A Canção De Hohen escrita por MrMartins


Capítulo 14
Mestre do Jogo - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo de 2013. Para ser sincero, não pensei que fosse conseguir manter um ritmo semanal por muito tempo. Bom, posso dizer que é algo divertido. Desafiador, mas divertido.
Bem, bem. Segue o capítulo dessa semana.



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Estava escuro. Não havia barulho que não os passos de Hilde e Fjola ecoando pelo corredor. Pelas janelas de vidro, vazava a luz branca da lua, rompendo de quando em quando o breu completo. Passo após passo, nada acontecia. A sensação avassaladora da perseguição crescia devagar. À frente, Hilde avançava em guarda com uma rapieira de luz tremulante, pálida, tensa, sondando devagar o espaço adiante, buscando algo, qualquer coisa, que indicasse onde estava o inimigo. Bastaria um som, bastaria um lampejo de um corpo, qualquer coisa que desse mesmo a mais vaga certeza de que havia algo lá. Mas nada surgia. Como todo o resto da cidade, o corredor estava vazio. O corredor estreito e longo, insuportavelmente longo, se estendendo por metros e metros e mais metros sem jamais chegar a qualquer lugar, sem jamais parecer ter fim, o corredor escuro rajado da luz mórbida da lua, luz que apenas destacava quão impossivelmente estreito era o espaço que se fechava qual a boca de um monstro prestes a dar o bote, qual o abraço de uma cobra que em terrível e desconcertante vagar aumenta seu aperto, pouco a pouco tirando de sua presa todo o ar e, então — só então — dá o golpe final e acaba de uma vez com a vida da presa.

Hilde resistia ao impulso enlouquecedor de fugir. Seus braços se seguravam para não correr à garganta apertada, seu peito apertado pela pressão esmagadora do vazio batia mais e mais rápido, saindo de controle, fazendo-a suar, forçando seus olhos, tão nervosos, a olhar ao redor a cada instante. Para um lado, para o outro, a procura de algo, de qualquer coisa que não o corredor vazio. Quando uma porta surgia, junto a ela vinha a esperança de ver algo. Esperança logo cortada pela onipresença da escuridão vazia. Quantas foram as frestas a prometerem salvação para apenas se revelarem absolutamente desprovidas de qualquer coisa? Oito, nove, dez, onze, doze, vinte, cem… quantas vezes a mesma coisa se repetindo e se repetindo? Insuportavelmente se repetindo!

Enfim chegaram as escadas. Os degraus desciam, mergulhando gradativamente na escuridão tenebrosa do andar inferior. Hilde segurou Fjola perto de si, ajeitou a espada em suas mãos, e começou a descida. Cada passo soava pesado e a treva sem fim crescia na noite negra e fria.

Hilde quase agradeceu quando, com um silvo súbito, a sombra surgiu.

O ataque foi veloz e preciso. Um único golpe desferido de cima para baixo. Hilde recuou com um salto, agarrando com um braço a criança, pousando no meio da escada, e no próximo segundo avançando em ofensiva. A rapieira furou o escuro, batou em aço, atirou faíscas. Por um instante, o campo de batalha se iluminou e o primeiro lampejo do inimigo surgiu.

Esguio, metálico, uma face de vidro negro e olhos ansiosos por sangue.

E então voltou a treva.

Passos metálicos à distância, um movimento rápido de ar vindo da…
Esquerda!

Outra vez Hilde aparou o golpe de seu adversário. Outra vez quadros breves de sua figura apareceram.

Garras, braços longos, uma postura de predador.

Nada mais se viu.

De guarda levantada, Hilde girou a procura do oponente. Não havia luz quase alguma naquele andar. O pouco que ela conseguia enxergar apenas lhe permitia não esbarrar nos móveis que a cercavam. Do veloz inimigo, nada.

Uma luta às cegas contra um oponente de que nada se sabia.

Não havia tempo para pensar. Outro ataque se seguiu, da esquerda para a direita, na altura do estômago da guarda-costas. Golpe outra vez defendido. Logo veio outro, tão rápido quanto o primeiro. Hilde rolou no chão para se afastar, apenas para ter de se levantar às presas e saltar para não ser atingida por um novo ataque que explodiu o chão às sua frente.

Uma abertura.

Se apoiando em um braço, Hilde saltou por sobre o inimigo, desferindo um golpe vertical rápido, mortal. Mas não rápido o suficiente.

Antes que ela tocasse o chão, um estampido e um lampejo despedaçaram o mundo de trevas. E nesse momento a guarda-costas viu, em todos os seus detalhes inumanos, o inimigo que enfrentava.

Era um Gew.

O projétil disparado pela mão do assassino atingiu de raspão o rosto de Hilde. Ela caiu de pé. O Gew recuou. O primeiro embate chegou ao fim.

— Impressionante — o Gew falou. — Eu nunca tinha encontrado um humano que conseguisse me enfrentar de igual para igual. Honestamente, estou impressionado. Diga-me, humana, qual o seu nome?

— Por que quer saber?

— Alguns de vocês gostam de falar essas coisas antes de duelos. Não que isso seja um duelo, mas achei que valesse a pena saber o nome de alguém forte o bastante para me desafiar.

— Hilde. Hilde Kilst Scohenberd.

— Obrigado. Gostaria de ter um nome para te dar, mas nós não temos nomes. A propósito, onde está o outro?

— Eu não sei.

— Você não precisa mentir.

— Eu não estou mentindo. Eu não sei onde ele está. Tudo que ele disse é que tinha um plano e me mandou sair junto com a garota.

O Gew deu passo atrás.

— Por que me disse isso? — ele perguntou.

— Por que eu já fiz minha parte.

A explosão foi repentina e brutal. O estrondo estremeceu as janelas e balançou o chão. Assustada, Fjola começou a gritar. Hilde pulou para trás, escapando por pouco da chuva de destroços. Em um instante, toneladas de concreto e aço despencaram sobre, soterrando o Gew completamente. O luar agora penetrava pelo buraco no teto, iluminando todo o salão e revelando o cenário de destruição. Karl surgiu logo depois, descendo pela enorme abertura criada pela explosão.

— Seu plano era derrubar o andar na cabeça dele? — Hilde perguntou-o.

— Não, isso foi só para chamar a atenção. Agora pega a garota e fica perto de mim. Não vai demorar até os outros chegarem aqui.

— Outros?

— Você não achou que esse fosse o único, achou? Se fosse tão simples eu já teria resolvido há muito tempo. Agora vai, preciso de vocês duas.

Enquanto Hilde se afastava em direção a Fjola, Karl começou a revirar os destroços. Logo, entre pedaços de concreto e vigas de aço, achou o que procurava. O Gew.

A criatura não se movia. Não havia respiração ou batimentos cardíacos perceptíveis por baixo da armadura. Estaria morto? Não havia como dizer. Mesmo com o corpo todo coberto, era fácil dizer que aquilo não era humano. O material da armadura parecia aço, porém a flexibilidade ia além do que qualquer liga metálica poderia alcançar. Toda a estrutura parecia ser feita para se adaptar ao corpo que a usasse. Não era magia, não havia nenhum campo perceptível ao redor. Não era nada que Karl conhecesse. Porém mais que a armadura, foi o estranho aparelho no braço direito da criatura que chamou a atenção do Mago. Parecia um tipo de pulseira com um visor cristalino. Ao ser tocada, a tela iluminou-se, revelando caracteres estranhos, botões, barras, indicadores. Com cuidado, ele removeu o aparelho do Gew. Logo que o fez, a armadura de aço ruiu, revelando o corpo negro da criatura que a vestia.

Um corpo que não pertencia àquele mundo.

— Karl — Hilde chamou. — Seu plano está pronto?

— Por que está perguntando?

— Porque é melhor estar.

O mago se levantou devagar e se virou para trás. Dois Gewen estavam parados à escada. Enquanto Hilde e Fjola se aproximavam, Karl suspirou e sorriu.

— Bem, senhores — ele falou. — Parece que temos muito do que falar.

Os rostos das criaturas encaravam os destroços onde jazia o corpo inerte do outro Gew. Não havia emoção em seus olhos nem tristeza em seus ombros. Não. Naqueles corpos tudo que se podia ler uma tênue, estranha curiosidade.

— Você o derrotou? — um dos Gewen perguntou.

— Pode-se dizer que sim — Karl respondeu. — Mas foi uma armadilha.

— Você o deixou no estado em que ele está agora?

— Sim.

— Então você o derrotou. Ele era um dos nossos melhores.

— É uma pena.

O Gew voltou-se para Karl e longo o encarou sem falar. Subitamente, deu um passo adiante. Hilde empurrou Fjola para trás e pôs-se em guarda.

— Lute comigo, humano. Alguém capaz de derrotar a ele é alguém que eu quero enfrentar.

— Sinto muito — ele disse. — Mas eu não sou o tipo que gosta de resolver problemas com violência. Não poderíamos negociar uma saída disso tudo? Vocês me dizem quem mandou vocês assassinarem a princesa e então eu deixo vocês irem embora vivos. Que tal? É um acordo justo.

— Você disse que não quer lutar, mas ainda assim diz que pode nos matar. Isso não faz sentido.

— Não é tão complicado de entender. Eu não pretendo usar violência, mas ainda assim posso matar vocês. É bastante simples, na verdade.

— Como?

Karl deu as costas para os Gewen e começou a caminhar ao redor dos destroços.

— Eu não sabia que tipo de inimigo estava enfrentando, então resolvi tentar descobrir quanto vocês aguentam. Parece que algumas toneladas de peso matam vocês. Não é algo surpreendente, porém é sempre bom confirmar. Além disso, isso me deu tempo para descobrir algumas coisas. Como o fato de que vocês são intrusos e que essas armaduras não são realmente muito resistentes. Ligue os fatos e é fácil pensar que vocês não suportam a atmosfera daqui. Eu já tinha ouvido falar em criaturas assim. Mercenários de elite, o tipo que poucas pessoas podem pagar. Gewen. Nunca achei que fosse ver um pessoalmente. Me digam, quem poderia pagar o preço de vocês?

Os Gewen começaram a andar em direção ao grupo. Hilde ameaçou atacar, mas, com um gesto, Karl a mandou baixar a arma.

— Está maluco? — ela gritou.

— Eu já disse que não gosto de violência.

— Eles vão nos matar!

— Não vão. Eles não querem morrer, querem? Afinal de contas, não faria sentido morrer sem cumprir a missão.

A risada gutural de um dos Gew se fez ouvir.

— Não se preocupe — a criatura disse. — Nesse momento mais de nós já estão atrás do alvo. Tudo que eu quero é te enfrentar, humano.

— Já disse que não gosto de violência. Todos aqui somos criaturas racionais que podem resolver problemas com diálogo. Não precisamos dessas coisas. E, além disso, se vocês atacarem qualquer um nesse quarto, vocês morrem.

— E como você pretende fazer isso? Acha que pode nos enfrentar?

— Não. Mas essas são as regras do jogo.

— Jogo?

Karl ergueu uma mão e sorriu. Linhas azuis surgiram em sua palma e rapidamente se estenderam por todo o braço. Um círculo branco surgiu ao redor de seus pés e antes mesmo que os olhos pudessem ver, estendeu-se por todo o andar, devorando o mundo ao seu redor, tornando tudo numa infinidade branca. Do círculo brotaram cinco esferas diante de cada uma dos cinco indivíduos ainda de pé.

— O que é isso? — Fjola perguntou assustada.

— Isso é minha verdadeira magia — Karl respondeu. — Agora, vamos começar esse jogo.


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Notas finais do capítulo

Esse foi um capítulo difícil de produzir. Estava preocupado se ia realmente conseguir passar a sensação correta na cena inicial e se a apresentação da Magia do Karl não ficaria estranha. Para ser honesto, ainda não sei se isso funcionou muito bem. Talvez modifique isso em algum momento, mas por enquanto vou deixar como está.
Esse arco está se estendendo um pouco mais do que eu pretendia. Mas assim que os acontecimentos atuais forem terminados, ele entrará na reta final.
Por agora, acho que não tenho mais nada a dizer (exceto que, em formato A5, a história agora passou da marca de 100 páginas).
Até semana que vem o/