Dissabores escrita por Ellie Bright


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

- A PCSP-Uzumaki teve a paciência de betar;
- O momento da fic é antes de o Naruto encontrar a fuinha pela primeira vez, mas um pouco depois da luta com o Gaara.



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Dissabores.*

            Sasuke chegou a sua casa, deixou os sapatos na entrada e ia para seu quarto, mas refreou-se ao ver o extenso corredor que ligava a sala e a cozinha aos quartos. Foi um dia de missões como outro qualquer, um pouco mais exaustivo que os outros, talvez, mas ainda assim, um dia como outro qualquer.

            Um dia inteiro que precisou ficar ao lado de seus companheiros de equipe: seu professor Kakashi, a irritante da Sakura (não que ela fizesse isso por mal, era apenas o jeito retardado de ser) e Naruto. Sobretudo aguentar Naruto andando ao seu lado, competindo com ele em qualquer momento e por qualquer coisa estúpida e tomando sua atenção involuntariamente, sem que ele mesmo pudesse se controlar e ignorá-lo.

            Porque, às vezes, Naruto era como o irmão que ele foi, embora em outros momentos... Nesses outros momentos Naruto era como Itachi foi. E ambos tinham o mesmo tipo de olhar, aquele que fazia com que Sasuke se sentisse estranhamente desnudo. Ele parou quando esse pensamento o atingiu e uma antiga memória, de quando Itachi ainda era o melhor irmão do mundo, o surgiu em seus pensamentos tão nitidamente como se nunca houvesse desaparecido.

            Às vezes acontecia; ele odiava a fraqueza que sentia nesses momentos.

            Porque sua casa abrigava centenas de fantasmas, que assombravam cada centímetro quadrado daquele lugar. Ele passara toda a sua infância naquele lugar, que estava cheio de risos inocentes e fragmentos de sangue - estes eram os seus fantasmas. Lembranças de um tempo que não lhe pertencia mais, retalhos de uma vida que já não era sua; estilhaços, apenas isso.

            Mas antes houve um tempo que ele acreditou que fantasmas eram criaturas de outro mundo. Quando criança, ele escutava suspiros e gemidos chorosos à noite, ruídos puramente espectrais que o assombravam. Nesse ponto, não importava as suas motivações para ser um ninja poderoso: ele apenas pegava as cobertas e se escondia. Noutras vezes ele apenas fingia não escutar, mas, no íntimo, ele achava que as coisas naquela casa só estivessem se sentindo sozinhas e quisessem companhia. Às vezes ele se sentia tentado a acompanhá-las, mas tinha medo demais de sair da cama.

            Sasuke riu de si mesmo. Aquela recordação era uma tolice, mas o medo infantil lembrava que ele não podia fazer muita coisa a respeito do medo que sentia anteriormente. Naqueles tempos ele se sentia observado pelas paredes silenciosas e reprimido por um muro invisível, que o separava da realidade material e da realidade sobrenatural. Não se levantaria de sua cama por nada no mundo, mas às vezes a sede e a vontade de ir ao banheiro eram maiores que o medo e ele enfrentava o que tivesse de ser, até porque queria ser um ninja tão forte quanto seu pai e seu irmão. Principalmente, ser mais forte que Itachi.

            E uma noite ele ficou com sede demais e, mesmo que o corredor estivesse completamente escuro, Sasuke arriscou-se pela noite. Se o Sasuke de 12 anos fechasse os olhos, iria se lembrar da frieza do chão sobre seus pés pequenos, o vento gelado do jardim e até o cheiro da grama molhada. Em como ele andou furtivamente por sua própria casa, atraindo a atenção de um Uchiha Itachi ainda sem as típicas olheiras.

            -Por que está andando assim? -perguntou Itachi atrás de si, a voz calma, porém curiosa.

            Um fato íntimo que ele nunca revelaria a ninguém: naquele dia ele quase gritou de susto. Tolice, pura tolice infantil. Ele sorriu sozinho por uns instantes ao lembrar-se disso; sentia-se quebrando, mais uma vez. Sentia tanta raiva e tanta dor, tanta falta de tudo o que ele perdeu.

            -Boa noite, nii-san.

            Sasuke lembrava que, se por um lado estava aliviado por não estar sozinho, por outro temia que o irmão pensasse que fosse um covarde. As opiniões de Itachi, o jeito de Itachi, a força de Itachi; tudo era o seu irmão. Por isso que, de todas as pessoas, não queria que o irmão percebesse o quanto estava assustado e aliviado. De que outro jeito conseguiria sua atenção?

            Então Itachi adiantou-se, ficando ao seu lado, na sua altura, lhe examinando minuciosamente. Quase se esquecia disso, mas Itachi sempre tentava estar perto dele, de um jeito que quase ninguém na vila fazia. Itachi olharia em seus olhos e estaria lá; Sasuke queria se esquecer disso, mas não conseguia. Certas lembranças estavam claras demais para se esquecer.

            Sasuke lembrou que logo após Itachi achá-lo no meio do corredor, caminhando na ponta dos pés, ele tentou colocar uma expressão inocente em seu rosto, como se não estivesse com medo de absolutamente nada. Mas alguma coisa em seu olhar o denunciou; Itachi sempre conseguia ler suas expressões.

            -Está assustado com o quê? -perguntou Itachi com um sorriso gentil. Era terno, dolorosamente terno.

            E seja quando tivesse quatro ou doze anos, Sasuke não conseguia ter um pensamento sequer sobre aqueles olhares de Itachi; seus pés seriam mais atraentes de se olhar. Sentia-se confuso, com pensamentos desconexos, independente da idade, por que... Porque às vezes os olhos de Itachi pediam socorro e ele não entendia por quê. Itachi tinha o dom de fazê-lo se sentir responsável por algo quebrado, mesmo sem ter feito nada – sempre foi assim. Sasuke lembrava que não queria responder, mas Itachi sempre foi paciente.

            -Ela é assombrada. -respondeu Sasuke baixinho.

            O assombrado era ele. Ali. No mesmo corredor, muitos e muitos anos depois. Perdido em uma memória tola e infantil. Sem ninguém. Sasuke escorregou pela parede e deixou-se ficar no corredor escuro. Ainda escutava suas lembranças, em um eco contínuo.

            -Como? -perguntou Itachi se abaixando para ficar na sua altura.

            -A casa é assombrada! - ele tinha dito em voz alta e, seu medo infantil expandiu-se pelo pavor de acordar os pais.

            Era irrelevante, mas Sasuke colocou as mãos sobre sua boca, exatamente como naquele dia - mesmo que agora estivesse em silêncio, com lágrimas que sorrateiramente corriam por suas bochechas. Era um medo bobo e infantil, aquele que tivera; o gesto que fazia era saudoso.

            -Não existe esse tipo de fantasma. -respondeu Itachi bondosamente. -Fantasmas são apenas memórias ou ilusões que nos atormentam. Você é um Uchiha, naturalmente tem o dom de afugentá-las.

            No escuro, Sasuke ativou o sharingan. Nenhuma ilusão resistiria ao efeito de seus olhos, nenhum genjutsu seria capaz de fazê-lo sucumbir. Mas como ele conseguiria afugentar suas lembranças? Ou como afugentaria cada um dos ecos de morte que aquelas paredes entoavam à noite?

            No fim, Itachi estava tão certo e tão errado como podia, como era para ser. Sasuke o odiava, como não era para ser. Por mais que na época ele só entendesse que sua velha casa viu nascer e morrer muitos Uchihas antes dele; à noite ele escutava o suspiro de cada um que ali morrera. Mesmo após tantos anos, ele ainda sentia-se invadindo um segredo grande demais, incompreensível demais. Aquele segredo era como o sorriso que Itachi lhe deu após proferir estas palavras: o sorriso de alguém que compreendia um novo ângulo mil vezes pior de uma mesma situação – não que Sasuke tivesse reparado no fato quando tudo ocorreu. Itachi, às vezes, era como um segredo escondido no interior de uma caixa selada, guardada dentro de um cofre em uma sala trancada e com a chave perdida. Ainda era um enigma.

            E Sasuke ainda queria desvendá-lo, porque ainda sentia falta do irmão.

            -Eeeeeei! -alguém gritou. -Sasuke!

            Sasuke sobressaltou-se: nunca recebia visitas. Ainda mais vindas de Naruto. Não estava em um bom momento, não queria a companhia de ninguém, somente das suas próprias lembranças; queria ser engolfado pela dor a fim de ressaltar seu objetivo, a sua essência como vingador. Mas era Naruto, a pessoa mais irritante que conhecia – talvez com exceção à Sakura, mas ainda assim ele não estava muito seguro disso.

            -Se liga, eu sei que 'cê 'tá aí! Anda, atende logo! -mandava Naruto com a voz cada vez mais alta e esganiçada. Parecia assustado com alguma coisa, não que isso lhe interessasse. -Esse seu bairro aqui é estranho!

            Por estranho Sasuke presumia que Naruto tinha medo de fantasmas e não no sentido real, mas no sentido sobrenatural. Naruto nunca entenderia certas sutilezas, jamais conseguiria ler os seus olhos como Itachi fazia; não havia como compará-los. Sasuke suspirou, ainda decidido a ignorar os gritos incessantes na porta de sua casa.

            -Eu sei que você não 'tá dormindo e se você não quiser atender eu vou entrar, viu? -gritou Naruto do lado de fora, começando a ficar irritado. Típico. Não se tem paz naquela vila. -A Sakura-chan disse que ia me bater se você não fosse!

            -Já vou. -respondeu Sasuke, finalmente. Ergueu-se e, após recompor-se, ele se encaminhou a entrada, abrindo a porta e encontrando o companheiro de equipe.

            Naruto estava como sempre. Roupas berrantes, cabelo bagunçado e a mesma cara de irritação habitual, com a típica empolgação superestimada. Como ele pôde compará-lo consigo? E com o irmão? Não sabia se conseguira ofender Itachi ou se ofendeu Naruto com a comparação. Ele certamente se ofendeu com sua própria comparação e fechou a cara..

            -O que você quer? -perguntou Sasuke assim que abriu a porta.

            -Mal humorado como sempre. -reclamou Naruto. - Kakashi-sensei vai pagar o jantar hoje! Se liga, pagar o rango pra nós três!

            Sasuke quase ergueu a sobrancelha; Naruto falava com muita empolgação, como se aquilo fosse o grande evento do ano - o que não era. Não era nada demais e ele estava bem daquele jeito; sozinho com seus fantasmas. Preso a sua dor e aos seus propósitos. Até, claro, Naruto vir incomodá-lo no meio da noite, chamando tanta atenção que suas roupas e seu cabelo pareciam iluminar pelo menos aquele ponto do bairro em que morava. Por um pequeno momento, ele ficou tão arrebatado por aquele brilho irregular que sequer conseguiu lembrar porque queria ficar no escuro e preso ao seu passado.

            -Vem com a gente, teme! -exclamava Naruto, cada sílaba pontuada por um sorriso eufórico.

            Às vezes toda a empolgação do outro o deixava aturdido ao ponto dele ponderar: de onde raios Naruto conseguia tanta energia? Pior, como é que ele poderia enxergar Itachi nos olhos brilhantes de Naruto? Não havia similitude, seja nos traços ou no comportamento. Se Itachi um dia foi terno, Naruto era cálido - exatamente como as chamas. O fogo, em sua essência, era puro como o azul, mas quando tocava o oxigênio do ar se tornava laranja.

            Naruto queimava qualquer lembrança ruim com mais eficácia que qualquer sharingan. E assim como Sasuke queria queimá-las, também queria protegê-las do fogo; estava em um constante impasse.

            -Não quero ir. -respondeu ele. -Não estou com fome.

            Nesse instante seu estômago rugiu em protesto, deixando-o embaraçado na frente do outro, especialmente por causa do sorriso divertido que surgiu nos lábios de Naruto. Encarar os olhos resplandecentes de Naruto era constrangedor demais, não apenas por causa da intensidade que emanava, nem por causa da vontade de sorrir que sempre lhe surgia quando estava ao lado do outro; era porque aquele olhar cintilante sempre vinha com um sorriso bonito demais para ficar olhando sem se sentir um tolo.

            -Aham, sei! Anda, teme! Vamos! -disse Naruto puxando-o pelo braço, sem sua autorização.

            -Ei...! -reclamou Sasuke, apenas pela força do hábito, enquanto tentava se recompor, como se não se sentisse afetado pela proximidade. As mãos de Naruto eram quentes.

            -Ficar nessa casa assombrada aí não pode ser muito divertido! -concluiu Naruto lhe encarando, em seus lábios o mesmo sorriso bonito de alguns instantes atrás. -Se liga, eu vou comer lámem!

            -Dobe... - murmurou Sasuke, deixando um pequeno sorriso curvar seus lábios por um momento.

            Naruto não o escutou, estava feliz demais considerando o jantar que teriam. Quente. Sasuke sentia-se queimando pelo toque de Naruto, mesmo que não houvesse qualquer intenção naquilo – exceto levá-lo até uma banquinha com comida duvidosa. Ainda assim, Sasuke sentia suas memórias se incinerando lentamente. E ao mesmo tempo em que era um alívio se sentir quente por dentro, ele ainda sentia o dissabor do passado se transformando em cinzas; como a fumaça nos olhos de Itachi.

            No fim, tudo era agridoce; era dissabor.


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Notas finais do capítulo

*Dissabor: n substantivo masculino
1 sentimento de tristeza e infelicidade causado por problemas, perdas etc.; aflição, desgosto, mágoa
Ex.: teve o d. de perder o emprego
2 sentimento de desconforto ou desagrado; desprazer, aborrecimento, contrariedade
Ex.: d. de ter vizinhos barulhentos
3 falta de sabor; insipidez, sensaboria
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Eu até fiz umas continuações pra esse textinho, mas, nah, oab não me deixa com cérebro pra continuar. Espero que tenham gostado! Se eu tiver gente interessada em ler a eventual continuação eu gostaria de saber, vai que depois da oab eu continue?
(porque a OAB é um pesadelo, 'cês não tem noção do inferno que é ¬¬")



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