Fola

Depois de ficarmos daquele jeito no meio do corredor, com todos que passavam nos olhando, acabei cedendo e fomos passear juntos. Aproveitamos a lua minguante ainda no céu para andar pelos jardins.

A pouca luz e as belas flores traziam um ar meio romântico demais para o meu gosto. Eu não queria um encontro, apenas um passeio normal com meu melhor amigo não gay. Mas ele pareceu não notar isso, ou pelo menos não se importou com o clima imposto pela noite e continuou agindo como o velho Mac.

“Então era isso você fazia todas as noites enquanto esperava para poder me ver?”

“Na verdade não. Para ser sincera, desde pequena que eu não venho aqui. Desde os meus 12 anos, quando comecei o meu treinamento, até agora, com 25, que eu parei de receber aulas, já que foi determinado pelos meus pais que eu não vou mais à guerra.”

“Eu não tinha ideia...” Mac parecia realmente assustado com algo que eu disse.

“Ideia de quê? Que eu pararia meus estudos?” Perguntei meio confusa e também triste por ser impedida de ir às aulas.

“Não... Na verdade isso me parece até um pouco previsível, levando em consideração o radicalismo e o orgulho de sua sociedade patriarcal. O que eu não tinha ideia era a sua idade. Sabe, você realmente tem cara de novinha, mas sua espécie atravessa séculos sustentando o mesmo rostinho angelical... Eu não poderia imaginar...”

“Ah...” Incompreensivelmente, isso me deixou sem graça, o que eu poderia falar a respeito? Mas então fiquei curiosa... “E você, Mac? Quantos anos você realmente tem?” Meu tom era de brincadeira e foi interessante vê-lo ficar sem jeito, assim como eu estava alguns instantes antes.

“Bem... Eu sou um pouco mais velho que você... Mas não muito, menos de um século até. E se fossemos morrer de causas naturais, nós dois provavelmente morreríamos na mesma época, sabe?”

“Isso não me importa, Mac! Fale logo quantos anos você tem!”

“Tudo bem, tudo bem, eu confesso!! Eu tenho setenta e sete anos! Mas, devo acrescentar que minha disposição, aparência e metabolismo seriam de um típico humano de25 anos se estes ainda existissem, e assim será ainda por alguns séculos.”

Eu ri de seu discurso em defesa de sua idade, embora a diferença da dele pra minha não fosse tão grande assim, meu pai era cento e vinte e quatro anos mais velho que minha mãe, e os dois parecem ter a mesma idade. Mas eu não precisava dizer isso para ele, então fiquei apenas rindo e vendo sua pele morena ganhar alguns tons avermelhados de vergonha.

“Ah, Fola, qual é? Não é tanto assim! E qual teria sido a diferença se eu não tivesse dito? Ah, por favor, não ria!”

“Não estou rindo da sua idade, Mac. Estou rindo do seu jeito, ou melhor da sua falta de jeito.”

Então comecei a correr feito uma criança boba, rindo alto e tropeçando nas minha próprias pernas, sem nunca cair, apenas deixando um Mac confuso para trás. Mas logo ele me acompanhou e nos tornamos duas crianças bobas correndo pelos jardins.

Ele tentou várias vezes me parar e me derrubar, mas eu era mais ágil e rápida, ele era apenas mais bruto e forte. Demos uma volta inteira no perímetro do castelo, rindo e brincando. Quando passamos pela porta, tive a impressão de ver minha mãe, e ela estava sorrindo, mas eu estava rápida demais para ter certeza, e não quis parar para confirmar.

Ao invés de dar a segunda volta, virei para o outro lado e fomos para perto do labirinto, mas como faltavam apenas poucas horas para o nascer do sol, fiquei só pelo lado de fora do grande muro verde. Continuei correndo, indo em nenhuma direção específica, mas ouvi um barulho estranho, como se houvesse alguém ali. Senti como se agora todos soubessem de todos os segredos de minha vida.

Esse momento de distração foi o suficiente para Mac finalmente conseguir me derrubar no chão. Rolamos pela grama, ele protegendo minha cabeça de bater no chão. Por fim ele estava em cima de mim. Seria romântico se eu não tivesse a sensação de estar sendo observada. Seria romântico se eu quisesse realmente me permitir um relacionamento com Mac.

Ele estava rindo, mas eu tentava desesperadamente sair dali, não estava mais com humor para brincadeiras.

“Não gosta de perder, menina? Agora é minha vez de dizer as regras do jogo.” Ele disse segurando os meus braços dos lados da minha cabeça.

“Mac, por favor, não.” Acho que o meu tom de voz denunciou o meu medo, afinal isso foi suficiente para ele me soltar e se sentar ao meu lado.

“O que foi? O que houve?”

“Eu não sei... Eu ouvi um barulho... Acho que tem alguém nos observando...”

Ele estava começando a se assustar também, quando uma coruja saiu voando de dentro do labirinto, fazendo meu amigo cair na gargalhada.

“Pronto, aí está quem nos observava! Agora, onde estávamos mesmo? Ah sim, eu estava ganhando!”

Ele estava pronto para me prender de novo, então me levantei rápido, para impedí-lo e comecei a voltar para o castelo.

“É sério, Mac. Eu ainda sinto alguém nos olhando. E além disso, logo o sol vai nascer de novo. Vamos voltar antes de morrer, certo?”

Ele não falou nada, apenas me acompanhou em silêncio pelo caminho de volta para casa.