No dia seguinte, acordei de muito bom humor. A manhã foi maravilhosa, pois fiquei o tempo todo com Hugo, Fleur e mais uma amiga de Hugo, Charlotte, que preferia ser chamada de Charlie (eu e Fleur não vamos muito com a cara dela). Mas infelizmente tudo o que é bom dura pouco. Na hora da saída eu havia combinado de encontrar Hugo no nosso “paraíso”, mas antes passei no laboratório de química para pegar uma apostila que eu havia esquecido ali. Quando eu estava saindo do laboratório com a minha apostila, percebi que o corredor estava deserto. Todos já devem ter ido para casa, pensei. Fui andando em direção à escadaria quando fui surpreendida por uma voz muito familiar:

- Louise! Lembra de mim?

Quando virei, vi o garoto do meu pesadelo. Ele me parecia muito familiar... Não respondi e continuei tentando reconhece-lo.

- Não me diga que apenas três anos sem me ver já te fizeram te esquecer de mim? – ele perguntou

De repente tudo voltou à minha cabeça como um flashback, inclusive o fato de que o incêndio na minha casa não foi o único acidente que sofri.

Flashback - 01/06/2009

Era o primeiro dia de férias e eu estava decidida a mostrar a Jack, meu namorado na época, meu refúgio. Ele era o único que me entendia, que se importava (ou pelo menos eu achava isso). Eu o amava. E foi nesse dia que eu descobri que ele não sentia o mesmo, que ele estava apenas brincando com meus sentimentos.

Resolvemos dar uma volta pela floresta, mas no caminho havia um buraco meio fundo. Eu não o vi, acabei tropeçando em um galho e quase caí no buraco. Minhas mãos estavam segurando a borda do mesmo e eu ficava pedindo ajuda para Jack.

- Jack! Jack me ajuda! Não vou conseguir me segurar aqui por muito tempo!

Em vez de me ajudar, Jack soltou apenas uma risada.

- Jack! – gritei, mas ele continuou rindo – Jack, você me ama ou não? Se me amasse, não ficaria rindo da minha cara e me ajudaria!

- Você não se tocou ainda não é? – ele riu mais – Louise, francamente, eu achava que você fosse mais espertinha. Você acha mesmo que fiquei com você por te amar? O único motivo pelo qual fiquei com você foi por causa de uma aposta. Nunca achei que você se iludiria tanto assim a ponto de achar que eu me apaixonaria por você. Acontece que se você se machucar seriamente ou chegar a morrer, minha aposta com meus amigos acaba. Você acha mesmo que eu vou te ajudar?

De repente, minhas mãos escorregaram e tudo ficou preto. Por causa da pancada, eu perdi toda a minha memória sobre Jack, era como se ele nunca tivesse existido. Um dia, eu simplesmente acordei do coma no hospital jurando que nunca mais ia confiar em ninguém, e que nunca mais me apaixonaria. Nunca mais daria meu coração para um garoto.

Flashback Off

Jack estava de volta.

- O que você está fazendo aqui? – perguntei, cerrando os punhos

- Eu que te pergunto. Estudo aqui desde o seu acidente.

- Me deixe em paz!

- Me obrigue.

Ele já estava muito próximo de mim. Percebi que em três anos ele havia mudado muito. Ele estava bem mais alto, bem mais forte... e bem mais bravo. Simplesmente recuei e virei de costas para continuar andando em direção à saída, mas ele segurou meu braço com muita força e sussurrou:

- Apenas lembre que escapar de mim não será tão fácil assim. Agora que você está de volta, eu serei o seu demônio. A criatura que te atormentará todos os dias. Aquele que te impedirá de ser feliz.

Ele soltou meu braço e foi embora. Eu fiquei ali, sem conseguir me mover, observando cada passo que ele dava. Eu tinha vontade de chorar, mas eu não tinha lágrimas. Eu queria gritar, mas me faltava voz. Eu precisava de alguém... de repente um nome veio na minha cabeça. Eu sabia que não deveria mais confiar em ninguém, mas eu tinha certeza de que aquela pessoa não me deixaria cair em um buraco.

Fleur.

Até me esqueci de meu combinado com Hugo e saí correndo em direção à casa de Fleur. Bati na porta e quem atendeu foi...

- Hugo?!

- Oi, Lou... É que você estava demorando muito para vir e você não atendia o telefone nem respondia minhas mensagens, então achei que você tinha desistido, e resolvi voltar para casa. O que aconteceu?

- Nada, é que eu não conseguia encontrar minha apostila e meu celular estava desligado, desculpa, eu... eu acabei esquecendo, mas...

- Aconteceu alguma coisa sim. Se não tivesse acontecido você não estaria tão nervosa.

- É que... é... eu preciso falar com a Fleur!

- Claro... – ele disse, desconfiado – pode entrar, ela está no quarto dela.

- Obrigada.

Fui entrando e quando passei por Hugo ele segurou meu braço, que nem Jack havia segurado, mas delicadamente.

- Se estiver acontecendo alguma coisa e você quiser me contar, fique a vontade... Olha, eu não sou um terapeuta, mas eu te prometo duas coisas: eu vou ouvir e vou me importar. Lou, quero que você saiba que eu sempre estarei do seu lado. – ele disse e soltou meu braço

Eu estava morrendo de vontade de falar tudo para ele, todos os meus problemas, mas... ele era um garoto. Ele poderia partir meu coração que nem Jack fez. Afinal, Jack disse a mesma coisa para mim a três anos atrás.

Agradeci e fui embora rapidamente.

Saí correndo aos prantos para a minha antiga casa, logo do outro lado da rua. Não me perguntem por que, pois nem eu sei a resposta. Estava tudo em silêncio, então eu ouvia meus próprios passos, o que tornava o lugar um pouco... assustador. Quando cheguei à porta, me lembrei de que não poderia entrar na casa. Não era seguro, nunca foi. Mas entrei do mesmo jeito.

[...]

E lá estava eu mexendo nas coisas antigas de minha mãe no porão que haviam sobrevivido ao incêndio. Até que achei algo que eu nunca esperaria encontrar lá... o diário de minha mãe. “Diários são bobagens.”, dizia ela quando estava viva, “Hoje em dia não se pode confiar nem em pedaços de papel.”

Claro que nunca acreditei nas palavras dela. E pelo jeito nem ela mesma acreditava.

Abri o diário em uma página qualquer e encontrei um texto um pouco... intrigante. E de certa forma assustador.

“Você já parou para pensar que nesse exato momento, o teto do local aonde você está pode desmoronar em cima de você? Já parou para pensar que a qualquer momento você pode ser atacado, tanto por animais quanto por pessoas? Creio que você já se questionou se assombrações ou seres de outros mundos realmente existiam. E se eles existem mesmo? E se, nesse exato momento, seu pior pesadelo está parado bem atrás de você e você ainda não percebeu?”

No momento em que li a última frase do texto, ouvi uma voz que me fez congelar dos pés à cabeça.

- Ora, ora... você por aqui?