A Ovelha e o Porco-espinho escrita por Silver Lady


Capítulo 3
Capítulo 2 - Sons, Senzus e Sopa


Notas iniciais do capítulo

Estou procurando ser o mais fiel possível aos personagens e ao Universo DBZ, mas sempre há detalhes que escapam à mais minuciosa das pesquisas e aí não tenho outro jeito senão atirar no escuro. De repente, a gravidade podia ser desligada do lado de fora ou a Bulma adora sopa. Qualquer escorregada, por favor, me avisem.



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—Espero que não se torne um hábito—comentou o Dr. Briefs, depois que Bulma e o teimoso Saiyajin foram devidamente examinados e medicados. Para alívio da bela cientista, seu nariz estava só um pouquinho vermelho, apesar de dolorido. Uma boa compressa faria maravilhas e no dia seguinte ficaria como novo, segundo a novamente alegre sra. Briefs. O Dr. disse que fora um milagre Bulma não ter fraturado nada.

—Teve muita sorte, querida — disse o velho, com uma preocupação que não era comum nele — Mas estou decepcionado com você. Desde pequenininha eu sempre lhe avisei para nunca usar um invento antes de testar.

—Mas papai, como é que o senhor queria que eu fizesse um teste se Vegeta nunca deixou a gente usar a câmara? Eu acho que até que o aparelho funcionou bem, se a máquina estava a 200, que é o que Vegeta sempre usa.

—Na verdade — Vegeta os interrompeu, lá da cama — estava a 400.

Pai e filha voltaram-se para olhá-lo. Ele sorria, divertindo-se com o espanto dela.

—O-o que você disse?

—É surda? Estava a 400. Pelo menos no início. Depois, tive que ajustar aquela porcaria de máquina várias vezes para que não explodisse de novo, e depois ela ainda deu para diminuir sozinha. Se estava a 80 vezes, era muito!

Quatrocentos? Oitenta? Bulma caiu para trás. O dr. Briefs, apesar de admirado,

—Estou muito grato a você, rapaz, por ter salvo minha filha.

—Não quero seu agradecimento. Mantenha-a longe de mim e conserte aquela geringonça logo, pra eu voltar a treinar amanhã.

—Amanhã? Impossível. Vai levar pelos menos duas semanas.

—O quê?!—Vegeta sentou-se bruscamente, fazendo uma careta de dor. Bulma adiantou-se para apoiá-lo, porém se deteve a tempo, lembrando-se que ele a repeliria. Olhou interrogativamente o pai.

—Duas semanas? Vegeta está tão mal assim? — A sra. Briefs indagou por ela.

—Não, não. É o tempo que vai levar pra eu instalar um aparelho de som na câmara de gravidade. Não é fácil calcular o eco pra achar um lugar ideal pra colocar as caixas de s...

Bulma caiu para trás de novo e, se Vegeta já não estivesse deitado, teria caído também.

O urro dele ecoou por todo o prédio:

—PRA QUE EU VOU QUERER UM APARELHO DE SOM?

Um funcionário que passava lá fora levou um susto e deixou cair a pesada caixa que carregava no próprio pé.

—Parece óbvio—disse o dr, com a calma ingênua de sempre—Pra fazer exercícios, nada melhor do que uma música pra marcar o ritmo.

—VOCÊ SE ATREVE A CHAMAR MEU TREINAMENTO DE EXERCÍCIOS, VELHOTE?! — o ki do príncipe começou a subir.

—VEGETA!!!! Não grite com o meu pai!! — Bulma se colocou entre os dois — Ele está apenas querendo ser legal com você...embora você não mereça.

Mas o Saiyajin continuava invocado:

—É incrível! Será que nesta casa só existem imbecis? Vocês vão todos morrer daqui a três anos se eu não aumentar o meu poder e ...

—Ah, como se você realmente se importasse com a gente! — cortou Bulma — Deixe de ser hipócrita: eu sei que você só não nos matou ainda porque precisa do meu pai pra superar o Goku! Você não passa de um parasita, que sem a nossa ajuda não teria nem onde dormir! Deveria agradecer, em vez de insultar a gente o tempo todo.

Fez-se um pesado silêncio no quarto. Para espanto do casal, Vegeta se calou e fitou a mulher de maneira estranha. A sra. Briefs achou que a filha o havia magoado:

—Bulma! Como pode dizer uma coisa dessas? Vegeta acabou de salvar a sua vida!

Mas o príncipe sorriu cinicamente.

—Para mim, vocês não passam de insetos — disse, olhando para Bulma como se não houvesse outras pessoas no quarto — Insetos relativamente úteis, admito. Depois que tiver acabado com Kakaroto e o resto da corja, recompensarei vocês com uma morte rápida e sem dor — seu olhar insinuava que a morte de Bulma não seria tão indolor assim.

—Bom, então está bem — o Dr. Briefs concordou alegremente —Tem certeza de que não quer o aparelho de som?

—NÃO!!!!!—Vegeta e Bulma berraram ao mesmo tempo. Um se virou surpreso para o outro e se olharam feio. Felizmente, a sra. Briefs interveio antes que recomeçassem a brigar:

—Está bem, está bem, acalmem-se vocês dois. Bulma, deixe Vegeta em paz. Ele teve um dia cheio e precisa descansar. Vou fazer uma sopinha pra você, meu lindo jovem.

O "lindo jovem" não disse nada, mas suas sombrancelhas se contraíram. Bulma lembrou-se de uma vez em que haviam comido sopa no jantar e ele detestara. Ela também não gostava muito, pelo menos não as que sua mãe fazia, e ocorreu-lhe que era primeira coisa que tinham em comum:

—Sopa, mãe? Vegeta está machucado, não doente do estômago!

Mas o orgulhoso príncipe estava determinado a não receber mais favores dela:

—O que eu como ou deixo de comer não é da sua conta. Mulher — dirigiu-se à mãe de Bulma, como se esta fosse sua criada — faça-me essa sopa agora.

—Com prazer, querido—a sra. Briefs virou-se para sair, acompanhando o marido, que parecia um pouco chateado. Só Bulma ficou parada ali, branca de fúria.

—Que é? — rosnou o Saiyajin — Os dois inúteis já se foram: que está esperando para se juntar a eles?

Bulma tinha um monte de coisas na ponta da língua para dizer a ele: o que pensava de seus modos, de sua ingratidão, do jeito dele tratar seus pais e umas mil coisinhas mais. Porém, estranhamente, a pergunta dele a acalmou.

—Estou na minha casa; se eu vou ou se fico não é da sua conta — arremedou o jeito dele de falar.

Esperava que Vegeta ficasse furioso, como sempre acontecia quando zombavam dele; mas o príncipe apenas lançou-lhe o mesmo olhar estranho de há pouco, depois deu de ombros:

—Para mim, não faz diferença — lançou um olhar para uma cadeira perto da cama e desviou-o para o teto, tão rápido que Bulma não teria percebido se não estivesse atenta. Ela olhou-o confusa: era impressão sua ou ele a havia convidado a ficar?

—Você é incompreensível — disse, sentando-se.

Ele não respondeu. Ficaram algum tempo em silêncio, Bulma perdida em seus próprios pensamentos e Vegeta pensando frustrado no tempo que estava desperdiçando deitado ali. Desse jeito, nunca iria ultrapassar Kak...

—Kakaroto!! _ gritou bem alto.

—Hã?—Bulma assustou-se e caiu junto com a cadeira. Esfregou o bumbum dolorido,furiosa:

—Credo, Vegeta, pra que gritar desse jei...—mas Vegeta agarrou-a pela roupa, puxando-a pra perto:

—As sementes mágicas do Kakaroto! Consiga com ele aqueles grãos que curam instantaneamente, para eu voltar a treinar! Agora!

Bulma custou um pouquinho a entender do que ele estava falando.

—O-Os feijões Senzu, é isso? — o olhar confuso da moça se endureceu — Sinto muito, mas não posso.

—Como é que é? — Vegeta ficou tão surpreso que a largou.

—Desde que deixei você morar aqui só tive motivos para me arrepender. Você rouba a nossa nave, escraviza meus pais, apavora nossos empregados, come toda a nossa comida e nunca me disse sequer obrigado, mesmo depois que salvei a sua vida duas vezes! E, pior que tudo, nunca me chamou pelo nome uma vez sequer!

—Eu nunca nomeio criaturas insignificantes. Agora, vá buscar os tais senzus... se quer viver mais um pouco.

—Nem em sonho! — Bulma empinou o narizinho e virou-se na direção da porta.

—Volte já aqui! Ou eu mato você...

—Vá em frente. Se me matar, meu pai te põe na rua e você nunca mais vai ver a sua preciosa Câmara de Gravidade. E o Goku virá atrás de você pra vingar a minha morte - eu sou muito amiga dele, você sabe. Você não vai ter a menor chance.

Vegeta estava dividido. Por um lado, queria mesmo matar aquela mulher que o humilhava tanto; por outro, admirava o topete dela. Raríssimas criaturas, mesmo as mais fortes do que ele, conseguiam duelar verbalmente, assim; em geral, apenas o olhavam com ódio ou xingavam-no de maneira patética. Aquela humana tinha mais fibra que todo o resto dos inúteis aliados de Kakaroto. Com uma criatura assim ele teria prazer em lutar; no entanto, ela não tinha nenhum poder de luta. Enquanto que o maior débil mental do universo...

Tsc. As coisas eram muito mal distribuídas.

Bufou, derrotado:

—Que seja! Você me ajudou, eu reconheço! Agora me traga a droga dos senzus... — fez uma pausa —...Bulma.

Não disse obrigado nem por favor. Mas, ao ouvir seu nome pronunciado por ele, Bulma estacou na hora e virou-se para ele, os olhos brilhando de alegria. Vegeta já vira os olhos dela faiscarem muitas vezes de raiva, porém nunca daquele jeito... como se estivessem cheios de minúsculas estrelas, parecendo até mais azuis. Sentiu uma tremedeira esquisita na espinha e, inconscientemente, sentou-se mais para trás na cama. Uma gota de suor deslizou-lhe pela testa.

—Eu gostaria, mas não vai dar — Bulma disse, sinceramente.

O Saiyajin voltou a si:

—Que história é essa? Eu disse o que você queria ouvir!

—É que a sua idéia chegou muito tarde. Logo depois que você quase destruiu a casa, eu liguei para o Goku perguntando por eles. Infelizmente, Mestre Karin - o...sujeito que cultiva os senzus - plantou os últimos grãos que tinha, e vão custar a crescer. Você vai mesmo ter que ficar de molho.

Mais uma vez, Vegeta teria caído pra trás se não estivesse deitado. Seus olhos tremeram de ódio (vocês sabem que quando os personagens de Animê ficam com muita raiva os olhos deles tremem):

—Grrrrrr....Su...sua.... Você me enganou!

—Não enganei coisa nenhuma! Apenas disse que não podia, e é verdade. Sinto muito se você interpretou errado — Bulma deu um largo sorriso inocente. O olhar furioso de Vegeta, entretanto, lhe dizia que talvez tivesse ido longe demais e acrescentou rápido — ...mas, se está com tanta pressa de se matar, posso construir um tanque de regeneração pra você.

—Quê?

—Eu posso construir um tanque de regeneração pra você! Gohan e Kuririn me contaram como você ajudou a curar o Goku. Posso construir um monte de tanques... se você me der algumas informações, é claro. _ os olhos de Bulma brilhavam com avidez — Uau, vai ser o fim dos hospitais!

Vegeta deu uma risada sarcástica.

—Qual é a graça?

—Lamento desapontá-la, mas sei apenas como operar um tanque de regeneração numa emergência. Não conheço os detalhes técnicos, nem a composição exata do nutriente usado na imersão, pois essas coisas não me interessam. Eu sou um guerreiro, não um cientista! — concluiu, como se ignorância fosse motivo de orgulho.

—Igualzinho ao Goku — Bulma observou, decepcionada — Vocês Saiyajins não têm um pingo de curiosidade científica. Não sei como saíram da Idade da Pedra.

Vegeta fingiu não ouvir.

—Mesmo que você conseguisse construir um tanque seria perda de tempo, pois até que terminasse, eu já teria me recuperado sozinho. A capacidade de recuperação de um Saiyajin é muito rápida, e, sendo o melhor da minha raça, a minha capacidade é ainda maior.

—E o tamanho do seu ego também. Quanto tempo acha que vai levar pra ficar inteiramente curado?

Ele pensou um pouco.

—Um dia, no máximo dois, mas não importa — respondeu com indiferença — Amanhã vou ter que compensar todo o tempo que estou perdendo deitado aqui.

Bulma sacudiu a cabeça, exasperada.

—Eu não acredito no que estou ouvindo! Você está MESMO tentando se matar! — um pensamento horrível ocorreu-lhe.

Fitou o príncipe, muito pálida:

—É...é pra isso que quer os senzus, não é? Está se machucando de propósito pra depois se recuperar e ficar mais forte? É loucura! Vai acabar morrendo mesmo e Shen-Long não vai poder te trazer de volta. Ele não ressuscita a mesma pessoa várias vezes, como Porunga. E, mesmo se os Namekuseijin tiverem esferas novas lá no novo planeta deles, não acredito que concord...

—Pare com essa ladainha! — Vegeta cortou-a com um berro.

Bulma calou-se, surpreendentemente.

—Não estou tentando me matar, e se você supôs uma coisa dessas é mais idiota do que pensei. Nós Saiyajins realmente nos tornamos mais fortes cada vez que nos recuperamos da morte; mesmo assim, eu poderia morrer e ressuscitar mil vezes... e nunca me tornar Super Saiyajin.

Ninguém sabia disso melhor do que ele. Em Namek, havia forçado o carequinha(Kuririn) a feri-lo, afim de que o moleque Namek(Dendê) o curasse. Achara que isso seria suficiente para derrotar Freeza. Não fora. Chamara Bulma de idiota, mas na verdade idiota havia sido ele. E, pensando bem, mesmo que tivesse se tornado imortal e Freeza o ferisse até um ponto que fizesse seu ki ficar maior que o daquele verme, de que adiantaria se não tivesse como se curar? Ainda que Freeza não pudesse matá-lo, poderia tê-lo mutilado, arrancando seus braços e a pernas e conservando-o em seu palácio como objeto de tortura eterna. Ah, sim, ele faria isso, com certeza. Vegeta sentiu um frio por dentro, só em pensar do que escapara. Frio... e uma amarga confirmação de que tudo o que tramara, aqueles anos todos, havia sido inútil. Ele nunca tivera a menor chance de concretizar seu sonho.

Rangeu os dentes, com ódio.

—Tanto trabalho para me tornar imortal, só pra descobrir que, mesmo se tivesse conseguido, teria sido inútil contra aquele desgraçado do Freeza. Maldito!

—Era pra isso que queria tanto a imortalidade? — Bulma indagou. Conhecia toda a história, é claro, mas estava curiosa para ouvi-la do ponto de vista de Vegeta.

O príncipe lançou-lhe um olhar irritado pela obviedade da pergunta, porém respondeu:

—Sim. Eu tencionava ir me tornando cada vez mais forte. Chegaria um ponto em que meu poder ultrapassaria o de Freeza...

—E, em vez disso, foi Goku que superou vocês dois. Entendo.

—NÃO ENTENDE NADA! — Vegeta explodiu - e não apenas figurativamente. A onda de energia que ele despendeu não chegou a destruir nada, mas Bulma foi jogada pra trás. Mesmo incapaz de sentir ki, podia perceber uma aura branca em volta de Vegeta, enquanto ele vociferava:

—Sabe o que é ter nascido para governar e em vez disso passar metade de sua vida recebendo ordens? Ter de depender do responsável pela destruição do seu reino até para comer e se vestir? Sabe o que é planejar uma vingança durante anos e terminar implorando para que outro se vingue em seu lugar, por que você foi fraco e incapaz de ir até o fim? Não, não sabe! Ninguém sabe! — cerrou os dentes e os punhos. Uma veia inchou em sua testa. Não costumava se abrir dessa maneira nem sabia porque estava fazendo isso agora, se humilhando na frente daquela metida a sabe-tudo. Mas não aguentava mais.

—A única coisa que me manteve de pé durante todos esses anos foi o meu orgulho! Eu era o Supremo Príncipe da Força! O número 1 dos Saiyajins, e perdi meu lugar para um reles soldado de terceira classe! E o que restou para mim? — lançou um olhar cheio de desprezo em torno — Me enterrar neste planeta atrasado, cercado de imbecis e recebendo sua maldita caridade jogada na cara a todo instante! Por que fui ressuscitar? Apenas para sofrer essa vergonha?

—Preferia ter ficado no Inferno? — Bulma indagou, ofendida.

Vegeta não respondeu imediatamente. Ofegava, fitando a parede à sua frente, como se pensasse.

—Claro que não — disse afinal, numa voz baixa e rouca — Depois que voltei, percebi que tinha uma segunda chance de recuperar o que era meu por direito. Kakaroto tirou tudo o que era importante para mim... mas me deu outra coisa em que me apoiar... o ódio.

Deu uma risadinha amarga:

—Não é irônico? Aquele que destruiu minha vida acabou se tornando minha nova razão de viver.

Fez uma pausa, como se pensasse, depois continou:

—Não espero que você ou o resto daqueles inúteis entenda. Também não me importo com o que me aconteça, desde que não me impeçam de derrotar o maldito... — cerrou o punho — Posso até voltar ao Inferno, mas não sem levar Kakaroto comigo!

Calou-se, como se aquele desabafo lhe houvesse custado um grande esforço. O suor corria-lhe pelo rosto escurecido pelas sombras. Bulma fitava-o, impressionada. Parecia que ele estava... chorando?

Não estava. Seus olhos estavam secos, porém havia tristeza neles. O coração de Bulma apertou-se. Desde que Vegeta viera morar com ela, quase nunca o vira demonstrar outras emoções além de raiva. No máximo, um pouco de surpresa ou embaraço, quando ela e a mãe lhe aprontavam alguma. A maior parte do tempo, porém, ele permanecia frio e inexpressivo, como se estivesse morto por dentro. Muitas vezes a jovem duvidara de que ele fosse realmente capaz de sentir.

Até agora.

Correu os olhos pelo quarto de Vegeta. Nada ali era realmente dele: era um quarto de hóspedes da Corporação Cápsula. As roupas que vestia haviam lhe sido todas dadas por ela e pela sra. Briefs, pois quando chegara na Terra ele não tinha nada, a não ser um uniforme esburacado. Mesmo o uniforme não era inteiramente seu: era um traje destinado à guarda de Freeza, uma coisa padrão sem um pingo de personalidade, praticamente uma roupa de escravo. Durante quantos anos teria vestido aquilo, em vez de se trajar como um príncipe?

"Sabe o que é ter de depender do responsável pela destruição do seu reino até para comer e se vestir? Não, não sabe! Ninguém sabe!"

Mas estava enganado. Ela sabia, sim. Bom, não na plena acepção da palavra, mas sabia como era humilhante depender da boa vontade dos outros para ter o que comer e vestir, ou até onde dormir. Como aquela vez na sua viagem com Goku e Oolong, quando só tinham um trailer que o porquinho roubara e ela ainda tivera que dormir nua, enrolada num lençol, porque suas roupas estavam imundas e não tinha mais nada para vestir. Só depois o tarado do Oolong lhe arrumara uma roupa - uma fantasia de coelhinha da Playboy, ainda por cima(aliás, não pusera Vegeta numa situação parecida?).

Porém, uma coisa era perder a sua bagagem mas ter em algum lugar do mundo uma casa confortável e uma família carinhosa esperando por ela. Outra era ter sido inteiramente despojado de tudo. Sem um lar, sem ninguém que o quisesse, nenhum propósito real, apenas ódio e desejo de vingança.

E ela, que tantas vezes achara sua própria vida vazia... Vegeta tinha razão, ela não sabia nada. Tentou imaginar o que faria se perdesse sua família, casa, amigos, trabalho, e não conseguiu.

"Eu ficaria louca."

Logo que pensou isso, começou a entender.

Vegeta já estava à beirando da insanidade: a obssessão em superar Goku era a única coisa que o afastava da borda do abismo. Um objetivo. Alguma coisa em que se agarrar. Embora afirmasse que seu orgulho era a única coisa que o mantivera vivo através de seus anos com Freeza, na verdade o que o mantivera fora sua ânsia em se vingar de seu algoz. Ao derrotar Freeza, Goku sem querer tomara o lugar deste na mente distorcida do vingativo príncipe. Um inimigo por outro. Balançou a cabeça, entristecida pela sorte de seu melhor amigo.

Mas, e se Vegeta conseguisse superar Goku, que faria ele depois quando não tivesse ninguém mais para superar? Pior, e se, por acaso, Goku morresse como o rapaz do futuro dissera, o que aconteceria? Imaginou Vegeta enlouquecido, matando e destruindo tudo o que via em volta apenas por destruir, sem objetivo. A Corporação Cápsula em chamas, os corpos de seus pais, amigos e dela mesma, espalhados em pedaços pelo chão. Um arrepio percorreu a espinha de Bulma. Subitamente, sentia-se como se tivesse hospedado uma bomba-relógio.

—Digamos que você consiga — falou, procurando manter-se calma.

—Hã?—Vegeta ergueu os olhos, surpreso. Havia se esquecido da presença dela.

—Você vira Super Saiyajin, liqüida os andróides, depois Goku e os outros - e a mim também, a julgar por esses olhos feios - e talvez destrua a Terra. O que vai fazer depois?

A pergunta apanhou Vegeta de surpresa. Nunca havia pensado nisso antes _ na verdade, evitava pensar. Ele ficou quieto, considerando sua pergunta. Então, voltou a assumir aquele ar arrogante:

—Eu não tenho que lhe responder.

—Ah—Bulma sorriu, assentindo com a cabeça — Você não sabe.

Vegeta rangeu os dentes de raiva, porque era verdade.

Bulma prosseguiu animadamente:

—Pense um pouco. Pra começar, você nem deveria estar aqui; ressuscitou por pura sorte, porque ninguém em sã consciência o traria de volta.

Vegeta só ergueu uma sobrancelha, como quem diz "não diga".

—O que quero dizer — Bulma prosseguiu, meio irritada _ é que talvez você não tenha sido ressuscitado apenas por acaso. Dizem que há no universo forças maiores que as de Kami-Sama, ou do Senhor Kaioh. Talvez essa força, ou esse Deus, seja lá quem fôr, tenha planos para você. Você mesmo diz que recebeu uma segunda chance; por que não a aproveita melhor, em vez de ... AAAIII!!! — uma torquez de ferro agarrou seu braço e puxou-a violentamente para frente, fazendo com que seus narizes quase encostassem:

—Se o que diz é verdade e alguma força ou deus quis me dar uma nova chance, ou ele é louco ou sabia o que eu ia fazer. De qualquer jeito, isso é algo que diz respeito somente a mim.

—Me solte! Está quebrando meu braço! — a dor era tanta que Bulma quase ajoelhou.

Ele afrouxou um pouco o aperto:

—Por que insiste em se meter na minha vida?

—E-eu... eu... — Bulma ficou vermelha — Porque você é meu hóspede, claro! Enquanto morar aqui tenho a obrigação de me preocupar com seu bem-estar!

Ele olhou-a em silêncio. Então, num movimento inesperado, puxou-a para si, tão rápido que quando Bulma se deu conta estava deitada sobre a cama com Vegeta por cima dela, prendendo-a sob seu corpo.

—O... que está fazendo? ! Solte-me! — debateu-se e esperneou — Olha que eu grito!!

—Grite. Aqueles velhos vão adorar ver o seu querido "hóspede" atacando sua filhinha mimada! Talvez até me expulsem de sua casa — Bulma se calou e ele sorriu, irônico — Ora, não é o que você queria? Assim vai ficar livre do "parasita!"

Ela não respondeu.

—Ué? Não vai falar?

Bulma apenas lhe lançou um olhar furioso. Mais que isso não podia fazer, pois se falasse agora, tinha certeza de que não conseguiria controlar o que sairia de sua boca. Vegeta estava seminu, parcialmente coberto por ataduras que não eram suficientes para evitar que seu cheiro e calor a invadissem, causando-lhe sensações muito mais fortes do que quando apenas o apoiara. Sentiu-se como se estivesse nua, o sangue subindo-lhe ao rosto de calor e vergonha; então notou que Vegeta também estava ficando vermelho. Ele se apoiou nos cotovelos e ergueu um pouco o corpo, o suficiente para diminuir o contato mas não para deixá-la escapar. Aquilo a sossegou.

Estava inteiramente vulnerável em suas mãos: ele poderia fazer o que quisesse com ela e nem sua mãe ou qualquer outra pessoa que aparecesse no quarto poderia impedi-lo. Mas não faria nada. Ela quase sorriu, achando graça ao perceber que estava confiando na criatura que menos merecia confiança no universo.

Vegeta pareceu perceber a mudança nela, pois prosseguiu num tom bastante irritado:

—Você me chamou de "parasita", mas se estou perturbando sua família a culpa é toda sua. Mesmo sabendo como eu sou, me convidou para ficar na sua casa, junto com o Circo Namek. Ninguém a obrigou. Assim como ninguém mandou você salvar a minha vida.

—Eu teria feito a mesma coisa por Goku ou Yamcha!

—Não minta! — berrou na cara dela — Tenho observado você e sei que não é como seus estúpidos pais nem como os outros amigos de Kakaroto. É vaidosa, mal-educada e egocêntrica, quase tanto quanto... — "quanto eu", ia dizer, mas se deteve a tempo — ... quanto um Saiyajin. Por que uma pessoa assim arriscaria sua "preciosa" vida por causa de alguém como eu? Responda!

Ele estava tenso, Bulma podia sentir isso em seus músculos apesar de não estar mais encostado nela. O coração batia furiosamente contra o peito, os músculos retesados e os dentes tão cerrados que pareciam a ponto de quebrar. Somente os olhos permaneciam inexpressivos, porém as sobrancelhas tremiam levemente, denunciando sua ansiedade. Subitamente, desejou que sentir de novo aquele peito encostado contra o seu, de tocar aqueles músculos tensos e aquele rosto de pedra, acariciá-los até que relaxassem, fazê-lo entender que não havia porquê ficar assim...

Como se sentisse o que ela estava pensando, o olhar dele se suavizou um pouco. Inclinou o rosto em sua direção, quase roçando no seu.

—Responda-me, Bulma — sussurrou, a voz ainda áspera, mas era quase um pedido, agora.

Bulma... estava falando com ela. Ele dissera que não chamava criaturas insignificantes pelo nome; teria subido tão rápido assim no conceito dele?

Por que ele precisava tanto saber, se as opiniões dela lhe eram indiferentes? Ele vivia repetindo isso. Ou...

Uma ideia maluca atravessou sua mente como um raio.

Será que... seria possível?

Frases de Vegeta ecoaram em sua mente num caótico flashback:

" Não se meta nisso se não quiser morrer! Você quer morrer daqui a três anos? "...quase tanto quanto um Saiyajin... ...tenho observado você... ...tenho observado você... tenho observado você..."

Será que ele... se interessava por ela?

Entreabriu os lábios, porém alguma coisa dentro de si ainda resistia.

"Ele está brincando com você,"sussurrou uma vozinha em sua mente "está te usando do mesmo jeito que usou os outros. Lembre-se de quem Vegeta é: um assassino frio e sem coração." Embora a voz fosse sua, teve a impressão de ver Yamcha falando.

"Mas ele tem coração, sim."retrucou mentalmente, pensando na explosão de há pouco. O sofrimento dele fora real demais para ser fingido e, se ele era capaz de sofrer então tinha sentimentos, mesmo que fossem egoístas.

"E você acha que um egoísta como Vegeta possa gostar de alguém que não seja ele mesmo?"

A imagem de Vegeta rindo, cheio de escárnio e desprezo pelos seus patéticos sentimentos apareceu diante de seus olhos. O sangue de Bulma ferveu de raiva. Como pudera pensar por um segundo que...?

Não. Não ia se humilhar assim. Mesmo não sendo Saiyajin, também tinha seu orgulho.

—Está sonhando, mulher? Eu não vou ficar aqui o dia todo — a voz do Saiyajin a acordou.

A visão de Vegeta rindo dela foi substituída pelo rosto real, carrancudo e impaciente. De um jeito ou de outro, pareceu a Bulma igualmente odioso. Apertou os lábios.

O príncipe percebeu a súbita mudança no olhar dela e ficou um pouco confuso, porém não demonstrou.

—Quer saber por que me importo tanto com você, não é? — ela indagou friamente.

Ele não respondeu, mas seus olhos diziam que sim.

—Por que ninguém mais se importa, nem mesmo você. Acho triste viver assim, sem ter ninguém que ligue pro que lhe acontecer, só isso.

Vegeta retraiu-se, como se tivesse levado uma bofetada. Embora sua expressão não se alterasse, Bulma teve uma sensação estranha, como se alguma coisa houvesse se fechado dentro dele.

—É claro. Piedade. Eu deveria saber — saiu de cima dela e a empurrou. Bulma caiu sentada no chão - pela terceira vez naquele dia, pensou, alisando o popô maltratado.

—Estava enganado: você é igual aos outros, cheia dessa nauseante bondade dos terráqueos — a voz dele estava cheia de desprezo — Saia daqui e nunca mais me dirija a palavra. E diga a seu pai que quero a câmara pronta para amanhã_e SEM aparelho de som ou qualquer outra porcaria que ele queira colocar!

—De jeito nenhum! — Bulma levantou-se e ficou de pé na frente da cama, de mãos nos quadris — Na qualidade de anfitriã, eu o proíbo de usar aquela nave até que fique bom! Está me ouvindo! Eu o proíb...— uma luz passou-lhe pelo canto do olho e ela ouviu um barulho atrás de si.

Virou-se e arregalou os olhos, incrédula: na parece do quarto, a pouco centímetros dela, havia um buraco fumegante, pouco menor que uma bola de frescobol.

—Ficou maluco? — virou-se para ele com os olhos faiscando de raiva — Poderia ter me acertado! — mal disse isso, arregalou os olhos.

Vegeta sorria sadicamente, uma segunda bola de ki em sua mão.

—A próxima é para você.

Bulma saiu como um foguete pela porta do quarto. Vegeta deixou-se cair de costas na cama e olhou para o teto. Subitamente, sua força parecia ter-se esvaído completamente de seu corpo.

—Idiota... — murmurou, sem saber se era para Bulma ou para si mesmo.

Enquanto isso, Bulma disparava pelo corredor, sem sequer olhar por onde ia. Ouviu um grito e viu a mãe bem na sua frente, trazendo a prometida sopa numa bandeja. Tentou frear, mas era tarde demais:

—AAAAAAIIIIIIIIIII!!!!!!! — gritaram as duas.

Se fosse um filme, certamente teria acontecido em câmara lenta. Um segundo antes do choque, a sra. Briefs ainda ergueu os braços para salvar a tigela de sopa; porém, quando Bulma a atingiu, tigela e bandeja pularam de suas mãos. A tigela girou um duplo twist carpado no ar, derramando toda a sopa em cima das duas(graças a Kami não estava muito quente) antes de se espatifar no chão. As duas gritaram de novo.

—Minha nossa! — a sra. Briefs levou as mãos à cabeça, ficando brava pelo menos uma vez na vida — Bulma Briefs! O que deu em vo...?! — virou-se para a filha. Ao ver que esta tremia, a preocupação instantaneamente tomou o lugar da raiva — Que foi, querida? Você está branca! Aconteceu alguma coisa com Vegeta?

—M-mais ou menos — Bulma conseguiu dizer, ainda trêmula. Seu braço doía onde ele a agarrara e com certeza já estava ficando roxo. Sorte dela que seu vestido era de mangas compridas, ou teria de dar à mãe uma porção de explicações indesejáveis.

—Oh céus. Eu não lhe disse para deixar Vegeta em paz? Ele é um rapaz muito sensível e você o magoou. Não devia ter dito a ele aquelas coisas horríveis.

—O quê?! — os olhos de Bulma se escancararam — EU magoei Vegeta?! Escute aqui... — olhou a sopa nos cabelos e na roupa da mãe, no chão, nas paredes, no seu vestido preferido, e parte da sua raiva se desfez em cansaço. Tudo o que queria agora era sair dali e chorar sozinha em algum canto.

—Desculpe, mamãe. Não queria causar essa bagunça. Mas não precisa se preocupar com Vegeta, acredite. Ele está bem - bem demais, para o meu gosto — acrescentou, rancorosa — E não precisa lhe trazer mais sopa. Ele me disse que não estava com fome!

Um berro vindo do quarto do paciente desmentiu-a na hora:

—MULHER! Mulher loira da Terra! Onde está a minha comida?

A Sra. Briefs olhou na direção do quarto, meio surpresa, depois sorriu para a filha:

—Parece que a fome dele voltou. Não é ótimo? Vou pegar outro prato.

Bulma cerrou os dentes de raiva. Não bastava tudo o que aquele canalha lhe fazia, ainda por cima botava seus pais contra ela!

Então seus olhos brilharam. Tivera uma ideia.

—Espere, mamãe — deteve-a com um sorriso encantador — pode deixar que eu pego pra você. Vou trazer um pano e uma vassoura, também — e saiu pelo corredor, esfregando as mãos maquiavelicamente.

A sra. Briefs ficou olhando a filha se afastar e balançou a cabeça.

—Essa menina... Não admite, mas está apaixonada de novo — disse sorrindo, enquanto catava os cacos.


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