21-Agosto-2014 - quinta-feira

17:34

É estranho voltar a escrever um diário depois de todo esse tempo. Mesmo assim, aqui estou eu com 17 anos fazendo isso. Me sinto um pouco ridícula.

Ah, naturalmente que devo me apresentar, como fiz em todos os diários que já comecei – que por sinal não duraram mais que um mês.

Meu nome é, acredite se quiser, Cassandra Flenyng. Não é um nome muito comum aqui no Brasil. Na verdade, tenho a maldição de ter esse nome que dita minha personalidade aos outros antes que sequer me conheçam. Por isso não gosto que me chamem de Cassandra, parece gente metida e rica. É Cassie.

Tenho 1,69m de altura, cabelos negros, lisos e curtos (não naturais, óbvio), olhos castanhos e sou relativamente magra.

Parece estranho se descrever a um caderno, mas é meu estilo padrão. Acho que, quando alguém ler isso anos após minha morte, quero que a pessoa saiba como eu fui. Que pensamentos tenebrosos para uma garota no 2º ano, não acha?

Sim, 2º ano. Eu repeti ok? Não por ser burra, mas por simplesmente não fazer nada. Não fiz tarefas, não fiz provas, e recuperação para mim era uma piada. Ir à escola era puramente uma tortura desnecessária, nada além disso. É, agora eu levo um pouco mais a sério. Não significa que odeie menos.

Bom, acho que o padrão agora é contar como foi meu dia, não acha? Bem, como disse antes, agora eu comecei a estudar. Não é muito, uma hora por dia, mas garante minha média 5,5. As saídas com meus amigos foram absolutamente proibidas até eu garantir o ano, o que quer dizer que eu fujo de casa com frequência. Estava hoje justamente no meu quarto combinando isso Bruno – meu namorado – pelo telefone quando fui surpreendida por meu pai. O olhar dele foi de indiferença. Ele sabe que eu fujo de casa. Ele só quer minhas notas, e me quer fora do caminho do mini-prodígio que é meu irmão, porém isso é desabafo para outra hora.

Ele jogou um embrulho na minha cama, e sem mais palavra alguma fechou a porta. Naturalmente fui olhar o que era. Era um pacote de correio de uma promoção que eu havia ganho. Lembro que na época eu fiquei tão animada, mas ultimamente a vida tem sido apenas... Insossa. E poucas coisas me animam. Especialmente quando tem a ver com algo que deixei de gostar.

No embrulho estava um combo de quatro cadernos de capa dura ilustrada com as capas dos livros de uma série da moda. Brega, eu sei, mas eu gostava.

Eis que folheando as páginas tive essa vontade de escrever um diário. Não faço um desde os 13 anos, e muitas experiências foram perdidas nesse meio tempo (Perda da virgindade, primeiro porre, primeiro cigarro) que eu sequer lembro mais como foram. E é isso, meu grande motivo para começar um diário no caderno cuja capa tem duas mãos segurando uma maçã. É o cúmulo da breguisse. Espero que ninguém nunca descubra isso.

Hunpf, hora do jantar. Minha mãe sabe que eu não tenho fome, mas ela diz que é o horário da interação familiar. Não que eu queira ter nada a ver com essa família, por mim todos podiam desaparecer.

Enfim, já volto.

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19:52

Acho que o verdadeiro motivo de escrever este diário é para conseguir desabafar. Desabafar a raiva que eu tenho do meu pai, que quer que eu seja uma maldita freira, estudiosa e bem comportada. Coitado, não me conhece.

A raiva da minha mãe, que nunca está em casa, e quando está sequer me dirige um olhar, apenas contando para Carlos como foi seu dia emocionante de policial, combatendo os criminosos da cidade, como se isso fizesse a menor diferença.

E, especialmente, raiva de Carlos. Carlos que com seus 12 anos conseguiu pular uma série. Carlos que toca qualquer instrumento como se tivesse anos de prática. Carlos com os malditos olhos azuis da família que só a mim foram renegados. A maldita criança perfeita se quer saber. Pelo menos na frente dos outros.

Meus 18 anos estão chegando. É só nisso que eu penso. Maioridade e independência para fazer o que eu quiser. Mais um ano, e nunca mais terei que ver todos aqueles olhos azuis.

Mais um ano e será só eu por mim mesma.

Bem, vou parando por aqui. Já passam das 20:00 e eu nem comecei a estudar para minha prova de amanhã. Física. Deseje-me sorte!