A Deusa Mãe escrita por Hakushiro Lenusya Hawken


Capítulo 15
Aos olhos de Yomi


Notas iniciais do capítulo

Bya e três amigos saem de Aljha Rhara...
Mas elas não estão voltando para o planeta Terra.
Qual será o novo destino?



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– Onde estou?

Nunca percebi no quanto a morena fica meiga quando está ferida. Não, ela não está exatamente ferida, mas está acabada. Apesar da pele avermelhada por uma febre inusitada e em algumas partes do corpo haver tons de roxo, em pequenos hematomas, eu achei que seu rosto, composto por uma expressão vencida e confusa, olhos opacos e lábios brilhantes fossem um belo conjunto.

– Está em casa, querida prima.

Apesar de não conseguir me ver, eu sentia que minha expressão estava retorcida em preocupação. Acariciava os cabelos negros, de raiz úmida graças ao suor, como se quisesse ser o porto seguro da mulher que me acompanharia durante uma viagem inesquecível.

Yomi era forte. Forte a ponto de ser denominada como “lugar-tenente” da “governanta mais corajosa”. As vezes eu achava que ela iria se quebrar. As vezes eu achava que estava a vendo como um objeto, um escudo, uma arma. Parte de mim se sentia bem ao seu lado. A outra se estremecia sempre que relembrar do quase ataque que eu sofri no bosque graças ao amuleto Histeria, que, só pra destacar, estava reluzente no pescoço alvo da mulher.

– Que horas...?

– Deve ser meio-dia, querida.

Eu estava ainda em jejum. Tinha despachado Kenji brutalmente, após uma discussão durante a manhã. Yomi também estava. E mais... Não tinha comido o dia passado, dizendo que se contentava com apenas uma refeição reforçada por dia. A morena se reegeu daquela cama e se colocou em pé revigorada. Só agora pode perceber o trapo que suas roupas se tornaram. O longo vestido azul de guerra estava curto, retalhado e manchado de sangue. A primeira coisa que ela fez foi vestir a roupa que Theon havia feito, que veio junto com um pedido de desculpas, em letras orianas que apenas nós conseguimos decifrar.

Típico. Ela não perdera o estilo de forma alguma. Rodopiou em minha frente, como se atacasse animais imaginários, deixando rodar os babados azuis marinhos e a frente toda em branca, com a gola alta e costas nuas. Meias de fios entrelaçados faziam sua perna virar um jogo da velha. A única coisa que ela não abandonou foram os velhos sapatos feitos por Josephina, quando já estavam nas peles humanas. Botas altas, que cobriam quase metade da canela.

Guiei-a para baixo, onde comemos um belo almoço adocicado e corremos para uma reunião de ultima hora cuja fui chamada por Elion.

...

Em duas horas, todas as pessoas de Conchita se reuniram num mesmo salão, enquanto Mariska, com terror, segurava um saco, perto de mim.

– Zatsu mandou isso...

Temi pegar aquele saco que continha um odor forte de morte. Yomi fez as honras de forma fria, abrindo e retirando de lá uma cabeça com sangue já coagulado, da raça de Paus. Os cabelos esverdeados, no entanto mais claros que os do sacerdote, se emaranhavam nos dedos pálidos da calculista morena, enquanto ela encarava a expressão desfigurada de uma pobre criança...

– De aparentemente 12 anos, classe pobre. Retalhada por uma fina espada, possivelmente de esgrima, pelos traços finos, entretanto, fundos. Algumas áreas dos cortes estão mesclados com um azul vivo, mostrando que o assassino foi, ninguém menos, ninguém mais que...

– Eisblume. – Concluí. – E aparentemente, houve embate, para que a outra também saísse ferida.

– As vezes não. – Leona, sempre a dona da razão. – O sangue pode ser de Ouros, sim, no entanto, não é necessariamente de Eisblume... Isso exige...

Um grunhido distante, do trono azul marinho, esplandeceu por todos os cantos, até que a governanta do índigo se pois a falar.

– Estamos perdendo tempo aqui. Se isso foi um pedido para apressarmos, devemos elevar o poder de Byakushi logo, fazer com que a mesma tenha forma o suficiente para vencer os inimigos, e então expulsá-los dessa terra maldita. Não é tão obvio?

Yomi olhou para a moça com uma expressão de desaprovação ao que ela recuou no mesmo instante e voltou a se sentar. A morena jogou a cabeça em um canto, tomou minha mão e elevou ao alto, do nada, falando com a voz extremamente autoritária, cuja tal fazia com que eu me perguntasse por qual razão EU era a líder e não ela.

– Ouçam... – Ela pausou para formular suas ideias. – A partir de hoje, quero que os aldeões não saiam de suas casas. Isso inclui até mesmo o exército voluntario. Preciso apenas de terra livre para a batalha, contando apenas com as governantas e guardiãs. Lukaria, já sabemos que devemos elevar o poder de Byakushi, entretanto, estamos sem tempo. O exército dos orianos pode atacar a qualquer momento.

– Falta apenas um único sacerdote. – Completei seu pensamento, com os olhos levemente apertados, numa expressão de desaprovação. – O jeito é eu ir sozinha para lá.

– Isso está fora de cogitação.

– Mas Yomi...

– Não. – Ela limpou as mãos na parte branca do vestido, me olhando seriamente. – Eu vou contigo e... Ainda escalarei mais um ou dois parceiros. Duvido que eles ataquem com o sol a pino. E não devemos demorar muito para contornar o ultimo terreno tocado na zona externa de Conchita.

– Você acabou de acordar! – Gritei, batendo os pés no chão como uma criança birrenta.

– Após ficar em coma por 13 dias, você também acordou e partiu para outro terreno.

– Obrigada pela Mari.

– Eu também estou indo obrigada... – Ela desviou o olhar, voltando a encarar o povo, que nessa hora já estava se perguntando qual será o desfecho daquela anarquia. – O dever me obriga. VOCÊS...! Barras nas janelas, trancas nas portas! Isso pode não impedi-los, mas pode atrasá-los.

Após esse fim de discurso as pessoas foram liberadas para seguirem às suas casas. Eu estava corada, admirando a autoridade que a morena exercia. Quando Yomi me encarou, virei o olhar para um canto qualquer, ao que ela sorriu e disse que precisaria me vestir com alguma coisa leve, mas ao mesmo tempo protetora. Viu o quanto fui inútil com a armadura na luta contra a besta Theia.

– S... Sim!

...

Na casa dela, mais precisamente em seu quarto, eu estava sentada sobre a cama, de roupas intimas, enquanto ela fazia um preparado num pote preto, sob os olhares da irmã caçula. Derramou a mistura numa espécie de seringa improvisada, montada com coisas comuns, encontradas em casa e aplicou primeiramente na coluna da irmã. O efeito foi de imediato. Ela urrou, no mesmo momento que suas pernas moveram-se minimamente, o que era uma vitoria. Voltou a envolve-la com uma faixa e mais uma vez a sentou na cadeira, acariciando os cabelos.

– Logo, logo, você estará andando novamente.

– Minha irmã... Não aguento ver-lhe dessa forma, tão perturbada. Eu não estou me sentindo tão mal assim.

– A pior doença é aquela que devasta em silencio. – Disse, lotando a seringa mais uma vez, se aproximando de mim e se sentando ao meu lado. – Agora é você.

O liquido era azul. Azul escuro. Ela encostou a ponta da seringa em meu pescoço, roçando a agulha na pele e me causando arrepios, numa tentativa nada falha de me acalmar. Quando eu já estava de olhos fechados e rosto corado, Yomi apertou o objeto contra mim, perfurando a pele de forma que nem uma gota sequer de sangue escorresse. Eu não tive tempo de gemer. Da mesma forma que a dor veio, de forma extrema e insuportável, foi embora no segundo seguinte. As marcas acastanhadas, espalhadas pelo meu corpo, tomou uma coloração azul, por segundos, voltando a ficar castanhas. Yomi disse que em poucas doses, aquelas marcas não devastariam mais meu corpo, parando naquele lugar.

– Ah, mexe com os hormônios também. Se eu fosse você, pediria para Kenji satisfazê-la por um pouco.

– E... Quem satisfará tua irmã?

– Ela não se move da cintura para baixo. Duvido que sentirá algo.

Me levantei, e no mesmo momento, desabei, ao que ela me tomou nos braços, me apoiando em seus ombros. Sussurrou algo como “se vista e saia”, mas eu estava apenas envolvendo-a com os braços. Só despertei quando uma risada maliciosa da caçula me trouxe à realidade. Eu estava agindo como uma...

– Perdão, Yomi!

Afastei no mesmo momento, colocando a meia calça branca, sob um vestido de tecido laranja com duas camadas de babados e calçando as botas negras, pronta para sair de casa. Yomi, no ultimo segundo, me abraçou por trás e mais uma vez sussurrou no meu ouvido, só que desta vez, com a voz manhosa.

– Já sabe... Deve permanecer virgem.

...

– Se sente melhor?

– Você não fez absolutamente nada, seu loiro burro!

– Ué... Vocês mulheres são complicadas. – Kenji me estendeu a toalha, ao que me enrolei de imediato e me contraí no canto do banheiro, encarando-o, que me olhava de volta, corado. - Você bateu na minha porta dizendo que estava quente... O que é melhor que um banho frio para acalmar?

– Ora, seu... – Ameacei socá-lo no meio daquele nariz perfeito, mas se eu soltasse da toalha, ele iria me ver novamente nua. – Não percebeu que eu queria ter uma noite contigo, rapaz?

– Mas ainda nem escureceu...

– KENJI!

Saí pisando duro, me jogando contra a cama do rapaz e deixando a toalha se aderir em minha pele graças à gravidade. Kenji correu para buscar minhas roupas, e no mesmo instante colocou-as ao meu lado, falando que iria se retirar para que eu pudesse me trocar.

Dei de ombros e nem esperei que ele saísse para que eu começasse a me vestir. Depois daquela burrice do meu namorado, empolgação não viria tão já. Passei por ele, torcendo os cabelos, dizendo um grosso “obrigada pelo banho de água fria”, e me retirei no mesmo instante, saindo daquela casa. Do lado de fora, Aurora estava podando algumas plantas, colocando-as em vasos de maneira artística, decorando de forma preciosa os arranjos e decorando a frente da bela casa do loiro.

– Já vai, excelência?

– Sim... Seu amo fez uma besteira enorme, agora.

– O que houve?

– Você viu meu estado quando vim para cá, não? O remédio que Yomi criou e testou em nós modifica o hormônio. Vim querendo me acalmar e ele me acalmou sim...

– Ele te violou?!

– Violou minha honra me jogando num belo banho de água gelada.

Aurora, cobriu os olhos com o chapéu deixando a pena cair sobre a face e engoliu uma risada, que mesmo sendo contida, eu consegui escutar. Perguntei se ela estava rindo de mim, e a mesma se recompôs, erguendo a ultima cesta de flores do chão.

– Kenji é bobinho, excelência. Eu diria que há uma criança presa naquele corpo jovem e bonito. Se a senhorita não explicar com todas as letras o que quer, ele vai fazer o que achar mais apropriado.

Após dar um suspiro vencido, me despedi e voltei para casa num tiro, que não era muito distante. Nossas províncias eram coladas uma na outra. Já na porta, Leona e Elion se curvaram, dizendo “bem vinda, excelência”, ao que eu meneei com a cabeça e entrei. Elion estava corada, tentando explicar o por que de ter deixado Yomi entra na província sem minhas ordens, mas apenas disse que estava tudo bem. A morena já tinha separado o gibão de ferro, polido as armas, separado o vestido que eu ia usar por cima de tudo e a couraça de aço que iria cobrir minhas partes mais vulneráveis.

Quando adentrei no quarto, acenei, ao que ela retribuiu com um meio sorriso. Yomi estava divinamente produzida. Os cabelos presos numa bela trança enfeitada por uma fita de cetim preta na ponta, o vestido de seda sobre a malha de ferro e a couraça de aço similar a minha, exceto pelo fato de que no caso dela, a proteção era mais leve, pois sabia que numa batalha, a guerreira principal seria a mesma.

– Partiremos para a ultima província imediatamente, ao lado de Reno e Purpura. Como Purpura é uma maga e Reno um brilhante ninja, creio eu que atravessar os perigos do ultimo destino não seja tão complexo. Estimo 80% de chances de sairmos com vida.

– E os outros 20%?

– Ou você morre, ou você morre.

– Uma terceira opção?

– Você é presa, e depois te matam.

Engoli seco. Yomi riu ao ver minha expressão, e então apoiou a bela foice negra na faixa do vestido, amarrada por uma corrente que rodopiava por entre o ventre.

– Aos meus olhos, a situação está bem agradável.

– Aos meus... Está péssima!

Partimos decididas até os portões, prontas para o embate. Eu me cobri com a capa branca, e Yomi... Bem, ela era só ela. Nos portões, Purpura com sua roupa de batalha, e Reno, trajando um belo sobretudo francês, aos meus olhos, nos esperavam, pacientemente. Trocamos algumas palavras, revendo o que deveríamos fazer naquela tarde, replanejando as falhas no nosso plano, até que ficasse infalível.

Após nos decidirmos, saímos.

...

Circulamos toda a área, e no fim, quase desistindo, fui pega no colo por Reno, enquanto Purpura e Yomi desembestavam caminho a frente, sem um pingo de medo. Reno andava com mais cautela, afinal, ele era desprovido de visão, o que me fazia ficar surpresa por ver o quanto ele era ágil.

– Você é bonita. – Ele sussurrou, me fazendo corar. – Quero muito que chova para eu confirmar.

– Chover?

– É. Depois lhe explico melhor...

A voz dele era angelical, um pouco mais grave que a de Kenji. Era tímida também, mesmo tendo uma seriedade escondida em cada palavra. Me perguntava se aquele rapaz era uma espécie de Conde, para ser tão cheio de pose.

– Pessoas! Achei!

O colar de Purpura continha um olho desenhando e este estava com a íris e pupila girando como doido, anunciando a aproximação de algo que ela chamava de não humano. Logo em frente, um rapaz com um monóculo correu até se esconder dentro de uma cabine roxa, com um grande olho desenhado em uma de suas extremidades, cujo globo era castanho e a pupila de um vermelho vivo, carmesim.

Em volta da cabine, nada, além de uma terra avermelhada e algumas rochinhas amareladas, que se estendiam até onde a vista alcançava. Havia um ponto onde a grande torre das geleiras de Conchita se refletia na luz do sol, o que me fazia pensar que tínhamos acabado de dar a volta em Conchita.

– É um portal. – Sussurrou Purpura, brincando com seus cabelos bicolores.

– Onde será que vai dar?

– É o nosso destino. Vamos atravessá-lo. Uma coisa dessas não está aqui atoa.

– Será que foi com essa coisinha que trouxe tudo o que vemos para cá? – Reforçou Yomi, recebendo um aceno em consentimento.

Fui colocada no chão, no mesmo momento que Yomi abria a porta da cabine, não encontrando ninguém lá dentro. Era do tamanho de um elevador, ao que coube apenas nós quatro e ninguém mais. Eu dei um passo para trás ao ter me assustado com o gélido aço da foice de Yomi e esbarrei em Reno, ao que ele apenas suspirou.

– Perdão.

– Permita-me... – O moreno me envolveu com os braços, na altura da quadril, e me aproximou ainda mais dele.

O breu não me deixava ver nada. Yomi e Purpura tocavam os cantos com as mãos, em busca de algo que os tirasse dali, e logo, um orifício foi tocado pelo indicador da morena, fazendo com que tudo ficasse branco.

O branco deu lugar a um amarelado, e fios de um roxo bem vivo subiam do solo para o teto, rodopiando em linhas desregulares, até que os fios deram lugar a pêndulos de relógio, depois, vários olhos coloridos, e depois caímos em algo molhado.

– Como vocês gritam! – Exclamou Reno, não vendo o que acontecia por ali.

– Eu não gritei... – Retrucou Yomi, se levantando.

Eu no entanto, estava olhando para o céu. Estávamos sobre um córrego de pelo menos 4 metros de largura e 20 centímetros de profundidade. Nunca senti cheiro tão bom em minha vida, nem quando estávamos em casa. Nunca tinha visto céu tão límpido. O céu estava distante, brilhava num vermelho intenso.

Me ajudaram a levantar, e eu via tudo rodopiar como uma usuária de alguma droga via ao estar chapada. Eu ria, desembestada como uma hiena, não vendo como todos estavam me olhando com um certo receio de ter acontecido alguma coisa com a mestra.

– Excelencia...? – Purpura tocava em meus ombros, sacudindo-me, mas apesar de eu saber o que acontecia, tudo parecia ser festa.

– Byakushi...? – Reno chamou, ao que eu olhei, no mesmo instante que senti algo que me arrancara daquele estado deplorável.

Reno havia me beijado de forma tão inusitada que nem mesmo as duas pareciam acreditar. Ele envolvia minha língua numa dança que nem mesmo Kenji havia me ensinado, e me envolvia nos seus braços com total respeito e submissão. Ao separarmos, ele me encarou, apesar de não me enxergar.

– Foi a única forma de acordar-lhe, senhorita. Peço que me perdoe. – No mesmo instante, ele se afastou, seguindo caminho.

Os três seguiam adiante, mas eu estava pasma. Sacudi a cabeça e saí correndo atrás, escorregando em meio a água e caindo contra o solo engolindo algumas doses da mesma. Ao me recompor, já não os via mais. Não via nem Yomi, nem Purpura, nem Reno.

– Cogumelos azuis...

Sussurrei, coçando a nuca. Era algo que Leona dizia muito quando alguma coisa estava sem nexo ao seu redor, como, por exemplo, Elion dar em cima de um velho e ter uma noite com ele, claro, sem que a amiga saiba que o tal era dono de muitas riquezas.

De qualquer forma, eu saí andando naquelas águas, em linha reta, até encontrar uma encruzilhada. Olhei para a esquerda, olhei para a direita, e me perguntava como que aqueles três não perceberam que eu não estava com eles.

– Afinal, não sou tão quietinha assim...

Mas havia ocorrido. Eu estava sozinha, não sabendo para qual caminho seguir. O céu ainda estava lindo pelo menos...

– Eu mereço...



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Notas finais do capítulo

Me gusta desse capitulo. Agradecendo à "LoZ: TP" e "Alice: MR" pela inspiração musical. O próximo cap será divino. *-*
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