas semanas.

– Ra, ra .... Muito engraçado. Qual foi que resolveu aparecer por aqui?

– Nada não, cheguei ontem. Lara tá mais perto então fica melhor pra mim. São só duas horas de viagem e quando ela morava mais longe, eram 8. Então fica mais fácil de visitar ela.

– E dela vir pra cá então pra gente poder finalmente conhecer a mais nova integrante da sua creche. – Lancei como resposta à sua gracinha. -

– 1 a 1. Beleza... Tá fazendo o que aí?

– Ah, nada não. Só escrevendo.

– Escrevendo o que?

– Nada de mais. Não enche.

– Vish, tá estressado é? Xô ver vai.

– Não cara, é sério. Não pega!

Eu tomaria o papel da mão dele, mas a campainha tocou. Minha mãe estava ocupada fazendo o almoço e Lucas estava jogando, o que significa que não sairia de lá nem por um decreto. Estava descendo do beliche enquanto Ivan lia o que achava ser o inicio de uma história que eu iria criar e achava até interessante quando escuto da frente de casa.

– CORREEEEIO!

– Correio? Mãe, a gente tá esperando alguma encomenda? –Gritei para ela, do quarto. -

– Não que eu saiba. Mas vá ver porque pode ser engano.

– Tá.

Fui atender a porta esperando despachar o carteiro dizendo que não morava nenhum José da Silva ou pegar contas de luz e telefone, mas não foi isso que aconteceu. Aconteceu o que parecia ser a resposta que havia pedido no dia anterior.

– Caíque Brito de Carvalho. É aqui?

– Sim, sou eu.

– Só um minuto, deixa só eu pegar seu pacote aqui no fundo do carro. Enquanto isso, assine seu nome por extenso aqui.

– Moço, só um minuto.

– Pois não?

– O senhor tem certeza de que essa encomenda é pra mim?

– Se você tiver certeza que seu nome é Caíque Brito de Carvalho, sim.

– Sim, meu nome é esse, mas eu não tô esperando nada. – Falei enquanto ele me dava as costas e abria o fundo da van amarela.-

– Pra quê melhor presente do que aquele que a gente não espera? Aqui. Toma.

– Uma caixa? É o que?

– Não tenho como saber... Eu só entrego. Se abrisse ia perder o emprego e poderia ser preso.

– Mas eu já disse que não tô esperando nada!!

– Senhor, eu fui paciente até agora só que eu tenho um horário a cumprir e outras encomendas pra entregar então, por favor, aceite a caixa!

Meus olhos se arregalaram e eu havia paralisado instantaneamente como se a frase “aceite a caixa” fosse parte de um feitiço de empedrar. O carteiro não entendia a minha reação ao seu pedido e já parecia confuso demais com o que acontecia. Acredito que ele tenha pensado que me ofendeu com algo que disse ou fez já que se desculpou, deixou a caixa aos meus pés e saiu.

Eu ainda digeria a situação e não tinha pego a caixa ainda. A minha cabeça parecia estar num daqueles filmes onde a pessoa entrava num tipo de transe e aquela frase se repetia em sua cabeça como um eco infinito preenchendo o corpo de angústia e dúvidas sobre o que fazer.

Não poderia simplesmente deixar a caixa lá fora e entrar. Minha curiosidade aguçada nunca me permitiria fazer isso. Eu tinha sido avisado sobre a chegada daquela caixa em sonho e por uma pessoa completamente desconhecida e com uma incrível inclinação a brincar de esconde-esconde.

Parecia uma guerra dentro de mim: um exército de Caíques extremamente curiosos e aflitos sobre o que havia naquela caixa e loucos para abri-la logo, acabando de vez com aquela situação, e do outro lado mais um montante que construía imensas barricadas de auto preservação pensando sobre a complexidade que poderia ter o conteúdo daquela caixa e como ela poderia mudar drasticamente a situação a partir dali.

Minha vontade de descobrir o que estava acontecendo comigo foi maior. Peguei a caixa e ia levando para dentro de casa quando me dei conta de que teria que abrir na frente de todo mundo. Poderia ter qualquer coisa ali dentro... Eu poderia acabar colocando minha família e amigos em risco se fosse tão imprudente, então escondi a caixa na garagem e entrei.


– O que era?


– Nada não pô. Foi engano mesmo. O cara veio entregar uma caixa cheia de lantejoulas e material de costura endereçadas pra o Sr. Tenysson Luis. -Não sei de onde tiro essas ideias-


– Droga, e eu aqui torcendo pra ser uma caixa com uma bomba.


– Quer me matar Ivan?? Eu to daqui do PC, mas to ligado em tudo!


– Lucas é de mais. – Comentou Ivan, seguido de uma risada.-


– É, o cara lá de longe, concentrado no jogo e atento no que a gente fala. Bisbilhoteiro!


– Observador... Licença!


– Olha pra Lucas se achando gente! – Debochei.-


– Repita isso se você for corajoso, Ike!


– Vamos parando crianças?


– CriançA. Eu já sou adulto!


– Adulto que não para de abusar o irmão mais novo... Sim senhor adulto, o que foi que o correio trouxe?


– Nada... Foi engano.


– E demorou assim lá fora?


– Éeee... Tava tentando convencer o carteiro de que aqui não era um atelier de um costureiro de meia idade.


– Ta bem então. Eu tê indo pra o trabalho, vê se não implica com seu irmão tá?


–Certo. Podexá. Tchau mãe, boa aula. -Ela é professora de português. Ensina em duas escolas diferentes, mas mesmo assim faz o trabalho dela com muita dedicação. -


– Obrigada filho, até mais tarde. Tchau Lu, tchau Ivan.


–Tchau mãe!


– Tchau Dona Jane. Ah, Ike.


– Oi??


– Tem umas coisas estranhas acontecendo comigo esses dias...


Não sei se foi precipitado ou reflexo decorrente aos acontecimentos mais recentes, mas a primeira coisa que veio na minha cabeça foram Digimon. Estava acontecendo comigo e com Jonas, então não seria uma surpresa muito grande se Ivan também estivesse passando por anormalidades. Eu e todas as pessoas ao meu redor me consideram muito dramático e a cena que eu fiz ao ouvir a frase dele confirmava isso.


– O QUEEEEE? EU NÃO ACREDITO! Com você também. Estamos todos mortos! Malucos, despirocados! Doidos varridos! Estamos perdidos... Vou acabar com isso de vez e me jogar de cabeça de cima do beliche!


– Er.... Primeiro: Para de gritar e correr de um lado pra o outro parecendo um maluco! Segundo: se você também estiver acordando toda madrugada pra ir no banheiro, significa que o caruru que sua avó fez semana retrasada tava estragado porque foi a única coisa que nos dois comemos em comum.


– Perai... Dor de barriga??


–É... E eu não sei como estamos perdidos por causa de uma caganeira, mas tudo bem...


– Então você não tá vendo coisas estranhas ou sendo perseguido?


–Não... Era pra estar?? Você está??


– NÃO! Er..quer dizer, claro q não.. Foi só cena pra ficar engraçado. – Despistei-o, sem graça.-


– Foi estranho... Então, como tu tem um remédio pra tudo, resolvi te perguntar se da pra me ajudar.


– Ah ta. Claro...


Pesquisei um pouco e encontrei o remédio perfeito para Ivan, mas não havia cura para a minha angústia. Eu me sentia perdido e desamparado por não poder ao menos conseguir dividir o peso dos meus problemas recentes com alguém.


Se eu começava a me organizar e tentar reunir os fatos, me aparecia uma caixa estranha na porta de casa como se para testar minha paciência e vontade. Mesmo me sentindo um completo idiota por isso, estava sendo pressionado pela simples existência de uma caixa. "E se for uma bomba? E se for um vírus letal que vai transformar todo mundo em zumbis? Já vi Digimon, porque não posso ver mortos-vivos? Vai que eu consigo um encontro com a Milla Jovovich..."


Estava muito receoso quanto ao conteúdo da caixa, mas mesmo assim não perdia a minha válvula de escape que era o meu bom humor. Esperei pacientemente até Ivan ir embora já que ficaríamos somente eu e Lucas em casa, o que facilitaria na hora de levar a caixa para dentro. Tendo ido, comecei a pôr o meu plano em prática.


–Lucas, já tomou banho?


– Não.


– Então vá logo que já são cinco horas!


– E desde quando você se importa com meu banho?


– Não é que eu me importe... Lembra que minha mãe disse pra você tomar banho cedo??


– Aham... Mas não é tarde e eu tô com meu Impmon lvl 39 já... Falta pouco pra o mega.


– Impmon pra mim virou sinônimo de calafrio... Toda vez que escuto esse nome, me arrepio todo...


– Ahn?? Porque??


– Nada de mais. Vai tratar do seu banho, levo você pra DATS aqui, relaxe.


– Tá bem, mas só porque minha mãe mandou!


– Beleza...


Assim que consegui fazê-lo entrar no banheiro, corri para a garagem, tirei as tralhas que havia posto na frente da caixa e a trouxe para o quarto. Subi na minha cama e olhei fixamente para o que estava em minhas mãos...


– A resposta para minhas perguntas ou a porta pra milhares de outras questões. Vamos ver quem foi que me mandou isso. Para Caíque Brito de Carvalho, de...


Não havia remente na caixa. Simplesmente havia o meu nome, nenhuma explicação e uma porta aberta para muitos outros questionamentos. “Não existe NINGUEM ter me mandado isso! Tem que ter vindo de algum lugar!”, pensei.


– Psiu... Calma Caíque, você precisa respirar fundo, contar até dez e... Vou abrir logo isso.


Como se eu fosse ter paciência para esperar mais um segundo que fosse para abrir aquela caixinha de surpresas. Não me contive por um segundo sequer. Rasguei o embrulho como uma criança cheia de presentes no natal e descobri que parecia ter sido realmente presenteado.


–Nokia? Um celular?? O velho fantasma me deu um celular???


Minha cabeça já estava para explodir e, como de costume, ela se enxia com mais uma gama de perguntas: “Ele se deu ao trabalho, não imagino como, de me avisar duma caixa por sonho, aparecer pra mim e tudo isso pra me dar um celular???”


– Droga cara, eu pensei que essa droga de caixa ia me explicar alguma coisa!


Frustrado como estava, não teria percebido que nunca havia visto aquele modelo de celular que vinha impresso na capa e muito menos o nome do aparelho. Joguei a caixa do meu lado e deitei na cama, mas logo em seguida pensei numa segunda possibilidade.


– Pode ser uma caixa de celular, mas pode ter outra coisa dentro. Merda... A ideia da bomba ainda tá de pé. Seja lá o que for, vamos lá!


Era mesmo um celular.


– PORQUE UM CELULAR??? – Bradei ao vento. -


– TA NA SALA!! -gritou Lucas do chuveiro. –


– O que??


– SEU CELULAR TA NA SALA!!


– Ah, tá bem... VALEU! Preciso me conter. Pelo menos ganhei um celular novo, de graça e de ponta pelo que eu vejo.


Tirei-o da caixa com certa pressa, procurando vestígios de um remetente.


– Hm, D-VICE? Que trocadilho tosco... Até eu invento nome melhor pra celular.


D-VICE. Era o nome cravado em preto na lateral direita do celular que fora o nome e os botões de chamada, era completamente prateado. Ele não tinha teclado então deduzi ser Touch Screen. Tinha um formato quadrado na parte superior e arredondado nas pontas da parte de baixo, alguns botões laterais, talvez para aumentar e diminuir o som e desligar o celular. Três botões enfileirados na parte inferior da tela: um verde à esquerda, um com um circulo branco no meio e outro vermelho à direita. Em suas costas, nos cantos superiores, os auto falantes, no centro o olho da câmera e bem abaixo, na tampa do celular, o logo da Nokia.

Como de costume, veio desligado então não vi de primeira como era o seu funcionamento. Pus o celular ao meu lado e fui olhar o que mais havia na caixa, esperando um bilhete explicativo ou ao menos um nome de referência, mas só havia na caixa o carregador, um fone com um único lado e sem fio que pensei estar quebrado pela sua aparência e um cabo USB.

– No final das contas era um celular mesmo... E sem nenhum nome pra me dar qualquer tipo de informação. Típico...

Pus o celular para carregar num canto escondido, para que ninguém o achasse posteriormente e voltei aos meus devaneios deitado na cama. Minha mãe havia chegado assim que me concentrei na minha cúpula particular onde minhas ideias e pensamentos não seriam ridicularizados ou repudiados.

Sentia-me mal por não poder compartilhar com ela nada do que me acontecia, mas não adiantaria contar a ela para acabar parando num psicólogo com o diagnóstico de esquizofrenia ou medo de crescer. “O mundo adulto não me assustava a ponto de me fazer criar tantos acontecimentos ao meu redor”, pensava. Eu já havia crescido. Havia visto a separação dos meus pais acontecendo diante dos meus olhos, dois anos antes. Havia entendido que viver não era tão simples quanto imaginava quando criança e que dificuldades cada vez maiores pairariam ao meu redor esperando, quietas e sorrateiras para me derrubarem ou serem derrubadas por mim.

Sempre fui crescido e consciente, aquilo realmente acontecia. Como não censurava nenhuma possibilidade, comecei a pensar em como um celular poderia se encaixar em toda essa história de Digimon, sonhos e aparições sem conseguir enxergar o óbvio. Ou talvez sem querer acreditar no óbvio a ponto de reprimir a ideia em algum lugar da minha cabeça.

Viajei um bom tempo em teorias conspiratórias tentando ligar fatos aleatórios dos que havia encontrado na internet no outro dia com o que me acontecia no momento. Não tendo muito sucesso, desisti de ligações externas ou de encontrar alguém que pudesse me explicar o mínimo que fosse e decidi encontrar as respostas por mim mesmo.

Começaria ligando o celular e procurando alguma resposta dentro dele. Já era noite então deveria ter carregado o suficiente para conseguir ligá-lo. O celular estava carregando no ultimo quarto da casa, para hóspedes, que fica à esquerda da cozinha. Passei pelo corredor bem devagar e me esgueirei pelas beiradas da sala do computador para que Lucas não notasse minha presença. Talvez tivesse conseguido se não tivesse esquecido que minha mãe estava em casa e o quarto dela é aberto diretamente para a sala do computador.

– Tá indo pra onde assim, James Bond? – Falou ela com tom de esperteza. –

– Mãaae! Nossa, é mesmo... Você já chegou do trabalho né?

– Pois é. Então, tava se escondendo de quem?

– Eu me escondendo? De onde você tirou isso? – Disse em meio a engasgos e risinhos desconfortantes. –

– Sim, estava se esgueirando pelas paredes até a cozinha... É alguma brincadeira maluca dessas que você inventa com seu irmão?

– É isso aí mãe! Como adivinhou?

– Filho, senta aqui.

– Ahn?

– Entra aí no quarto, senta aqui comigo que eu preciso conversar com você.

– O que foi mãe?

– POSSO SABER TAMBÉM?

– Cê tava ouvindo, cara?

– Eu já disse que ouço tudo...

– Você me dá medo às vezes, sabia?

– Hunf.

– Não filho, essa conversa quero ter só com seu irmão.

– Que chatice, porque não posso saber?

– Porque é coisa particular...

– Tá bem, vou continuar jogando. Ah Binho... Eu vi você parecendo um retardado passando do meu lado.

– Realmente tenso. – Falei fechando a porta. –

No quarto da minha mãe tem muita coisa. Acredito que coisa de mais para uma pessoa só. Ela tem um guarda roupas imenso que vai de um lado a outro da parede direita de quem entra no quarto, talvez para ficar admirando suas roupas deitada na cama, que fica de frente para ele. Tem um espelho pendurado na parede da frente, bem do lado da janela que dá para a garagem, uma estante com seus livros e alguns enfeites e atrás da porta é cheio de sapatos.

– Filho, queria saber o que está acontecendo com você.

– Como assim?

– Você anda muito disperso, assustado, recluso... Essas não são características suas.

– Eu?

– Sim, outro dia te vi abrindo a porta do fundo todo esticado e arremessando a roupa no cesto de longe parecendo um doido varrido. – Ela estava realmente preocupada, dava para notar pelo seu tom de voz e o olhar de mãe presente. –

– Ah mãe, aquilo foi brincadeira!

– Brincadeira com quem? Não tinha ninguém com você... Vem me dizer que tá vendo coisas?

– Não, não é isso... Só tava... EXAGERANDO! Como sempre, tava fazendo graça, torcendo pra que alguém visse... Você viu! YEAH! Consegui! – Forcei alguns risos tentando despreocupá-la, encontrando respostas onde não havia para não apertar o coração dela. –

– Filho, você sabe que qualquer coisa que esteja acontecendo contigo, pode contar comigo né? Pode me contar sem medo.

– Eu sei mãe, não tá acontecendo nada. Eu prometo pra você. Só tô assim porque fico sem nada pra fazer em casa, ai procuro o que fazer desse jeito... Nada de mais não.

Aquelas palavras saíram com o gosto mais amargo que já senti em toda a minha vida. Logo a minha mãe, que sempre procurou me acalentar. Eu não podia fazer nada para diminuir sua preocupação, para deixá-la confortável. Nada além de mentir.

– Certo. Mas se você tiver algo pra me contar, sabe que sou toda ouvidos né?

– Sei mãe, obrigado pela preocupação. Você sabe que eu não escondo nada de você.

– Tá bem filho, vai lá. Vai terminar sua missão impossível!

Ela não sabia o quanto estava certa. E eu não fazia ideia do que estava por vir. Provavelmente a missão mais impossível de se conceber e mais impossível de se cumprir estava para começar bem diante dos meus olhos e eu ainda não sabia disso. A conversa em si não foi muito demorada, mas me deu sono. Então decidi que veria o celular com mais calma no dia seguinte. Mesmo sem terminar de carregar, puxei-o da tomada, pus no bolso da bermuda que estava usando e trouxe de volta para o quarto, guardando-o na caixa.

– Amanhã eu vou destrinchar você.

– Que horrível! Você vai destrinchar quem? – Foi o que Lucas disse, entrando no quarto. –

Escondi a caixa nas costas por reflexo, torcendo para ele não ter visto.

– Você, se não parar de ficar escutando as conversas dos outros!!

– Ih, calma! Só vim dormir.

– Tá bem. Boa noite...

–Boa noite.

Assim que ele desligou a luz do quarto, abri a primeira gaveta da minha cômoda, afastei algumas roupas e escondi a caixa embaixo delas. Naquele momento, estava mais do que decidido que eu encontraria respostas definitivas para toda aquela loucura.

Tomei um banho e deixei a roupa escondida no canto do banheiro. Quando deitei na cama parecia ter estado num campo de futebol correndo durante o dia inteiro, ou que a minha cama tivesse adquirido gravidade intensa porque meu corpo parecia ter o triplo do peso.

Não entendia o porquê de parecer tão cansado já que não havia feito muito durante o dia. Involuntariamente minhas pálpebras se abriram, como um reflexo de susto e assim permaneceram. Meu corpo ficava cada vez mais pesado e minha voz não saía por mais que tentasse. Como se estivesse sendo empurrado por uma força maior, eu me afundava no colchão vendo o momento do lastro quebrar e cair em cima de Lucas.

Meu corpo agora tremia, mas não de frio, ou medo. Tremia como se estivesse sendo sacudido, me sentia completamente invadido como se estivessem entrando no meu corpo todo, ao mesmo tempo. Meus olhos se reviravam, e eu perdia a noção de espaço e a noção da existência do meu próprio ser. Nunca havia tido aquela sensação, era como se estivesse sendo apagado, ou reescrito. Só entendia que o meu corpo não estava aguentando aquela situação e sentia como se fosse implodir.

Notava coisas pequenas como o fato de a cama não fazer barulho algum ou se mover comigo, mas não compreendia o porque. Eu tremia cada vez mais rápido e a pressão sob meu corpo se tornava a cada segundo mais insuportável até que escutei como um eco vindo de todos os lados e parando em minha cabeça:

– Acione o D-VICE. Precisamos.....RÁPIDO.....Vocês.

Meu corpo tombou com um impacto surdo a minha cama, me fazendo perceber que estava flutuando alguns centímetros acima dela por todo aquele tempo. Sentia-me perplexo e violado, de alguma forma. Meu espaço havia sido invadido e eu não podia fazer nada além do que eu fiz.

Sentei na beirada da cama e comecei a chorar. Eu não sabia mais o que deveria fazer. Ninguém podia me ajudar e aquela situação inexplicável estava acabando com minha sanidade. Eu somente chorava, não sei se por desespero ou por alívio daquela pressão constante ter desaparecido dali. Não sei se chorava de alegria por ter recebido enfim uma resposta, ou de medo dela não ser benéfica, afinal. Talvez fosse melhor deixar tudo para lá, jogar aquela caixa fora, quebrar aquele aparelho! Era isso que eu queria fazer. Foi isso que comecei a fazer.

Levantei da cama ainda chorando, caí no chão por causa de uma fraqueza nas pernas que não me surpreendiam devido ao acontecido. Apoiei-me na cômoda, abri a gaveta ainda atordoado e peguei a caixa. Ela estava em minhas mãos. Eu poderia escolher entre continuar aquela loucura ou colocar um ponto final na situação. A minha única dúvida era se, jogando fora aquela caixa, as coisas iriam finalmente voltar ao normal ou iriam piorar catastroficamente o meu estado.

–Droga... – Sussurrei para mim mesmo, desencorajado. –

– O que eu faço com você? O que você está fazendo comigo? Eu preciso saber!

Não podia agir de cabeça quente. Por mais que eu quisesse me livrar de todo aquele problema, o contrário poderia acontecer e eu sentia que não me seria viável. Guardei a caixa novamente na gaveta, escondi-a com as roupas, mas antes de conseguir fechá-la a fraqueza tomou o meu corpo, me senti tonto e caí. Apaguei.


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