Brave New World escrita por S Salvatore


Capítulo 2
Encontrada




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 O desespero toma conta de mim. Não estou com medo, mas não quero que tudo acabe a essa altura. Não depois de tudo que passei e conquistei para reencontrar Allie.
 Começo a me debater, tentando desviar do monstro que me segura para poder, ao menos, tentar fugir. Uma mão áspera tapa minha boca enquanto o outro braço me vira e me prensa á parede de tijolos antigos. Eu continuo me debatendo, mas é em vão, pois os braços que me seguram são muito fortes.

 -Ei, olhe para mim. Você precisa ficar quieta! – Ele diz, com uma voz brava e preocupada.

 E então, pela primeira vez, eu paro para olhá-lo. Ele parece ter mais ou menos a minha idade. A pele levemente morena, provavelmente pelo tempo exposta ao sol, combina perfeitamente com os olhos de um belo castanho claro. Os cabelos lisos, um pouco acima dos ombros, emolduram o rosto másculo e com marcas de cansaço. Uma pequena cicatriz em sua testa intensifica sua expressão aventureira, de quem vive em perigo.

 Mas apesar de todos esses detalhes, o que mais me chama atenção são seus olhos. Sim, os belos olhos castanhos claros. Olhos completamente normais, sem nenhum vestígio de prata.

 Não posso acreditar!

 Ele não é um deles!

Após perceber minha compreensão, e após se certificar de que não vou fugir ou gritar, ele me solta.

 -Mais calma?

 -Você... Você não é um...

 -Nem você. Agora precisamos sair daqui, antes que nos vejam.

 Eu concordo, ainda um pouco tonta com a rapidez dos últimos acontecimentos e deixo que ele me leve pela mão pelos becos. Percebo que a cidade vai ficando deserta à medida que andamos, e se torna raro vermos alguém. Quando já está quase anoitecendo, chegamos a um beco menor que os outros, onde há um caminhão abandonado. Ele me leva até o caminhão e abre a porta do baú, fazendo um gesto para que eu o acompanhe.

 -Entre.

 Eu continuo paralisada no lugar. O que estou fazendo? Afinal, o fato de esse desconhecido não ter me denunciado até agora, e não ter a marca nos olhos, não significa que ele não seja um deles. Não seria a primeira vez que eu me enganaria assim.

 -Acho melhor não.

 Ele revira os olhos.

 -Claro! Olha loira, você tem duas opções. Você pode acreditar em mim e entrar nesse caminhão para que conversemos com calma, ou eu posso te deixar aqui sozinha para você ser pega por eles. É sua escolha.

 Eu odeio admitir, mas ele está certo. Preciso correr esse risco. Eu suspiro e vou até o caminhão. Ele me estende a mão para me ajudar a subir.

 Ele fecha a porta atrás de nós.

 -Pronto, agora podemos conversar em paz e em segurança.

 -Como pode ter tanta certeza?

 -Porque já faço isso há um bom tempo.

 -Porque não me denunciou a eles?

 -Porque também sou um fugitivo.

Hesito por um momento.

 -Você vai me matar agora?

 Ele sorri torto.

 -Você faz muitas perguntas, não é?

 Eu cruzo os braços, aguardando uma resposta.

 -É claro que não vou te matar agora! Porque faria isso?

 -Porque sou uma desconhecida, uma ameaça?

 Ele ri.

 -Você? Uma ameaça? Quem dera que esse fosse meu maior problema... Você é inofensiva.

 -Como sabe. Você nem me conhece. Eu posso ser perigosa!

 -Com certeza, eu vi o quanto é perigosa quando te surpreendi espionando.

 Eu bufo e me sento em um banquinho em meio às muitas caixas que estão ali.

 -Porque me pegou naquele beco? Porque está me ajudando?

 Percebo que é a primeira vez que ele realmente me olha, depois da abordagem, o que dura pouco tempo. Ele logo abaixa a cabeça.

 -Digamos que eu vi um pouco de mim em você. E além do mais, você parecia perdida e indefesa, e resolvi ajudar. Também fiz isso porque me deixou curioso. É tão difícil achar um de nós nos dias de hoje, no meio de tantas almas.

 É a minha vez de rir.

 -Almas? É assim que você os chama?

 -Sim. Como você os chama?

  -ETs, demônios, monstros, ladrões de corpos, assassinos e por aí vai.

 Ele ri novamente.

 Ficamos em silêncio por mais algum tempo. Olho em volta, a luz que ilumina o interior do baú do caminhão vem de uma luminária posicionada no canto posterior, pendurada por um fio que a prendia ao teto. Tudo o que posso ver são caixas, de todos os tamanhos. Algumas possuem palavras escritas na lateral, como “roupas”, “remédios” e “comida”.

 -Então do que se trata tudo isso? Como conseguiu todas essas coisas? – Aponto para as caixas amontoadas.

 Ele me olha sério.

 -Não sei se estou autorizado a te dar essa informação.

 -Então você trabalha para uma organização secreta anti-almas ou algo assim? Um FBI intergaláctico, talvez?

 Ele não ri.

 -Sério, você já sabe mais do que deveria.

 Seu tom sério me surpreende, assim como sua brusca mudança de humor.

 -Me desculpe.

 Aos poucos, vejo sua expressão relaxar.

 -Então, como veio parar aqui? – Ele lança um sorriso amigável. – Qual a sua história?

 -Vai por mim, você não vai querer saber.

***

  A paisagem era com certeza a coisa mais linda que já vi. Do alto daquela roda gigante, podíamos ver o parque inteiro e as grandes montanhas ao fundo, que faziam cenário perfeito com um magnífico por do sol. Tudo o que eu gostaria era de ter uma câmera em mãos para registrar esse momento e nunca esquecê-lo. Desviei o olhar para o assento ao lado e vi que Allie estava tão maravilhada quando eu. Seu sorriso era radiante e a deixava ainda mais linda.

 Ela sempre fora a parte bonita da família. Puxara à nossa mãe, com o cabelo loiro escuro comprido, os olhos verdes o rosto perfeito, e mesmo sendo nova, um corpo de dar inveja. Suas amigas sempre se sentiam enciumadas em relação a ela, e não era para menos, pois além de linda, ela era meiga, inteligente, engraçada, talentosa, educada e sempre se preocupava com os outros. Mas eu nunca tive inveja da minha irmã mais nova, pelo contrário, eu a admirava muito por sua bondade. Ela era um verdadeiro presente para mim e para minha família, a alegria da casa.

 Eu sinto falta dessa alegria. Às vezes mais do que parece possível.

 Minha consciência volta aos poucos e vasculho minha mente, tentando me lembrar de onde estou. Abro os olhos lentamente e me vejo deitada no chão, cercada pelo amontoado de caixas. Há um cobertor sobre meu corpo e minha cabeça descansa em um travesseiro macio. Tento me lembrar da última vez em que tive tanto conforto.

 Me levanto rapidamente para procurar pelo garoto, mas não consigo ver nada, pois a luminária fora apagada.

 -Hey! Alguém aqui?

 Nenhuma resposta.

 Vou tateando pelo interior do caminhão, empurrando caixas e sacolas pelo caminho até onde me lembro de ficar a luminária e a acendo.

 Não há ninguém ali.

 O pânico ameaça tomar conta de mim. Será que esse homem é realmente um deles e me prendeu para tentar obter informação sobre mais fugitivos? Será que eu serei morta, ou pior, me tornarei um deles?

 Volto rapidamente à porta e tento abri-la, mas como imagino, está trancada. Começo a bater desesperadamente na esperança de que esses monstros acabem logo com isso.

 Um movimento na porta e logo ela se abre. O garoto entra rapidamente, fechando a porta atrás de si. Sua expressão é furiosa.

 Ele sacode meus ombros.

 -Você está louca? Quer que nos peguem? Já não acha suficiente que eles estejam por todos os lados? Não precisa chamar mais atenção, já corremos riscos demais!

 Percebo então o quanto fui tola e imprudente... Eu poderia ter nos matado!

 As lágrimas caem pelo meu rosto antes mesmo que eu as perceba.

 -Você... Você não estava aqui... Eu... Eu pensei que você tivesse me prendido. Pensei que fosse um deles...- Falo entre soluços e abaixo a cabeça para que ele não me veja chorando.

 Ouço-o suspirar pesadamente.

 -Me desculpe, não queria gritar. É só que... Eu tento ser cuidadoso o tempo todo e mesmo assim já quase fui pego. Eu não posso falhar, preciso voltar em segurança. Eles estão esperando por mim.

 Apesar da curiosidade, me contenho e não pergunto quem são eles, para evitar a reação da última vez que lhe perguntei algo sobre sua vida.

 -Onde você esteve? – Pergunto, quebrando o silêncio.

 -Fui buscar comida fresca. – Ele estende um saco de papel pra mim. -Isso é para você.

 -Para mim?

 -Sim. Espero que goste.

 Ele se joga nas cobertas onde antes eu estava deitada. Eu me sento ao seu lado, abro o saco de papel e vejo um sanduíche de frango e mostarda.

 -Uau, eles ainda fazem isso?

 Ele dá de ombros.

 -Não tão gostosos e gordurosos como antes, mas não são tão ruins. Ah, já ia me esquecendo. – Ele pega uma sacola e tira um copo plástico de dentro, com um canudo. Eu tomo um pouco e percebo que é refrigerante. Não a boa e velha coca-cola, mas um genérico mal feito. Pelo menos é melhor que nada.

 É inevitável me lembrar dos muitos finais de semana que passei comendo esse tipo de comida. Hambúrgueres gordurosos e refrigerantes, ás vezes até alguma bebida alcoólica com os amigos, com muita conversa e música alta.

 É inevitável sentir saudade da época em que eu era apenas uma garota que sonhava em ter o mundo.

 Volto à realidade com o garoto olhando fixamente para mim, a curiosidade estampada em seus olhos.

 -Em que está pensando? Está com uma cara sonhadora.

 -Eu só estava me lembrando de quando era normal pra mim comer algo desse tipo. Faz tanto tempo... Onde você conseguiu isso sem te pegarem?

 -Eu tenho meus truques.

 Eu dou mais uma mordida no sanduíche e mais um gole no refrigerante.

 -Você nunca vai responder às minhas perguntas, não é?

Ele levanta uma sobrancelha e um leve sorriso brinca em seus lábios.

 -Talvez se você não tivesse tantas perguntas... Mas eu tenho uma proposta. Uma resposta por outra, que tal?

 -Parece justo.

 -Eu começo. Por que está aqui? Porque está sozinha no meio deles? Tem noção de como isso é perigoso?

 -Eu... Eu estou procurando uma pessoa. Minha vez. Pra onde leva todas essas coisas e quem são essas pessoas que estão esperando por você? Elas são como nós?

 -Uau, o combinado era apenas uma pergunta, mas vou te dar um desconto. Eu vim para a cidade pegar alguns suprimentos para o meu grupo. Estávamos precisando de coisas como roupas e comida, além dos remédios eficientes, então me candidatei, por ser um dos mais experientes.  Sim, eles são como nós.

 -Um... Um grupo? – Tenho quase certeza que meu queixo caiu.

 -Sim, um grupo. Quem é essa pessoa que você procura?

 -A minha irmã.

 -Como sabe que ela não se tornou um deles?

 -Eu simplesmente sei. Nos separamos enquanto fugíamos e agora estou só, mas sei que vou encontrá-la.

 Ele fica em silêncio por um momento, processando o que acabei de dizer.

 -Sozinha? Você disse que está sozinha? Nunca pensei que alguém fosse capaz de sobreviver a esse mundo sozinho.

 -Nem eu, até acontecer comigo. Onde seu grupo vive?

 -Eu... Não posso te contar.

 -Então você voltou a não responder as minhas perguntas?

 O silêncio entre nós parece durar uma eternidade até ele responder.

 -Olha, eu nem imagino que estou dizendo isso, mas... Você deveria voltar comigo. Meu grupo é grande, tenho certeza que vão te aceitar.

 -Mas eu preciso continuar procurando pela minha irmã.

 -Isso é muito perigoso. Você nem sabe se ela está bem ou não!

 -Eu tenho que tentar!

 -Você nunca vai conseguir se continuar sozinha. Eu mesmo te vi em ação e você é um alvo fácil para eles. Venha comigo, eu posso te ajudar. Você não terá mais que passar fome ou ficar se escondendo pelos cantos, morrendo de medo.

 A ideia me parece tentadora. Sem medo. Sem pesadelos. Sem passar dias fugindo, sem nada no estômago. Com pessoas como eu.

 Eu suspiro.

 -Eu vou, se você prometer que vai me ajudar a procurar minha irmã.

 -Eu prometo.

 -Então aceito ir com você ao seu grupo.

 Seu sorriso é radiante.

 -Ok. Partimos de madrugada – diz, dando mais uma mordida em seu sanduíche.

 -Posso fazer mais uma pergunta?

 Ele me olha desconfiado, mas concorda.

 -É que eu ainda não sei seu nome. – Digo, tímida.

 Ele sorri.

 -É Caleb.

 -Hanna. – Eu digo retribuindo o sorriso.


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Notas finais do capítulo

Bom, gente. Está aí. Espero que gostem e comentem.
Pra quem ainda não percebeu, eu não serei completamente fiel ao livro, teve algumas coisas que eu mudei, mas basicamente a história é a mesma.
Beijos e até o próximo capítulo!