O Menino e o Lobo escrita por Kaleidoscopio


Capítulo 1
Capítulo 1




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Era noite e uma chuva torrencial caía em Princeton. Raios iluminavam o céu escuro como breu e os trovões indicavam a inquietude de São Pedro com seus móveis de sua casa suspensa nas nuvens. Todas as pessoas aproveitavam a chuva para dormirem tranqüilas, para distrair-se dos problemas que saltitavam em suas cabeças... Contas, provas, empregos, mortes. Todas as pessoas flutuavam suavemente pela corrente do sono.

Todas, menos uma.

Lucas Douglas encontrava-se encolhido em sua cama, abraçado ao seu urso preferido, René. Tentou várias vezes dormir, mas sem sucesso. O garoto nunca gostou de chuvas – “o mundo fica escuro e o papai do céu chora. Eu não gosto de ver ninguém chorar”, ele explicava. E ainda havia o barulho dos trovões, que torturava os ouvidos do menino, perturbando-o, não o deixando dormir em paz. Era uma noite de terror para Lucas.

Não importava o quanto ele tentasse fugir, colocando seu travesseiro contra sua cabeça, cobrindo seu pequeno corpo debaixo dos lençóis, o medo sempre vinha indiferente com o desespero do menino, penetrando em seu corpo, paralisando Lucas de horror. Não havia como fugir.

Ficou recolhido em sua cama por mais de meia hora, quieto, sem saber que peça mover em seguida. O que ele poderia fazer para melhorar sua situação?

Procurar alguém, ele concluiu.

Mas quem?

Para resolver essa questão, o garoto começou a pensar.

“Mamãe não pode...”, sussurrou o menino para si mesmo, “Mamãe está trabalhando.”
De fato, James Wilson, inevitavelmente, teve de mergulhar de cabeça no trabalho. Nas três semanas em que esteve fora, seu departamento se afogou em pedidos de pacientes. Se ele tivesse 5 minutos de paz, era um milagre. Homens, mulheres e crianças, todos com apenas alguns anos de vida. Aquele trabalho, na situação emocional em que Wilson se encontrava, parecia hipocrisia. Ele consolava as pessoas que estavam próximas de serem abraçadas pelos braços frios e impiedosos da morte, porém ele estava demasiadamente feliz com sua vida, com House, com o pequenino Lucas. Às vezes tinha de se controlar para não dar uma risada de satisfação no meio de um choro de algum paciente. A situação de Wilson se descrevia em uma palavra: felicidade. E a sensação de felicidade era extremamente... Mágica.

Pensou novamente.
“Você não pode, René”, lamentou Lucas, olhando para seu companheiro, “Você pode não me fazer ficar sozinho, mas você não sabe falar. Você não sabe contar histórias. Desculpa.”

Pensou pela última vez. E uma luz acendeu-se em sua mente.
“Como eu não pensei nele antes?”, exclamou Lucas, “Papai! Papai não foi pro trabalho hoje! Ele pode me proteger!”
Gregory House era o pai de Lucas. Apesar de preguiçoso, sarcástico e várias vezes, rabugento, Greg House era um pai presente, apesar de desajeitado – um pai de primeira viagem. O médico adorava treinar os ouvidos de Lucas com seus LPs diversos e ensinar o garoto a tocar piano, ajudava-o a fazer seus deveres de casa e freqüentemente requisitava a ajuda do menino para irritar Jimmy. Eles eram como pão e manteiga, sempre aprontando alguma coisa juntos, apesar de House negar seu amor incondicional pelo menino quando questionado. Ele tinha medo de parecer fraco demonstrando tais sentimentos – contudo todos sabiam que isso apenas o fazia ser mais humano. Talvez ele fosse cego demais (para perceber que aquilo não poderia ser escondido), no entanto seus amigos e colegas de trabalho não eram. Todos sabiam que no fundo, House amava Lucas mais do que a própria vida e andaria (ou melhor, mancaria) até o fim do mundo por ele se fosse preciso. Não era preciso ser um adivinho para descobrir tal coisa, estava tudo escrito nos olhos azuis de Greg.

“O que você acha René?”, E colocou a mão na cabeça do urso e balançou-a, fazendo que sim, “Que bom que gostou!”, E saiu da cama, eufórico. Abriu a porta de seu quarto e rumou para o quarto do pai, arrastando seu ursinho de pelúcia.

Quando chegou ao quarto de House, o menino encontrou seu pai aos roncos – uma cena rara, diga-se de passagem. Wilson dizia que House podia fazer qualquer coisa de noite – qualquer coisa mesmo, do comum ao bizarro – menos dormir. Ele não sabia ao certo porque – só sabia que era assim.
Mas tal coisa que parecia que acontecia somente de passagem a passagem do cometa Halley não impediu Lucas de acordar o pai.
“Papai?”, chamou ele, sacudindo o homem, “Papai?”
“Que é pirralhinho?”, resmungou House.
“Eu não consigo dormir”, disse Lucas.
“Ahn?”
“Eu não consigo dormir”, repetiu.
“Hã... por quê?”, perguntou o pai.
“Por causa... da... chuva”, e apontou para a janela.
House ficou a olhar para o menino, cético. O que fazer para consolá-lo? Devia consolá-lo? Não fazia a mínima idéia. Dizer que aquele medo era uma coisa tola não era uma boa idéia – só iria assustar ainda mais o garoto.
“Deve haver uma resposta lógica pra isso...”, pensou Greg.

Não, não havia uma saída lógica. E House se surpreendeu ao perceber isso.

Na verdade, tudo que House precisava fazer era abraçá-lo. Tudo que House precisava fazer era pronunciar eram três palavras, três palavras que surtem um efeito de segurança imediato: Eu estou aqui.

E assim House o fez. Afinal, quem era ele para lutar contra as leis da natureza?

Com o filho em seus braços, ocorreu-lhe que ele poderia ter agido como seu pai – ele poderia ter dito a Lucas que aquilo não passava de um medo estúpido. Poderia simplesmente empurra-lo para sua cama sem pronunciar uma misera palavra.

Mas eis a diferença entre o pai de House e ele: House tinha a oportunidade de consertar os erros de seu pai criando Lucas de outro jeito, sendo de outro jeito. O pai de House não.

Ao concluir tal coisa House jurou que nunca seria com o pai foi, uma vez que ele tem a oportunidade de mudar a educação do filho e dar a ele melhores oportunidades. Queria que Lucas fosse... Diferente. Diferente dele. Queria que o menino fosse feliz!

“Você quer que eu... que eu lhe conte uma história pra dormir, Lucas?”, perguntou o homem, sem jeito.
“Sim papai...”, concordou o menino, enxugando as lágrimas e dando um sorriso para o seu velho, “Eu adoraria ouvir uma história de você.”
“Okay...”, respondeu House, levantando-se da cama e rumando para a estante de livros. Mas parou de repente. O homem havia percebido o jogo do filho.
“Espera aí! Você já pretendia ouvir uma história de mim, não pretendia?”, perguntou.
O menino nada respondeu, apenas sorriu. Aquilo era sim.
“Meu menino está crescendo tão rápido!”, exclamou House sarcasticamente, e andou mais alguns passos para alcançar a estante.
Ao se aproximar, House passou os dedos por vários livros, procurando algo que o interessasse, mas não havia nenhum livro infantil que ele pudesse ler para Lucas. Coçou a cabeça e ficou tentando lembrar de alguma história por alguns minutos, algo apropriado. Até que... Fez-se a luz.
Voltando-se para o menino, House perguntou:
“Muito bem. Você conhece a história do menino e o lobo?”


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Eram exatamente 22h46min quando Cuddy finalmente liberou Wilson.
“Você já adiantou muita coisa hoje”, disse ela. “Vá pra casa. Relaxe. Quero meu oncologista a postos amanhã para acabar com os atrasos de vez.”
Wilson concordou, sem nenhum pingo de hesitação. Na verdade, foi o mais rápido que pôde para casa. Estava louco para ver House e Lucas. Estava louco para beijá-los, sentir o cheiro deles novamente. As horas parecem nunca passar quando se está longe de se ama. E era isso que Wilson sentia em relação a eles. Os dois lhe davam pelo menos um motivo para sobreviver.

Quando chegou em sua casa, a primeira coisa que chamou a atenção do oncologista não foi a bagunça extrema da sala ou os vários pratos sujos na cozinha – mas risos. Risos de criança. Risos do Lucas.

Curioso, ele subiu as escadas silenciosamente e caminhou na ponta dos pés até a porta de seu quarto, onde havia uma pequena fresta. Posicionou-se com cuidado e espiou o interior do quarto e o que viu estava além de suas expectativas.

Era Gregory House, o homem sarcástico, o infeliz, o idiota, lá dentro, junto com o filho deles – contando uma história para ele. “Inacreditável”, ele pensou. E ao mesmo tempo... Maravilhoso.

Excitado com aquela descoberta, Wilson sentou-se ao lado da porta para sentir-se mais à vontade e continuou a espiá-los pela fresta da porta, querendo absorver o máximo possível daquele momento.

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Depois de alguns minutos de confusão, House ajeitou-se na cama ao lado de Lucas. Para a surpresa dele, o menino pôs sua cabeça contra seu peito.
“Ei, ei, ei, ei, ei. Que raios é isso?”, House perguntou num tom irritado.
“Eu só...”, começou a explicar o menino, com voz chorosa, “Só...”
House respirou fundo, contou até dez e cedeu.
“Tá bom, Tá bom... Então”, disse House, respirando fundo mais uma vez, “existia um menino chamado...”
“Marcelo”, sugeriu Lucas.
“Marcelo”, repetiu o pai, “Muito bem. Ele era um menino muito energético, não parava quieto aquele diabinho. Ele sempre estava aprontando alguma coisa para a vila onde morava – espantava as ovelhas, insultava as pessoas, desafiava as crianças mais novas a coisas que elas não eram capazes de fazer, além de roubar os brinquedos delas....”
“Um House versão criança”, riu-se Wilson em seu esconderijo.
“MAAS ele havia deixado a melhor brincadeira por último, algo assustador, algo que assustasse ao extremo as pessoas da vila”, disse House em tom de mistério, “Ele iria fingir que havia um lobo invadindo a vila. Ele iria gritar, se desesperar – e, é claro, todos acreditaram. E assim ele o fez.
‘Socorro! Um lobo quer me pegar, um lobo!’”, gritou House numa vozinha, “E rapidamente várias pessoas foram ajudá-lo. E ao descobrir que o menino os enganara, eles simplesmente deram ombros e foram embora, claro, eles eram um bando de idiotas que atenderam o menino mais idiota ainda.
E essa situação aconteceu várias e várias vezes, até que...
UM LOBO DE VERDADE APARECEU E COMEU O MARCELO!”, gritou House, pulando em cima de Lucas e o mordendo, fazendo cócegas nele. A risada do menino encheu o quarto, trazendo uma atmosfera mais gostosa no quarto. Após se recompor, House respirou fundo e finalmente finalizou a história, “O pirralho ficou gritando desesperado por uns cinco minutos antes do lobo devorá-lo, sem obter nenhuma ajuda. Só que o lobo acabou por comer o menino.
Porém ele não ficou satisfeito... O lobo queria mais. Então, ele invadiu a vila. Mas, por mais incrível que pareça, ele foi apenas à casa dos pais daquela peste e os comeu todos, um por um. E depois, saiu da vila como se nada tivesse acontecido.”
“Mas... Na história que a minha professora me contou ele não comia a família do Marcelo”, disse Lucas.
“É a minha história, é a minha versão e são os meus personagens, eu faço o que quiser com eles!”, devolveu House, impaciente.
“Está bem, não precisa brigar com o garoto”, disse Wilson, saindo finalmente de seu esconderijo.
“Mamãe!”, gritou o menino, correndo em direção ao oncologista, “Você viu? O papai contou uma história pra mim!”
“É... eu ouvi”, respondeu ele, pegando Lucas no colo, “O seu papai está virando um papai de primeira!”
“Vá se danar, Jimmy”, respondeu House de volta, irritado.
“Então... já é hora de dormir, não é Lucas? Vai lá pro teu quarto que eu já vou te arrumar”, falou o oncologista, olhando para o relógio de parede do quarto.
“Mas... Mamãe! Eu quero ficar com vocês! Deixa, por favor, por favor...”, suplicou-lhe o menino.
Wilson abriu um largo sorriso para o menino.
“Tá bom. Vai lá pegar seu travesseiro que você dorme junto com a gente, ok?”
“Ok!”, respondeu Lucas, e saiu em disparada para seu quarto para pegar seu travesseiro.
“Você demorou”, disse House de repente, e com um sorriso sarcástico, completou, “A Cuddy te fez de escravo sexual de novo?”
“Não. Pior! Meu departamento está se afogando em pacientes... de novo”, Wilson respondeu, “Mas não mude de assunto. Desde quando você é assim?”
“Assim como?”
“Tão... pai.”
“Eu...”, começou House, respirando fundo e procurando uma resposta concreta, “Eu...”
“Você ama ele muito, não ama?”, perguntou Wilson, se divertindo com a vergonha do marido.
“É...”, admitiu House. Wilson sorriu para ele.
“Fico feliz por ter descoberto esse ‘House’ a tempo. Fico feliz por você ter descoberto um pai em você”, disse Wilson, “E fico feliz por você ter cuidado do Lucas hoje. Obrigado.”
“Você me deve favores sexuais por isso”
“Tudo bem, senhor. Essa dívida será devidamente paga amanhã”, respondeu, dando um beijo sedutor nos lábios do companheiro.
“O pirralho tá demorando, não tá? LUCAS, CADÊ VOCÊ?”, gritou House.
“Tô aqui, papai”, respondeu o pequenino.
“Se ajeita aí que eu quero dormir logo e a sua mãe também”
“Tá bom, papai”, e subiu na cama, deitando-se no meio dos dois.
“Deixa que eu desligo a luz”, disse Wilson, levantando-se e indo em direção ao interruptor para fazê-lo.
Após desligar a luz, deitou-se na cama e abraçou Lucas e House de uma vez só.
“Boa noite, meninos”, disse ele.
“Boa noite, Jimmy”, responderam pai e filho em uníssono.


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Notas finais do capítulo

É, eu esqueci o nome do menino. Não sei o que deu em mim, eu só esqueci, caralho. *Chora pelo fail na vida*, *Facepalm*.



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