Standing In The Dark escrita por kittennymph


Capítulo 1
Rest In Peace




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Prólogo

Meus pulmões pareciam ser três vezes maiores dentro de meu tórax, minha língua formigava de um jeito anormal e minhas gengivas ardiam como se estivessem em chamas. Eram sete e quarenta e três da noite quando me perguntei por que eu sabia o horário com tanta precisão. Passaram-se cinco minutos até que eu me desse conta de onde estava. Em um caixão.

Estranhamente, minhas mãos não tocaram o mogno do caixão que envolvia meu corpo em sinal de pânico. Fechei meus olhos, cerrando-os com força. Tentei me lembrar de como havia parado ali, mas nada além de sombras me vinha à mente.

Nada estava nítido, mas havia sangue. E não era pouco. No chão, em minhas mãos e nas dele....

Ele.

Por alguma razão não me lembrava de seu rosto ou seu nome, mas sabia que ele havia me dito. Nas únicas memórias completamente nítidas que consegui recuperar, ele me tinha em seus braços e estávamos ambos nus. Não era uma memória incomum.

Eu me lembrava de dormir com muitos homens. Mas tudo aquilo parecia tão distante dessa realidade que era difícil entender o porquê.

Após quase vinte minutos abri meus olhos, cansada da tentativa frustrada da lembrança. Forcei minhas mãos anormalmente brancas a percorrer a superfície da madeira. Empurrei levemente a tampa e ela se moveu. Curiosa, a empurrei com mais força. Era uma sala. Escura, muito escura. Velas iluminavam as paredes, mas por mais escuro que estivesse, eu não tinha problemas em enxergar. Me sentei no caixão. E de repente, as memórias me atingiram como um meteorito.

Eu era uma vampira.

I. Standing In The Dark

Eram dez e dezessete de uma noite agradável e particularmente fresca. Saí de meu carro, me preparando para colocar uma máscara de apreço em meu rosto. Meus cabelos longos e negros pareciam flutuar no vento gelado quando abri a porta do SUV, colocando o pé direito para fora.
O ankle boot de couro preto fez barulho no cascalho barato do chão. Era nojento como não se preocupavam com seu conforto. Mas todo trabalho sujo precisa de alguém que o faça, e era um especial, já que minha garganta parecia estar em chamas.
Andei decidida até a multidão de corpos pulsantes, a maioria com pouquíssima roupa. Casais se beijavam em todos os cantos, alguns se movimentavam vulgarmente com o corpo, esperando por algum tipo de atenção. Normalmente eu acharia a situação incrivelmente nojenta, mas me senti encorajada a terminar essa tortura de vez. Desviei dos corpos suados e quentes, podia quase sentir a pulsação deles. Meus olhos procuraram-no. As costas definidas, os braços musculosos e os cabelos cuidadosamente arrumados. A boca fina e os olhos comportados. Ele era bonito, até mesmo para um humano.

Repousei meu dedo indicador no ombro dele e o cutuquei, ele se virou e parecia extremamente surpreso.

– Achei que você não queria mais me ver. – Falou Robert praticamente gritando em meio á multidão.

– Ora, e quem te disse isso? – O respondi franzido o cenho.

– Shannon.

– Bem... Ela fala demais. – Descruzei os braços. – Que tal nós conversarmos em lugar menos... Humano?

Imediatamente, ele assentiu que sim com a cabeça, e então o guiei até meu carro.

Eu tinha admitir, de alguma forma ele me atraía. Ou do contrário, eu jamais manteria algum tipo de contato com ele. Era extremamente difícil encontrar humanos que tivessem dois fatores que me agradassem: beleza e a doçura de um sangue novo e puro.

Ele segurou minha mão direita enquanto andávamos até o enorme carro preto. Senti o sangue dele pulsar ritmicamente, percorrendo cada vaso sanguíneo de sua mão. Mal conseguia manter algum tipo de auto-controle sobre mim até chegarmos ao carro. Minha força de vontade não foi o suficiente. Apenas centímetros longe do carro, forcei Robert a olhar para mim. Seu olhar transmitia uma espécie de medo quando o encarei antes de aproximar minha boca de seu ouvido e sussurrar, mantendo um tom apaixonado e sedutor:
– Eu quero você.
Minhas mãos tocaram seu braço e foram até seu ombro, segurando-o com força.
– Pois não. – Ele disse, e me tomou em seus braços, beijando-me graciosamente como em uma cena de cinema.
Mas não era aquilo que eu procurava. Forcei uma risada para escapar de seus lábios e abri o carro, me atirando no banco de trás, o esperando entrar.

Se atirando sobre mim, ele beijou meus lábios de uma forma gentil. Gentil até demais. Entrelacei a língua dele junto á minha, arranhando suas costas de leve. Meu corpo se movia quase que involuntariamente contra o dele, pressionando-o, tocando-o e desvendando seus segredos mais íntimos.
Levei minha boca até seu pescoço e o beijei devagar, sentindo seu sangue fluir sob a pele fina e sedosa. Inspirei profundamente.
– Faça. – O tom da voz dele era completamente vulnerável. Ele estava excitado demais para pensar ou racionalizar sua decisão. E isso, para mim, era uma grande vantagem.
Mordi sua pele macia gentilmente para rasgar o tecido muscular e deixar o sangue fluir até minha garganta. O gosto dele era doce e quente, muito quente. Seu coração batia rápido e meu toque captava cada um de seus batimentos. Entre o frenesi do sangue e os sons de nossas respirações alteradas senti seu membro rijo forçando seus jeans contra minha virilha.

Cada gotícula do sangue dele me supria, meu corpo estremecia de prazer a cada toque. Mas de repente, o que me pareceu um golpe vital interrompeu qualquer sensação de prazer que poderia ter naquele momento.
Como se algo dilacerasse meu peito e se alimentasse de toda a felicidade e satisfação de minha alma, uma dor singular me atingiu e meu primeiro reflexo foi agarrar algo a fim de me segurar, me ancorar a uma realidade que parecia distante. Em uma espécie de transe, minha visão estava turva e meu cérebro não fazia conexão alguma. A dor continuava a se espalhar por todo o meu corpo, e um choque de memórias me atingiu. Um rosto, vários deles. Nomes, datas, lugares e pessoas começaram a surgir em minha mente e um ruído agudo e contínuo soava no fundo de meus ouvidos. Um ruído que segundos depois distingui como meu próprio grito.

Encolhido junto ao canto mais afastado de mim, estava Robert. Sua expressão era de pânico, mas mesmo em uma situação como essa ele conseguiu ser um perfeito cavalheiro.
– O que houve, meu amor?
Essa foi a gota d’água. Como um estalar de dedos, perdi todo o controle sobre mim mesma. Avancei para Robert, minha boca em seu pescoço que continuava sangrando como nunca. Não fui capaz de controlar minha força ao mordê-lo e o único aviso disso foi o grito ensurdecedor que ele deu. Mas foi um alívio senti seu sangue descer por minha garganta. Com o passar de alguns minutos, seu grito cessou. Sua voz, na verdade, era algo que eu não mais ouvia. Um pouco de racionalidade brotou na minha mente e me afastei, checando seu pulso.

Nulo. Nenhum batimento.

Respirei profundamente, e fechei os olhos engolindo seco. Aquilo nao poderia ser real. Claro que o desprezava como qualquer ser com sangue nas veias, mas não tiraria sua vida. Não com uma mente sã.

Encarei o corpo desacordado de Robert, os olhos deles estavam semi-abertos me encarando e sua pele estava extremamente pálida. O olhar atônito que o corpo me dava, fazia com que eu me sentisse desprezível, uma monstruosidade. E era exatamente aquilo que eu era, um monstro.

Tateei até o banco da frente e peguei o pequeno aparelho, discando sem nem ao menos olhar para os números. No segundo toque Shannon atendeu e eu só precisei dizer quatro palavras.

– Você precisa vir aqui. – Sibilei e sem esperar por uma resposta desliguei.

Com a respiração alterada, recostei minhas costas no banco de couro. Minhas mãos trêmulas tocaram seu pescoço, o contraste do sangue com a pele branca terrivelmente inevitável, até para mim. Meus cabelos recaiam em sua pele, seu gosto ainda permanecia em minha boca.

Meu coração pareceu vivo novamente. Minhas emoções não seguiam mais um lado racional. Por que diabos a morte desse homem mexera tanto com meu subconsciente? Algo me fez pensar na dor, nas memórias destrancadas no fundo de minha mente. "Não", pensei. "Isso pode esperar".

Não demorou muito até que Shan chegasse, assim que me avistou dentro do carro abriu a porta do banco da frente e o adentrou sem perceber o que estava acontecendo.

– Mas o que... – Ela não terminou a frase e olhou em pânico para o corpo inerte de Robert no banco.

– Eu não sei o que aconteceu. – Espalmei minhas mãos por meu rosto envergonhada, era a primeira vez que uma coisa dessas acontecia na presença de minha progênie.

Progênie... Faziam agora, vários anos que eu a havia transformado. Aquele pensamento trouxe à tona noite na qual o havia feito. Shannon era pequena e parecia indefesa, mas era esperta. Até demais. E mesmo com sua esperteza, ela também fora amedrontada. Apesar dela não fazer ideia de que eu havia massacrado e me alimentado de cada corpo do acampamento isolado em que ela passava suas férias. Ali, eu era como uma salvação. Uma alma boa para salvá-la dos perigos daquele lugar desconhecido e medonho – e que coisa mais irônica. Minhas palavras a confortaram e me aproximei dela, uma jovem cansada, com fome e sem esperanças. Eu me lembrava perfeitamente de cada segundo daquela noite, cada movimento tanto meu quanto dela.

– O que aconteceu? O que é isso? – Com o corpo coberto de terra, ela praticamente gritava enquanto eu a observava sentada em um rochedo.

– Eu te salvei do acampamento.

– Mas porque eu estou coberta de terra? Aliás, porque você está coberta de terra? Você me estuprou? Porque minhas gengivas estão doendo? Onde nós estamos? Eu preciso ligar para os meus pais e – a interrompi.

– Shannon... Este é o seu nome não é? – Respirei calmamente. – Você não vai ligar para ninguém. Tudo e todos que você conhecia, acabou.

– Você é louca, a polícia deve estar atrás de mim, eles vão nos tirar daqui seja lá onde estivermos.

– Não. – Me levantei. – Shannon, você se lembra de quando eu te encontrei? O que havia acontecido com o seu braço? Olhe para ele.

Na noite em que encontrei Shannon, uma gigantesca fratura exposta habitava seu braço. Ela havia perdido uma quantidade razoavelmente grande de sangue e eu não sabia se ia conseguir salvá-la.

– O que você fez? – Ela perguntou encarando o braço, sem sequer um arranhão.

– Te dei uma opção. Você aceitou.

– Eu ainda não sei do que você está falando. – Disse ela me lançando um olhar confuso.

– O que destruiu o acampamento... Bem, não era humano. Eu não sou. E você também não é mais. – Me aproximei dela e me ajoelhei. – A queimação nas suas gengivas, bem isto esta causando ela. – Forcei minhas presas para fora e as expus para ela.

Ela recuou assustada.

– Você não precisa ter medo, você tem duas iguais. Aposto que sua garganta está queimando também.

Sem responder, ela encarou o vazio por cinco intermináveis minutos.

– O que foi? – Finalmente perguntei.

– Então eu sou como o filho da Baronesa Meinster?

– Quem?

– Baronesa Meinster, o filho dela era um vampiro. O filme com o David Peel.

Franzi o cenho sem ter idéia alguma de quem ela falava.

– Você não conhece As Noivas do Vampiro? Meu Deus, quantos anos você tem?

– Sessenta e dois.

– Por que será que eu tenho certeza de que você não foi irônica?

– Por que eu não fui. Eu nasci em 1902. – Dei de ombros. - E em 1925 eu acordei nua em um caixão.

– Então, isto significa que eu tenho força para matar qualquer um que eu quiser?

– Sim.

– E eu não vou precisar terminar o ensino médio?

– Só se você quiser.

– E meus pais?

– Não farão diferença. Estarão mortos em poucos anos.

– Então... sem pais, sem escola, sem regras?

Assenti.

Um enorme sorriso brotou nos lábios vermelhos de Shannon. Me lembrei de como ela se levantou e pulou, totalmente animada e excitada por uma vida sem regras ou responsabilidade...

– Katy? Katy? Nós precisamos dar um jeito nele. – A voz dela me trouxe de volta à realidade, ao corpo sem circulação na traseira do meu carro e ao pânico ao entender o que havia acabado de acontecer.

– Nós... Nós vamos, Shan.

Conversamos sobre o que faríamos, e transportamos o corpo dele até um terreno completamente abandonado. Cavei por alguns minutos e depositamos Robert ali. Com relutância, deixei uma lágrima escarlate rolar por minha bochecha iluminada apenas pelo luar. Meus olhos claros arderam por um momento, enquanto contive o choro que ameaçava vir à tona. Sequei o rosto, decidida. Enquanto Shannon terminava de cobri-lo com a terra vermelha andei até o carro, recusando-me a presenciar aquela cena.


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Notas finais do capítulo

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