Originalmente Eu escrita por Arika Kohaku


Capítulo 1
Capítulo Único




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Esta história é a minha história. Não tem nada de especial. Não é nada mais que outras, é só mais uma entre muitas. Não serve para nada, nem para ser lida mas eu resolvi escrevê-la. Não é obra literária, é apenas um conjunto de palavras que conjugam frases e formam textos.

Esta história tem ligações temporais a Abril de 2005, embora só comece verdadeiramente mais tarde.

Na altura era uma menina de 14 anos, mas vamos fazer uma pequena sinopse daquilo que se passou antes desse mês de 2005. Anos antes os meus pais separam-se de uma maneira que me foi extremamente dolorosa para mim. Lembro-me de poucas coisas, porque foram momentos tão difíceis que, para me proteger, a minha memória colocou essas coisas num canto profunda da minha mente. Mas lembro-me que a minha mãe era dona de um colégio para crianças portadoras de deficiência. A minha família era rica. Fazíamos muitas viagens, mas o meu pai não era fiel. Ele metia-se muito na bebida e traia muitas vezes a minha mãe com outras mulheres. Até que um dia engravidou outra e a minha mãe, depois de ter desculpado infinitas traições acabou por pôr um fim ao casamento. A história da bebida agravou-se. Eu, a minha mãe, e a minha irmã saímos de casa e durante uns tempos, talvez um ano e meio não vi o meu pai. 

Nessa altura ganhei um hábito de fugir à escola. Passei meses à deriva pela cidade. Não faltaria muito tempo até a escola contactar a minha mãe e depressa eu voltei à escola, mas o mal estava feito. Fui retida um ano. Entrei então para um nova turma, conheci novos amigos, mas acima de tudo, conheci o meu primeiro amor. Chamá-lo-ei de T.R. Eramos amigos e colegas de carteira. Passávamos horas na brincadeira. Ele chamava-me de Lixeira e ele a mim de lixo. Enfim, foi uma boa parte da minha vida.

Parte que acabou quando mudei para uma nova escola. Nunca cheguei a dizer ao T.R. que gostava dele e passei o verão arrependida por isso, chorava desgostosa pelos cantos, embora sempre escondida das pessoas. Tenho um aspeto horrível na minha personalidade, tudo o que sinto escondo, principalmente atrás das minhas palhaçadas, sentido positivo e um sorriso.

No entanto, como se o destino me quisesse dar uma oportunidade, na nova escola voltei a rever o T.R. Só que, as minhas reações estavam fora de controlo. Ele tentou brincar com ele e eu tornei-me meia agressiva, embora tudo o que eu quisesse era esconder o quanto ficava embaraçada ao pé dele. Eu não gosto muito de perder o controlo sobre mim mesma e as minhas ações. Mas este comportamento fez com que ele se afastasse de mim e eu acabasse numa dor sem fim. Fui idiota? Tive comportamentos excessivos e não soube lidar com a paixão? Com certeza.

Agora tudo passado, vejo que estava em completa puberdade, tudo era novo e eu não sabia como lidar com as situações. Em casa as coisas não estavam bem. A minha mãe deixara o colégio falir. O dinheiro depressa acabou. A minha família viu-se de repente na pobreza e foi o meu pai e a minha irmã, que deixou a escola para ir trabalhar, que me salvaram. Claro a mim e à minha irmã. Nessa altura tornei-me extremamente chegada à minha irmã, mais velha que eu cinco anos. Eu era o seu apoio e ela o meu. Quanto à minha mãe… eu culpei-a por tudo e nem vi o que ela sofria. A minha mãe entrou em depressão, passou a ser dependente de comprimidos, passava grande parte do tempo a dormir. Hoje costumo dizer que quem cuidou de mim desde os 11 anos de idade foi a minha irmã. E foi mesmo. Ela é para mim a minha heroína, o meu exemplo. Eu amo-a com toda a força do meu coração. Por ela era capaz de morrer e nem pensava duas vezes, nem uma quanto mais duas.

Foi nesta confusão que até eu entrei em depressão sem me aperceber. Durante a atividade do dia, entre amigos, eu sorria e sentia-me forte, no entanto, sabia que não estava como era antes. Havia algo que me retraia e não me deixava soltar. Tornei-me tímida e desconfiada das pessoas. Acabei sendo muito agressiva, afinal a vida não me corria bem. Nada bem.

Vejamos. Não havia dinheiro, já não podia comprar as coisas que comprava antes. A minha mãe a quem era muito ligada, de repente deixou de me ligar, e eu senti-me desamparada, tendo apenas a minha irmã, uma vez que o meu pai era ausente. O amor da minha vida, ou assim pensava na altura, não me ligava nenhuma tinha-se afastado de mim, em parte por minha culpa. Os meus colegas afastavam-se de mim por ser desconfiada e aparentemente estava bastante agressiva. Então acabei mesmo no grupo dos excluídos. Mas sabem, não podia ter ido parar ao melhor grupo. Lá encontrei bons amigos, alguns dos quais ainda hoje mantenho contacto.

Foi nesta onda que comecei a escrever. A forma que arranjei para manter a minha mente mais sã possível. Acabei a escrever uma triologia, que ainda hoje está por terminar. Escrevi diários, que hoje em dia folheio quando me quero rir das coisas que fazia. Enfim, cresci e desenvolvi-me. Só que nestes anos houve sempre uma coisa que, por vergonha nunca, contei, nem nunca mencionei em nenhum dos meus diários, porque desconfiava que a minha mãe os andava a ler.

Vamos ao ano de 2004 e ao de 2005. Para passar tempo, do muito tempo que passava sozinha, fui para a net. Num daqueles computadores antigos, em que os ecrãs pareciam televisões analógicas dos anos 50. Descobri no Youtube um desenho animado (nessa altura era assim que eu tratava os animes, que ignorância!) que via na infância. E pronto, lá estava eu a ver a Bunny Tsukino e a sua voz esganiçada. Sim, é esse anime, a Sailor Moon. Ao mesmo tempo acompanhava a Lady Oscar e a Sakura Card Captor na televisão. Seja como for, eu fiquei viciada em tudo aquilo. Vi Cavaleiros do Zodíaco, Full Metal, Detective Conan… oh! Eu sei lá, vi muita coisa. Passava noites acordada a ver, e não ia à escola na manhã seguinte. Até que, cortando um pouco a história pelo meio, chegou Abril e eu vi… eu vi LOVELESS. 

Loveless é um anime shounen-ai, mas eu não sabia. Eu vi porque achei piada aos desenhos. Rapazinhos com cauda e orelhas de gato. Adorável. Ah a minha inocência estava prestes a sumir da minha vida… para sempre! E eu não me importei. Não me importei nada, mas ainda demorei a assimilar o que estava a ver. Fiquei instantes colada ao ecrã repetindo:

- São dois rapazes! Fazem destas coisas entre dois rapazes… ohhhh…

Deixem-me esclarecer. Eu nunca tive preconceitos, a minha família sempre foi muito liberal. Tirando a minha mãe que é um pouco conservadora. O meu pai é ator e encenador, cresci entre coisas estranhas, se é que me entendem. No mundo artístico veem-se muitas coisas. Cresci entre palcos, câmaras e, claro, bebedeiras.

O que eu queria dizer com “fazem destas coisas entre dois rapazes” era: “fazem desenhos animados entre sobre o amor de dois rapazes! Uau magnífico, não sabia de nada disto.”

E pronto, bye-bye, inocência. Depois de Loveless pesquisei sobre o género. Aprendi a distinguir Anime e Cartoon. A distinguir entre Shounen e Shounen-ai. Aprendi o que era Yaoi. Vi todo o anime que podia haver na altura sobre o assunto, desde Kyou Kara Maou a Gravitation, passando por Gakuen Heaven, e muitos mais. Apaixonei-me ainda mais por Sakura Card Captor, pois percebi finalmente a “cena” que se passava entre Yukito e Toya. Enfim, muitas coisas se passaram nesse meio-termo.

Mas claro, esbarrei rapidamente com as fanfictions. Comecei por fics de Cavaleiros do Zodíaco, nem sei o que dizer o que senti ao ler o primeiro lemon (talvez, calor, exitação, aiaiai os meus ovários?) também me envolvi em leituras de Senhor dos Anéis. Amo de coração Aragorn e Legolas. Em Outubro de 2005 encontrei Harry Potter e Draco Malfoy, que eu já conhecia e de que era fã, mas os meus olhos abriram-se para outro mundo. Bem-vinda a mundo arco-íris do bruxo mais famoso do mundo. Foi com Harry Potter que comecei a gostar de gravidez masculina pois a inicio eu pensava: “Que estupidez, homens grávidos? Isso é roubar o papel das mulheres!” Eu pensava isto com muita indignação. Hoje em dia não me importaria de ver um homem grávido (como as pessoas mudam, não é verdade?)

Enfim, este mundo tornou-se no meu escape da realidade, mas também o meu maior segredo. Tinha medo, um medo terrível de ser descoberta. Ninguém sabia, ninguém poderia saber. Afinal o que pensariam se soubessem? Achar-me-iam louca. Iam criticar-me mais do que aquilo que já faziam.  Não! Este é um país super tradicional, demasiado critico e de mente fechada, eu não posso ser descoberta. E então fiquei com um mundo só meu. Ficou tudo, as fics, o Yaoi, as minhas fantasias, no maior segredo escondido de sempre. E era para ter sido para todo o sempre, mas…

Lembro-me de no verão de 2006 ter ido para a cidade dos meus avós, onde ia fazer o meu primeiro trabalho. Iria para as vindimas, a apanha da uva. Aprendi o valor do dinheiro e do trabalho, foi muito bom para uma criatura de 15 anos, como eu na altura. Só que o grande problema estava: na terra dos meus avós não havia net! AH, as minhas fics! Querem saber o que fiz? Selecionei muitas fics, imprimi, gastei papel e tinteiros e levei tudo escondido na minha mala, para poder ler mais tarde.

Durante esse tempo, acho que acabei por me tornar duas pessoas. A rapariga que estava na net e se divertia lendo sobre rapazes que se enamoravam (entre muitas outras coisas), e a rapariga da escola que se ria com os amigos e era diferente de todos eles. Aquela rapariga estranha, que se vestia de maneira estranha, e que aparentemente era agressiva, e que adorava preto e caveiras! Ah, sim, eu fui Emo!

Vou ter de analisar o que se passava comigo um pouco à distância, ou seja, a partir do presente, onde estou agora. Eu estava com 15 anos, sentia-me horrível, achava que para além da minha irmã e amigos, mais ninguém gostava de mim. Basicamente não gostava de mim mesma. Mas vejamos eu acabei por me estragar ainda mais. Comecei a comer mais do que a conta pedia. O resultado foi ficando cada vez pior. E apesar das palavras sábias da minha tia e avó que diziam que eu devia de me controlar, eu achava que estava tudo bem, afinal já não havia quem gostasse de mim, para que me ia eu importar comigo mesma? Além de que a comida dava-me a sensação de que não eu estava vazia. Que era o que eu mais detestava sentir. O completo vazio. Meu primeiro poema foi exatamente sobre o vazio. Arrepiante? Talvez… Pois talvez não saibam, mas solidão é uma coisa muito mais suportável que o vazio. O vazio é simplesmente como se não existisses. Na solidão apesar de te sentires sozinho, sabes que existes. E para não te sentires sozinho só tens de fazer algo para teres amigos.  

Vamos aos factos. Sou uma pessoa baixinha, tenho apenas 1,58 cm e em peso normal e ideal para a minha altura fico com 51 kg ou 52 kg e visto o número 36 de calças, nos meus 15 anos o exagero foi tanto que passei a ter 70 kg e vesti o número 40, e até uma vez 42, de calças. Eu importava-me com isto? Não, até que fiz por brincadeira um teste de peso e altura numa daquelas máquinas automáticas de farmácia. Quando eu li “pré-obesidade” no talão o choque foi total. Pessoal, eu sou uma criatura de mente científica e de factos. Eu adoro documentários, desde históricos, mecânicos, até aos de medicina, e sim! eu já tinha visto e lido muita coisa sobre obesidade. Eu sabia muito bem o que era e no que me podia vir a tornar. Várias imagens começaram-se a formar sobre a minha pessoa. Corri para casa, despi-me e fiquei a observar-me. Pela primeira vez em dois anos vi quem era. E à minha mente questionei: “o que aconteceu à Arika Kohaku? O que acontecera à pessoa forte, positiva e confiante que eu em tempos fui?”

Olhei novamente o talão da máquina da farmácia. Dizia lá que o meu peso deveria estar entre os 50 e os 55 kg. Eu estava com 15 kg a mais. Não podia ser. Revoltei-me, mas desta vez, revoltei-me comigo mesma. Eu tinha de mudar. Olhei para a minha vida. Onde estava eu? Estava enfiada num poço profundo, fechada em mim mesma, encolhida num lugar escuro. Eu não me lembrava de ser assim. A minha vida estava uma confusão porque eu deixara de ser dona de mim mesma. É quase como o nosso quarto, se não o arrumamos e organizamos, qualquer dia queremos encontrar algo que nos faz falta e não sabemos onde está. Portanto, estava na altura de eu voltar a ser quem era. Estava na altura de arrumar a confusão no quarto.

Bom, então eu era uma gorda estranha e ainda por cima Emo, louca por yaoi e Tokio Hotel. Tudo bem, tinha que assumir isso. Os meus colegas achavam-me uma idiota, chamavam-me de “manta morta”, e gostava muito de perguntar: “morreu alguém?”. As piadinhas iam por ai e eu nunca lhes respondia, eu achava que o desprezo era o melhor que lhes tinha a dar. Mas com a raiva que senti com o talão da farmácia foi como se tivesse andado de olhos fechados até que alguém me tivesse dado uma chapada e eu tivesse acordado. Eu não era uma idiota qualquer em que eles podiam gozar! Eu era Arika Kohaku, confiante e impulsiva, dominadora das minhas ações. Ah, o velho espirito estava de volta. As coisas iam mudar…

Mudei o meu estilo de roupa? Claro que não. Eu era assim. Quem gostava, gostava, quem não gostasse que se fodesse. Mas mudei a minha atitude. Deixei de consentir com as piadas idiotas e comecei a responder a todos, terrivelmente e com um sorriso na cara. O que aconteceu? As pessoas começaram a reparar mais em mim. Começaram a ver que eu não era a idiota que pensavam que eu era e o respeito cresceu e eu ganhei. Por vezes não temos que mudar por fora e sim por dentro. Melhorei também a minha agressividade e tornei-me mais acessível. Impôs-me e mostrei a todos que eu tinha limites. Enfim… estava a arrumar o meu quarto desarrumado.

Isto é uma versão muito soft e sem pormenores daquilo que passei até 2006, o ano em que conheci Hikaru, o ano em que começa verdadeiramente a história que vos quero contar. Hikaru era um belo rapaz, os seus cabelos escorregadios e lisos estavam pretos, mas eu sabia que eles eram castanhos, mas autênticos eram os seus olhos azuis. As meninas suspiravam por ele, mas ele só se dava comigo. Porquê? Primeiro eramos os dois Emos, e eramos os únicos da escola. Apesar de existirem góticos na escola, não nos dávamos com eles, supostamente os Emos a versão rasca de toda a cultura “dark”. Onde andam a cabeça destas pessoas? Não sei. Eu só gostava do estilo, preto, caveiras, correntes e coisas estranhas e coloridas, e claro, boa música! Se fiz coisas estranhas? Fiz, mórbidas e idiotas, como brincar com a ponta do compasso ou dormir com uma faca debaixo da almofada, mas só me fiquei por ai. Se era louca? Ainda hoje sou, mas definam-me o que é o normal.

Falando mais sobre Hikaru. Ele tornou-se rapidamente o meu melhor amigo. Partilhávamos gostos em comum. Passava horas ao telefone a falar com ele. Divertíamo-nos imenso. Íamos para a noite beber cerveja e shots até cair, onde, claro, não faltava a ervinha, um belo charro para ficarmos mais “zens”. Não eramos só dois os dois, eramos um grupo jeitoso. Na realidade juntava-se o meu grupo com o grupo de amigos da minha irmã. Foi um em cheio. Voltei a ganhar o meu peso habitual, ou seja, emagreci (à pala de muita fominha, o que aviso que não é saudável). Fiz um novo penteado. O meu cabelo é naturalmente encaracolado. Eu então resolvi alisá-lo e pintar o cabelo da minha cor favorita – laranja. Mas apenas uma madeixas. Os meus amigos deram-me então a alcunha de Miss Orange. Ultrapassei rapidamente a barreira dos 16 anos.

Fui juntamente com Hikaru para um trabalho. O nosso primeiro trabalho legal (uma vez que eu já tinha estado nas vindimas, mas sem contracto). Fomos trabalhar numa pizzaria. Onde tivemos largos meses.

Será que me apaixonei por Hikaru? Não. Nunca. Ele era tão importante para mim que eu não me arriscava a apaixonar-me. Ele era lindo, o meu tipo de rapaz perfeito, mas… era o meu melhor amigo, o meu irmão. Tinha um amor cheio de carinho por ele, mas não ia passar dai. Apesar de não existir nenhum sentimento romântico entre nós, foi com ele que me tornei mulher. Não foi a primeira vez dos filmes, mas foi tão especial quanto isso. A nossa amizade ficou marcada com uma confiança para lá da normal. Eu sabia que podia contar com ele. E ele sabia que podia contar comigo para tudo. Mas… não… nunca conhecemos verdadeiramente uma pessoa. E apesar de Hikaru ser a pessoa em que eu mais confiava neste mundo, eu não estava disposta a contar-lhe que era um Otome pervertida. E ele não estava disposto a contar-me o que era verdadeiramente era…

Os anos foram passando por nós. Amigos nossos desapareceram, outros ficaram, e eu sei hoje que ficarão para sempre. E nós crescemos juntos. Fomos mudando de trabalhos. Eu estive uns tempos sem estudar, apenas a trabalhar, numa bonita pastelaria em 2009, onde aprendi muita coisa deliciosa. Este foi também um ano importante. No início desse ano voltei-me a apaixonar, depois de pensar que acabaria como uma tia velha, sem filhos e muitos gatos. Eheheheh apesar de não me importar com a parte dos gatos. Eu sou uma ativista pró natureza, terei sempre animais perto de mim. Não vou falar muito desta paixão e também o meu verdadeiro primeiro amor. Foi com este rapaz que aprendi a distinguir entre a paixão e o amor. Apaixonei-me pelo T.R. Mas amei pela primeira vez este rapaz, que acabei por magoar. Mas com ele também percebi que preciso de um espirito forte ao meu lado, alguém em quem confie e me sinta segura. Em Maio de 2010 tudo terminaria e Hikaru estaria mesmo ao meu lado a apoiar-me apesar dos meus erros.

Em Novembro de 2009 comprei o meu primeiro computador. Um netbook minúsculo que se tornaria no meu companheiro de devaneios. Eu que até então tinha sido uma leitora de fics, tornar-me-ia numa ficwriter. Ah, como fui eu me esquecer de falar da minha nova obsessão de vida? Naruto. Eu tornei-me ficwriter por causa de Naruto e Sasuke. Eles complementam-se, no meu ponto de vista, e eu identifiquei-me com ambas as personagens, pois tenho um pouco das duas dentro de mim. Voltei também nessa altura também à escola. Foi um ano que lembrarei com carinho.

Na minha família à uma pequena superstição, que até tem a sua verdade. Diz-se que os anos pares dão azar. E 2010 foi verdadeiramente um ano de azar, pelo menos no início. Maio ficou marcado pelo trémito do namoro entre mim e o tal rapaz, do qual prefiro nem referir o nome. Uma noite, depois de ter bebido duas caipiroscas telefonei a Hikaru, a chorar. Pedi que viesse ter comigo. Mal chegou abracei-me a ele.

- Eu fui tão estupida! – Chorei arrependida. A esta altura tinha 19 anos, já não era a Emo que fora outros tempos, apesar de ainda adorar caveiras e certas formas e roupas estranhas. Assim como Hikaru, tínhamos ficados mais perto das pessoas normais ditadas pela sociedade. Ele abraçou-me afagou-me os cabelos com muita paciência. Quando me acalmei disse-me o que eu precisava de ouvir. – Eu vi-o. Ele já tem outra pessoa.

- Tu magoaste-o muito. Estiveste duas semanas sem lhe dizer nada, a fugir dele. Ele procurou-te e não te encontrou, tens de compreender, que ele precisava de dar um passo em frente. – Credo! Ele era tão maturo, eu comparada a ele era uma menina de cinco anos. Voltei a chorar. E ele voltou a abraçar-me. Com ele estava segura. Aquela noite acabou divertida. Acabamos os dois em minha casa com mais três amigos a jogar cartas, a comer e a fazer palhaçadas. Quando o amor romântico nos abandona, nós temos o amor da amizade.

Mas uma semana depois o meu mundo ruiu. Lembro-me bem de mais da tarde de 23 de Maio. Tudo estava bem no dia anterior. Eu tinha falado com ele sobre um filme no cinema que queria ir ver, entre outras trivialidades diárias, como as discussões com a minha mãe. E depois dia 23 de Maio. Estava a trabalhar quando me telefonaram e eu não pode atender. Na minha pausa vi a chamada de um número de telefone fixo e retribui a chamada. Era da esquadra. Pensei em várias coisas, mas nunca pensei que um policia me telefonaria por causa de Hikaru, o seu nome nem sequer me aparecera na memória. Ele só disse que precisa de falar comigo por causa de um assunto delicado e pediu que depois do trabalho de dirigisse à esquadra dele.

Depois do trabalho, que acabei por sair mais cedo, por estar impaciente. Como é que um policia tinha o meu número de telemóvel? Depressa teria a minha resposta. Cruzei-me com a mãe de Hikaru, uma senhora que já conhecia há muitos anos, ela estava a sair quando eu entrei, não me cumprimentou, achei rude da parte dela e parecia enraivecida, mas dei-lhe as costas e entrei na esquadra, onde me mandaram aguardar pelo agente não sei quantos que me viria atender. Senti-me nervosa, era a primeira vez que via tantos homens em fardas juntos. A minha mente Fujoshi pensou em muitas coisas nos minutos em que estive à espera. E então o agente chamou, finalmente já estava farta de estar à espera.

- É a senhora Arika Kohaku?

- Sou sim. – Respondi, apertando-lhe a mão que ele me estendia para me cumprimentar. Levou-me até um gabinete, mas não era daqueles de interrogatório. Era apenas uma sala, parecia um escritório. – O que me trás aqui? Alguma multa nas finanças? – Brinquei, mas estava nervosa, percebi que o polícia tinha algo grave nos papéis em que mexia.

- Menina Arika quando foi a ultima vez que falou com Hikaru Kimamura?

- Ontem ao fim da tarde. Isto tem a ver com Hikaru? Ele está preso? Meteu-se em confusão?

- Do que falaram? Ele estava alterado? – Percebi que o policia estava a evitar responder às minhas perguntas.

- Falamos sobre irmos ao cinema com os nossos amigos e de outras coisas. Mas algo perfeitamente normal.

- Ele não estava estranho.

- Não. O que é que se passou ao Hikaru?

Em resposta ele estendeu-me um papel. Uma fotocópia de qualquer coisa.

- Hikaru foi encontrado esta madrugada dentro do seu carro, encostado estacionado na berma da estrada. Foi chamada uma ambulância, mas infelizmente já não pode ser salvo. Ele ingeriu uma caixa inteira de estupefacientes. Perto dele estava esta nota.

Peguei na folha que o agente me dava. Não reagi. A informação ainda não estava formada no meu cérebro. E li:

“Hoje fartei-me de esconder quem sou. A minha vida até agora tem sido apenas uma farsa gigante. Tentei muito ser uma pessoa normal. Viver como todos. Mas este mundo é só merda. Eu tentei e não encontrei nada aqui neste mundo que me faça ser feliz. Ninguém gosta de mim, sou uma desilusão para todos. Para os meus pais e para os meus amigos. Por isso para mim só existe um fim, a morte.

Mãe eu amo-te. Nunca te quis desiludir, nunca quis ser uma coisa nojenta. Espero que o meu irmão te traga um caminho mais doce que o meu, e que a minha morte leve a vergonha que eu te trouxe com a minha “ doença”.

Pai perdoa-me, sempre tivemos as nossas guerras e discussões e apesar de seres tão distante e sentir que nunca te conheci, acredita eu sempre te adorei e te respeitei. Por favor, torna-te mais próximo de Akihito, ele é ainda tão novo, precisa realmente de uma pessoa forte ao seu lado.

Akihito, sempre foste o irmãozinho que eu sempre amei, apesar de achar irritante quando me queres roubar as minhas coisas. Desculpa não estar aqui para terminarmos o Mortal Kombat, promete-me que chegas ao fim, ok? Vou guardar para sempre comigo todos os momentos felizes que vivemos.  

Arika minha pequena, desde que te conheci tu tens sido uma luz na minha vida. Tu não te dás conta o quanto a tua maneira de ser e a força do teu sorriso mexe com o coração das pessoas. Eu sei que és forte, tão mais forte do que eu, e que vais ultrapassar a dor que eu te vou fazer passar. Desculpa-me. Nunca percas o teu sorriso.

Kenta, eu amo-te. Amo-te como nunca amei ninguém. Tentei fazer o que disseste. Assumir o que sou e não ligar ao que outros dizem. Mas não deu certo. Eu sou só uma sombra neste mundo. Foste o melhor namorado que alguma vez eu poderia ter. Amo-te não te esqueças disso. E o que eu vou fazer não tem nada a ver contigo. É tudo culpa minha. Por favor, encontra alguém que te ame como eu, ou mais.

Aos meus amigos, desculpem. Menti-vos uma vida inteira, mas agora chegou a altura de vos dizer: sou gay. Sempre tive medo de vos dizer isto, porque sei bem como vocês pensam. Desculpem as desilusões que vos vou fazer passar. Talvez nalgum canto do vosso coração posso relembrar-me com carinho. Desculpem.

Por favor, perdoem-me. Eu nunca quis ser como sou. Assim como também nunca quis viver neste mundo cruel. Perdoem-me. Desculpem. E não chorem. Amo-vos a todos.  

Hikaru.”

Sinceramente não me lembro muito bem de como tudo se passou depois. Eu acho que gargalhei em frente do polícia. Ri bastante, até me doer a barriga. E rangi os dentes e sai da esquadra furiosa sem dar tempo ao agente de fazer mais perguntas. Corri para casa, fui de táxi. Cheguei a casa. Estava vazia. A minha família devia ter ido ao café. Fechei-me no quarto e desmoronei. Chorei, gritei, solucei. Não sei. Acabei apagada em cima da cama e nem sequer fui ao funeral no dia seguinte.

Desapareci por dias. O meu Hikaru já não estava mais comigo.

oOo

Agora estamos em 2012, eu tenho 21 anos e já passaram mais de dois anos sobre o suicídio do meu melhor amigo. O que penso agora? De certa forma tenho raiva dele. Por que é que ele não me contou que era gay? Ele achava mesmo que eu era homofóbica? Fui isso que eu lhe transmiti? Teria sido tão diferente se ele se tivesse aberto comigo. Por outro lado eu sinto-me culpada. Se eu mesma lhe tivesse dito o meu segredo, ele saberia que não sou homofóbica. Saberia que sou a fujoshi mais pervertida de todas. Talvez eu pudesse ter estado lá nos momentos de sofrimento dele. Porque é que eu não vi o quanto ele sofria? Porquê?

Soube mais tarde por amigos que ele tinha tido uma discussão com a mãe. Ele tinha-lhe dito que era gay e ela reagira pessimamente, metera-o fora de casa. Conversei com todos os amigos nossos e só dele e nenhum deles se importou minimamente que ele fosse gay. Mas todos estavam desiludidos sim. Não porque ele era gay, mas porque ele tinha acabado com a sua vida, sem lhes ter dado um chance. Hikaru partiu do início que os amigos eram homofóbicos, mas nunca realmente lhes perguntou se eram. É verdade que eles gozavam com gays e com coisas gays, mas não tinham realmente nada contra eles. Era apenas um tema de piadas.  

Culpo a mãe dele por tudo? Culpo! Nunca mais a vi e espero sinceramente nunca mais a ver, pois se a vejo sou capaz de a matar.

Muitas coisas mudaram desde lá. Conheci Kenta, o namorado de Hikaru. Nem imagino os horrores pelo que ele passou. Só o conheci uns meses depois, quase em 2011, mas ainda lhe vi as lágrimas nos olhos. Rimos os dois quando eu lhe contei que era um fujoshi (e claro quando lhe expliquei o que isso era, pois ele não sabia). A vida era uma ironia. Hikaru não me contara que era gay, a mim uma fujoshi. E eu não lhe contara que era uma fujoshi, a ele que era gay. Tudo por causa das reações inesperadas e os medos. Desde a sua morte que não escondo mais nada de ninguém. Toda a minha família e amigos sabem que sou vicida em animes e adoro Yaoi, dei a definição disso a todos e eles aceitam.

Mudei de escola entretanto, estou a um ano de entrar na faculdade, e encontrei nesta escola alguns Otakus. Entre os quais conheci Yosuke. A princípio achei que ele era gay… ah minha mente de fujoshi não desaparece nunca. Agora Arika é apenas uma pessoa. Eu achava que ele era gay porque ele tem uma maneira super excêntrica de se vestir. A começar pelo cabelo que ele pintou de branco.

Ele fascina-me. Tem uma banda de punk e canta bem. Uma vez fui ver a sua banda ao vivo num concurso de bandas amadoras. Passei grande parte do tempo com ele, e ele comigo, mas depois bebi de mais e apaguei-me. Ele levou-me a vomitar e depois levou-me a casa. AH coisa mais romântica de se fazer? Querem saber a resposta, ah sim… existem coisas mais românticas.

Como por exemplo? Bem eu nunca fui a uma feira de animes, mas tinha o desejo de ir e de fazer cosplay. Oh god, eu estava louca para experimentar. E então Yosuke que também queria experimentar perguntou:

- E vais vestida de que personagem?

- De Sasuke! – Respondeu. – Eu até já tenho o fato. E tu vais de quê?

- Então eu vou de Naruto. Pode ser?

Se podia ser? Em resposta saltei-lhe para cima e beijei-o. E descobri que ele era tudo menos gay. Mas gosto de saber que ele gosta de bancar de Yaoi por mim. Para uma Otome isto é do mais romântico que há. Para uma fujoshi, é o derreter do seu coração.

Fim


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Notas finais do capítulo

Oie pessoal. Esta historia foge a tudo o que sempre vos apresentei como escrita aqui, não é verdade? Bom eu fiz-a principalmente para pôr muita gente a pensar e dedico-a ao meu "Hikaru", que estejas muito mais feliz onde estás e não te preocupes nunca perderei o meu sorriso.
-
Beijos abraços e muitos palhaços



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