A Canção Do Vento Chinês escrita por Julia MKL


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Mais uma One Shot, mas essa é compridinha... Espero que gostem :3



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O vento forte e o céu nublado indicam que a noite será chuvosa. São quase 6 horas da tarde, o momento mais movimentado do dia. Uma sombra anda pela multidão. Seus longos cabelos lisos estão ocultos pelo capuz do moletom lilás. Seu short jeans e sua meia calça rasgada lhe dão um ar de rebeldia. Seus olhos cor de mel observam atentamente tudo e todos logo à baixo da franja negra.

As pessoas nas ruas movimentadas mal notam sua presença. Estão todos ocupados demais pra perceber. Ou talvez percebam e não se importem.

A garota que anda silenciosamente pela rua é Mei Hua. Talvez nesse momento ela esteja pensando estar sem propósito. Mas no fundo sabe exatamente qual o seu destino.

Percebendo onde se encontra, Mei acelera o passo. Ela percebeu que não tem escolha. É lá que deve estar. O vento chama por ela.

Após alguns minutos de caminhada, a garota chega ao seu destino. O Shopping da China, atualmente abandonado.

Observa por entre as janelas, como sempre. Presta atenção em cada detalhe, na pintura descascando, nas roupas empoeiradas, no chão sujo... Não esquece nenhum detalhe. Pois pra ela parece até que algum ser mágico habita esse lugar.

Distraída entre pensamentos, Mei não nota a aproximação de uma garoto alto, de cabelos louros que caem sobre a testa e olhos azuis. O garoto chama-lhe a atenção.

- Ah, oi Nate. - Mei cumprimenta o garoto com um gesto de mão.

- Oi. - Nate analisa a garota que está distraída observando por entre as janelas. - Achei que era o único que gosta daqui.

Mei olha para o garoto. Ele é alguns centímetros mais alto que ela. Nate se aproxima da janela e observa lá dentro.

- Eu venho aqui pelo menos uma vez na semana. Eu queria que ainda funcionasse, sabe? Nos tempos em que era aberto, com certeza era lindo... - Ele sorri sozinho - Pode parecer loucura mas esse lugar parece mágico, sei lá.

Após alguns segundos de silêncio, Mei se pronuncia.

- Eu também acho. - Ela se senta encostada na parede. Pega o celular do bolso para ver as horas, e suspira. Parece constatar que está atrasada. - Eu nunca vim aqui, mas meu pai disse que quando namorava minha mãe eles vieram algumas vezes.

Nate sorriu.

- Minha tia disse que uma vez ela e um namorado vieram aqui, pois queriam pedir à fonte dos desejos que ficassem juntos pra sempre. Só que já era tarde e o shopping estava fechando... - Ele sentou-se ao lado da garota. - Bem, deve ser o destino. Eles não ficaram juntos nem um mês depois disso.

- Será que a fonte funcionava mesmo?

- Não sei. Mas se eu pudesse pedir algo, pediria que fosse levado para um lugar mágico, ou algo assim.

Começou a ventar mais forte, fazendo com que seus cabelos balançassem graciosamente. O vento batendo na construção antiga fazia parecer que o Shopping abandonado estava assobiando uma canção.

Mei levantou-se.

- Eu tenho que ir, senhor sonhador.

Ela sorriu, e Nate retribuiu o sorriso.

- Algum dia eu ainda vou invadir isso aí, você vai ver. Talvez, se passar pela catraca eu seja levado pra outra dimensão. Uma vila chinesa antiga, um palácio de deuses chineses... - Suspirou. - Quem sabe, não é?

- É, quem sabe.

–--


Já era em torno da meia noite quando o celular tocou. Olhando no identificador de chamadas Mei viu que era seu tutor. Ela resolveu não atender. Tocou de novo, e mais uma vez. Não sabia o motivo de ele estar ligando, afinal não se importava com ela de verdade. Não era como o seu pai.

Mei Hua estava sozinha. Sua mãe havia morrido no parto, e seu pai morreu a três anos de acidente de carro. Ela morava em um orfanato. Fora onde conheceu Nate Harrys, o sobrinho da diretora.

O celular tocou e era seu tutor novamente. Já irritada, Mei atendeu.

"Mei onde você está?"

- Eu estou aqui no centro da cidade, eu estava com o Nate, mas...

"Não importa! Venha pra casa agora! Você tem que estudar para a prova de amanhã, e não esqueça que vamos organizar a festa beneficente..."

- Eu não vou fazer nada disso, me deixe em paz! - Gritou ao telefone e desligou.

Estava cansada de sua vida. Ninguém se importava com ela. Ah, e "a festa beneficente" era pra juntar fundos para o orfanato. Comprar coisas melhores para a sala da diretora e para a sala de jantar dos tutores. Nada era para as crianças. Era uma festa beneficente que não ajudava quem realmente precisava. Estava farta disso.

Um trovão soou em algum lugar no céu. Uma chuva fina começou, e foi logo tomando força. Mei esfregou os braços, estava congelando.

O telefone tocou novamente. Ela o pegou e começou gritando:

- Eu já disse pra me deixar... - Foi interrompida por uma voz preocupada.

"Mei? Olha desculpa incomodar a essa hora da noite, mas você viu o Nate?"

Seus olhos amarelados se arregalaram em surpresa. Era a diretora do orfanato. Ela perguntou de Nate? Não quis lhe dar uma bronca por estar até tarde na rua? Isso não era normal.

- Eu vi ele lá pelas 6 horas no Shopping da China... Por quê? - Vozes foram ouvidas do outro lado da linha. Diziam coisas que não eram possíveis entender direito. - Por que a pergunta? Aconteceu alguma coisa?

Em um primeiro momento não houve resposta, então a diretora falou:

"Nate está desaparecido desde hoje a tarde."

Mei levou um choque. O celular escorregou de sua mão. Ela se desligou de todo o mundo a sua volta. Não havia vento, não havia chuva, o relógio parou. Tudo parecia congelado. A voz de Nate ecoou em sua mente. "Talvez, se passar pela catraca eu seja levado pra outra dimensão."

Ela olhou para cima. A lua pairava no céu, por entre as nuvens de chuva, parecendo lhe encarar. Aos poucos o cenário a sua volta pareceu tomar movimento. Ela ouviu o vento forte batendo nos prédios. Ela parecia estar assobiando uma canção.

Mei se recuperou e começou a correr. Indo com toda a velocidade seus olhos amarelados mantinham o foco no caminho a frente. A chuva não perdoava, e ela estava toda molhada. Mas diferentemente das outras vezes, ela sabia onde estava indo. Sabia qual era seu destino. Não podia parar de correr.

O vento assobiava uma canção, uma canção solitária, uma canção chinesa que apenas Mei podia ouvir.

Já ofegante, ela chega ao velho Shopping da China. Se aproxima colocando as mãos no vidro. Observando lá dentro, constata que tudo parece como sempre foi. Fora o fato de que a porta dos fundos estava aberta.

- Sim...

A garota encapuzada olhou em volta e analisou o portão pichado do que antes fora o estacionamento do shopping. Ao lado havia o muro da pousada vizinha. Mei concluiu que seria difícil, mas ela precisava fazer isso.

Com dificuldade subiu no muro. Ficou de pé de andou equilibrando-se até conseguir pular dentro da parte de trás do shopping. Mal acreditava que havia feito isso, mas não tinha tempo pra se vangloriar.

Andou até a porta e entrou. Lá dentro pôde observar todo o ambiente como sempre quis. A larga escada, branca com peitoral trabalhado azul escuro, subia curvada até o segundo andar. A fonte em forma de um pequeno lago estava vazio. Ali havia uma placa escrita "Fonte dos Desejos" e na borda, uma cabeça de dragão vermelho desbotado de boca aberta encarava o fundo sujo do lago. Antigamente, saía de sua boca a água que enchia o lago.

Mei andou pelo ambiente chinês que era praticamente todo branco, vermelho e azul-escuro. Mesmo estando sujo e abandonado, era muito mágico. Ela tocou de leve a parede, convencendo-se de que aquilo era mesmo real. Ela olhou através da catraca, notando as contas espalhadas pelo chão.

"Sim!" pensou.

Novamente, a voz de Nate ecoou em sua mente. "Talvez, se passar pela catraca eu seja levado pra outra dimensão."

Mei andou até a catraca vermelha e a girou, notando que ela estava enferrujada. Hesitou e passou por ela. Olhou para dentro do shopping abandonado dali. Suspirou. Se sentia... Triste.

Tomou coragem. Fechou os olhos e passou novamente pela catraca.

"Isso é idiotice. Mas tudo bem. Eu estou aqui." Pensou "Vai estar tudo bem se nada acontecer."

Ao abrir os olhos, notou que havia um garoto agachado na beira da fonte, molhando as mãos na água que saía da boca do dragão. Ele estava cantarolando uma canção chinesa. Mei nota que o ambiente está claro, e o chão está limpo. O cheiro de um incenso de sândalo preenche o lugar. O garoto louro olha para ela, com seus grandes olhos azuis e sorri.

- Eu sabia que você viria! - Disse.

Mei ficou estática, enquanto ele se levantava.

- Nate! - Pulou no garoto segurando-o em um abraço apertado. Ele retribuiu o abraço. Nate vestia uma túnica vermelha com desenhos dourados.

- Mei, você está toda molhada!

Ela piscou.

- Eu estava lá fora... A chuva...

- Que chuva? - Perguntou confuso. - Bem, tanto faz. Vamos arranjar umas roupas secas pra você. Eu vou te mostrar o lugar, você vai adorar!

Mei e Nate seguiram subindo as escadas, conversando e sorrindo. Haviam até esquecido da noite lá fora.

Enquanto isso, na madrugada fria da cidade, dois adolescentes estavam desaparecidos. O Shopping da China estava vazio e abandonado, como sempre estivera. Não há sinal de que alguém tenha estado ali recentemente. A velha construção parece assobiar... Ele está assobiando a canção do vento chinês.



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