A Canção De Hohen escrita por MrMartins


Capítulo 23
Prenúncio de Tempestade - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Finalmente a chegada à capital e o encontro com Loren. A descoberta de uma força estrangeira torna tudo mais perigoso.
(Escrever esses resumos é tão legal :>)



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Dentre todas as cidades humanas de Hohen, Ellin era a maior. Entre as tundras e montanhas de Gilderminst ou nas florestas ancestrais de Sauminst, entre os vales de Heltenminst ou as planícies encharcadas e pradarias infindas de Kohenminst, em meio aos cânions profundos e ruínas antigas de Belminst, nenhuma outra havia que se igualasse a ela. Ellin dos castelos de mármore negro, dos templos grandiosos, das abóbodas reluzentes, dos portais e dos pilares, das pontes e das praças, das muralhas tão antigas quanto a própria humanidade. Ellin, coração de Hohen, trono de seus reis, alma de seu povo. Ellin, Primeiro lar dos humanos em Hohen.

A estação principal ficava no centro econômico da cidade, entre mercados, lojas, bancos, prédios da administração e do Repouso de Vyr.

Ah, o Repouso de Vyr. Doze torres negras penetrando o céu, centenas de cavaleiros de ônix com suas espadas erguidas em eterna guarda, e, no centro, a construção principal, grandiosa em seus milhares de janelas, opulenta em seus arcos e passarelas, viva em seus pátios e jardins suspensos, florescendo em dez mil cores com a primavera. Uma joia antiga, atestado do poder de homens soberbos, muitas vezes invadido, jamais tomado. Quanta história havia naqueles corredores, naqueles quartos, nas suas reentrâncias mais profundas e ocultas? Quantos reis haviam nascido, vivido, governado e morrido ali? Sua presença dominava as vistas de Ellin como Ellin dominava toda Hohen.

Ao ver pela janela do trem o palácio novamente, Ellienne apertou seu colar e respirou fundo.

— Chegamos aqui, mas o que nos aguarda adiante? — ela falou.

Logo em frente aos grandes portões do castelo, vários soldados aguardavam de lanças em mãos. Ao passo em que o primeiro deles viu o grupo se aproximar, todos ergueram a guarda.

— Quem vem lá! — gritou um deles.

Karl tomou a frente e com um gesto ordenou que Hart e Hilde assumissem postura. Com a mão tocando o peito e o olhar erguido, ele começou.

—Eu sou Karl Hirtz Toffbar, Cavaleiro da Ordem de Yms! Mas hoje não é isso que importa! Abaixem as armas, pois quem chega é a herdeira legítima do Trono de Hohen: Ellienne Väulderifäng Straussheins! Saúdem-na soldados!

Os olhares de todos que ouviram a declaração, soldados ou civis, correram até Ellienne. Avançando sem hesitar, ela conjurou a espada e a apontou para os céus, reluzindo em um prisma infindo de cores, erguendo anéis de luzes e o canto solene de um coro de valquírias.

— Meu nome é Ellienne Väulderifäng Straussheins! Essa espada é a prova de quem sou! Vejam! Abram os portões! É a vossa Rainha quem o ordena!

Murmúrios e vozes, comentários, gritos de louvor, surpresa e repúdio se misturaram a correria e o ranger dos portões, enquanto abaixando suas armas, os soldados permitiram ao grupo avançar.

— Bela fala — Hart comentou.

— É necessário saber o momento em que um espetáculo é necessário, Hart. E esse é um desses momentos.

O grupo foi guiado pelos soldados por entre os jardins do castelo até a entrada, aonde, em falha elegância, um homem baixo, de bigodes esparsos e cabelos ralos, aproximou-se deles e, curvando-se, cumprimentou Ellienne.

— Lady Väulderifäng! Se tivesse nos avisado que chegaria teríamos preparado uma recepção digna!

— Foi melhor assim. E lady Emma Haugar? Ela chegou aqui?

— Sim, minha senhora! Há alguns dias. Ela nos avisou de vossa vinda, embora não tenha podido especificar uma data. Mandamos soldados para tentar acha-la e pedimos informações em todas as cidades, mas em lugar nenhum pareciam tê-la visto! Mas, e o coronel Herman? Ele vinha junto à senhora, não?

— Muito aconteceu nesse tempo. Porém jardins não são o lugar para se discutir tais assuntos. Por favor, gostaria de falar com o administrador interino. Temos assuntos a tratar.

— Sim, claro! Por favor, queira me acompanhar. Seus… companheiros de viagem podem ir com os soldados.

— Preferiria que eles me acompanhassem. Também gostaria de ver lady Emma, se possível.

O homem de fraque acedeu relutantemente. Abriram-se as portas e, seguindo-o, o grupo adentrou o palácio. Passaram pelos amplos salões com suas pilastras e arcos, pelos corredores largos, sempre sob o olhar curioso — ou seria temeroso? — dos nobres e soldados. Todo o tempo, Hart mantinha a mão pronta para sacar a espada.

— Então você já notou? — Karl comentou.

— É meio óbvio, não é? — Hart retrucou. — Aqueles uniformes azuis, isso não é Hohen.

— Não. O padrão das insígnias também não é. Parece Aber. Provavelmente é.

— Mas por que tem soldados de Aber aqui?

— Algo me diz que eu não vou gostar da resposta.

Logo chegaram em frente à entrada da sala do trono. Ao lado da porta, Emma esperava, desarmada, seu rosto contorcido por nervosismo.

— Lady Emma — Ellienne cumprimentou-a.

A guarda-costas se aproximou da princesa e a abraçou.

— Ellienne… — Emma disse em um murmúrio sôfrego. — É uma cilada!

— E pensar que estão tão apressados a ponto de nem mesmo me esperarem chegar. Nunca me imaginei tão ameaçadora.

— Você não entende…

— É tarde demais para voltar atrás.

O homem de fraque se aproximou e Emma se afastou rapidamente. A porta se abriu revelando a sala do trono, o tapete branco se estendendo da porta até as escadas, os seis cavaleiros da Guarda Real e os conselheiros reais reunidos ali às pressas. E lá, no trono negro e dourado ornado por unicórnios de marfim e rosas de rubi, repousava um jovem de cabelos de ébano e olhos de safira, trajado no vermelho de reis, vestindo a coroa de cristal negro. Ao ver Ellienne entrar, ele se ergueu abrindo seus braços e caminhando até a princesa a abraçou com afetação.

— Ellienne! Quanto tempo! Como é bom ver outra vez esse seu rosto e seus olhos! Temia que estivesse morta!

— Para sua infelicidade eu estou viva, Loren.

— Como pode dizer isso? Como eu poderia desejar que minha irmã de criação morresse? Que tipo de rei eu seria se desejasse algo assim?

— Um rei com um trono. O que você não será. Eu vim reclamar o que é meu por direito de nascença.

Loren se afastou e encarou os nobres que ali estavam, um sorriso falso lhe brotando devagar.

— O que é isso que eu ouvi? — ele falou. — Terá minha querida irmã de criação ficado louca? Que é isso que você diz sobre “direito de nascença”?

— O direito que me pertence como primogênita do rei!

— Ah, a desgraça! Minha doce Ellienne, tomada pela loucura e desilusão! Quão cruel é o destino que aflige alguém tão bela! Terrível! Ai, ai, terrível!

— Que loucura?

— O Pai nunca lhe contou? Ah, triste sina ser eu portador de uma notícia tão terrível! Ellienne, não somos irmãos, minha querida! Nosso pai te assumiu por amor a sua mãe! Você não é primogênita, apenas uma pobre bastarda iludida!

Num movimento, Ellienne abriu a ferida em sua mão, fez surgir a espada e apertou contra o pescoço de Loren. Os cavaleiros da Guarda Real sacaram suas armas e avançaram diante dos gritos horrorizados dos conselheiros. Hart e Hilde puseram-se em postura de ataque e prepararam-se para o embate. Mas antes que as lâminas pudessem se cruzar, Loren ordenou com um gesto que os Cavaleiros descansassem. Deslizando o dedo pela lâmina de Ellienne, ele fez surgir nela um filete de seu sangue. Estendendo a mão ele também fez surgir uma espada tal qual a que lhe apertava a garganta. Loren recuou e com a lâmina desenhou um arco descendente contra Ellienne. A espada encontra sua igual apenas para logo a seguir girar e se atirar contra o lado da princesa, sendo parada outra vez.

— Sem dúvidas, é uma ótima cópia — Loren falou. — Mas falta dignidade e linhagem nela. No fim, uma imitação não passa de uma imitação. Mas admiro seu esforço. Aprender uma magia de Reis é um feito memorável.

— Pode parar com o ato agora, Loren. Você não pode realmente esperar que alguém acredite em uma mentira tão óbvia.

— Não há mentira alguma — disse uma voz forte e profunda.

A passos pesados entrou um homem vestido num uniforme militar azul, alto, sério e duro, de cabelos grisalhos e olhos cínicos, carregando no peito uma insígnia de doze faixas. Junto a ele vinham outros soldados vestidos no mesmo uniforme azul, porém com menos faixas. Assim que entraram na sala do trono, os homens de azul cercaram o grupo de Ellienne. Loren baixou a espada e foi até o homem de voz profunda.

— Lorde Dunsany! — ele cumprimentou. — Rápido como sempre!

— Estou sempre postos para atendê-lo, vossa majestade. Especialmente se tiver que lidar com impostores e traidores. Parece que temos os dois aqui. Senhorita, Väulderifäng, como pôde erguer uma espada contra o seu rei?

— Rei? — Karl falou. — Então é isso? Aber decidiu fazer seu movimento?

— Não sei do que o senhor está falando. Estamos apenas garantindo que a transferência do poder para o legítimo rei de Hohen acontecerá sem problemas. Hohen passa por um momento difícil e Aber decidiu ajudá-la em nome da amizade entre nossas nações. Além do mais, não poderíamos permitir que uma farsante assumisse o trono de uma nação tão poderosa, especialmente em um momento de tanta… instabilidade política.

Loren deixou sua espada desaparecer e voltou para perto de Ellienne. Parando em frente a ela, ele a encarou sorrindo, suas mãos segurando-a pelos ombros.

— Vê, Ellie? Não há mais porque se iludir. Não se preocupe, vou arranjar um bom lugar para você viver! Uma ilha toda sua, com vários servos e guardas para cuidarem da sua segurança. Não precisa se preocupar. Vou garantir que você seja bem tratada por toda sua vida!

— Acha mesmo que eu aceitarei isso?

— Não. Mas eu jamais gostei da ideia de matar mulheres. Você não vai me obrigar a fazer algo tão vil, vai?

Ellienne ergueu a espada e a apertou contra o peito de Loren, forçando-o a recuar. Os soldados fecharam seu cerco ao redor do grupo. Enquanto Hilde e Hart ameaçavam avançar, Ydel apertava Fjola contra si.

— Ellie… Ellie… não faça nada de que vai se arrepender depois. Abaixe essa espada e se acalme.

— Você é só uma ferramenta para eles, Loren.

— E do que isso importa? Eu sou o Rei de Hohen!

— Ainda não. Você não foi coroado. Você não pode ser coroado.

— Não enquanto você estiver viva. Abaixa a espada e você só será exilada, Straussheins. Eu não quero te matar.

— Eu não vou permitir que Hohen torne-se numa serva de Aber!

— Olha ao seu redor. Não há nada que você possa fazer. Se tentar qualquer coisa, por menor que seja, eu abro a boca e você morre.

— Acha que os Duques vão aceitar isso?

— Eu sou o Rei. Eles não têm escolha. Acha mesmo que eles vão ter coragem de enfrentar um Rei apoiado por Aber?

— Você não conhece o povo de Hohen!

— Eu não conheço? Acha mesmo que sou eu quem não conhece ele? Essa é sua última chance. Abaixa a espada!

Viu-se então um golpe rápido e sangue. Agora no rosto de Loren um profundo corte atravessa a testa de lado a lado. Gritando de dor, ele recuou.

— Idiota! Acha que tem como sair viva daqui? — Loren urrou.

Ellienne sorriu e limpou sua espada.

— Eu não esperava que tivesse se vendido para Aber, Loren! Achei que estivesse acima disso! Escute e escute bem! Eu vou te tirar do trono e expulsar cada soldado de Aber de Hohen! Senhor Hirtz!

Karl fechou os olhos e ergueu seu braço direito. Nele estava um estranho aparelho, uma pulseira com um visor cristalino.

— Senhoras e senhores, se puderem prestar atenção em mim por um instante garanto que não irão se arrepender.

O visor se acendeu por um instante e então, com um lampejo, Karl desapareceu completamente por trás de uma armadura prateada, seu rosto guardado pelo vidro negro. A Guarda Real e os soldados recuaram ao ver a transformação, ainda que apenas um passo.

— Então realmente funcionou? — Karl comentou. — Vamos ver o que isso consegue fazer.


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Notas finais do capítulo

Depois do... questionável arco anterior, acho que era mais do que hora de fazer esse plot avançar.
"Ei, a Ellie foi descuidada". Foi, não foi? Estranho isso, não é?
haha
De todo modo, até semana que vem.