Reflexões escrita por matthewillians


Capítulo 1
Capítulo único




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Os dedos finos trespassavam continuamente os fios louros, ondulados e muito claros. Eles primeiramente pousavam no coro cabeludo, onde se entrelaçavam e sumiam por entre as ondas, e então seguiam lenta e cuidadosamente até as pontas – jamais as enosando. A pessoa que recebia as cuidadosas carícias jazia deitada com a cabeça no colo da outra que, por sua vez, escorava-se no tronco de uma grande árvore, muito provavelmente milenar. Aquele sentado gostava de dizer que o cafuné era involuntário, como uma mania, mas sempre que o outro se arrepiava com o carinho, ele sorria. A verdade é que não fazia aquilo em mais ninguém – com exceção de América, talvez – e que, secretamente, admirava as madeixas sempre macias.

Fazia uma noite estrelada, iluminada por uma enorme lua cheia, a qual era parcialmente encoberta pela copa das árvores que rodeavam aqueles dois homens. Eles eram soldados e, dado pelo modo como estavam posicionados, ninguém jamais diria que provenientes de regimentos inimigos. Estavam em guerra, estiveram durante a maior parte de suas vidas, por centenas e centenas de anos e, no entanto, em algum momento eles sempre acabavam assim, abraçados em alguma floresta.

No silêncio e solidão da mata, eles não eram nações. Ali, escondidos pela natureza, eles podiam fingir ser humanos. Que não haviam visto e derramado mais sangue do que a sanidade os permitia lembrar com clareza, que representavam um povo, que se odiavam. Ali, eles não eram França e Inglaterra, mas Francis e Arthur.

Foi Arthur, e não o incrível Império Britânico, por exemplo, que finalmente desviou as duas gemas esmeraldinas que eram os seus olhos do céu incrustado de pontinhos brilhantes para fitar o homem que tinha a cabeça apoiada nas suas pernas e o observava – duas safiras pregadas na figura inglesa, que haviam recusado a desviar-se até então. O francês olhou para o lado e, com um suspiro, fechou os olhos momentaneamente, antes de voltar um olhar de esguelha, quase desconfiado, para o outro, que tinha uma de suas enormes sobrancelhas erguidas (e, na opinião de Francis, única coisa realmente máscula naquele rosto).

– No que está pensando, frog? – indagou Arthur em um tom meio ácido, mas sem nunca parar o cafuné. – Seriam novas estratégias? Sabe que não vai adiantar. No final, suas colônias aqui acabarão sendo minhas.

– E quais poderiam ser as correntes da dependência entre homens que nada possuem? Se me expulsam de uma árvore, sou livre para ir a outra. – respondeu o outro em tom brincalhão. O ar divertido, porém, não iluminou seus olhos.

Oh, shut up! Não me venha com essas citações dos seus filósofos meia-boca, Francis – resmungou o inglês, quase de forma espalhafatosa, desviando sua atenção para qualquer lugar que não o outro.

– Ora mon petit, mas se você sabe que é de Russeau, significa que também leu.

– Você sabe, não é? Que mesmo eu lhe tomando o Canadá, ainda poderá visitar o garoto. – Ele tinha as maças do rosto levemente rosadas agora, o Inglaterra, e havia voltado a fitar o céu que os encobria. – E as idéias eram ridículas, se quer saber. Desse gentleman.

O francês riu, sabendo que a última parte era a mais pura mentira, algo bem típico de Arthur. Achava adorável essa parte teimosa e ridiculamente orgulhosa, ao mesmo tempo em que transparente do outro. Além disso, saber que se por acaso perdesse aquela guerra – o que não iria ocorrer, definitivamente – ainda poderia ver seu pequeno Matthieu aquecia seu coração: no final, o inglês era mesmo o único que reconhecia o genuíno afeto que desenvolvera pela colônia. Por isso ele tinha de agradecer, mas não com palavras, pois "por favor" e "obrigado" não existiam no vocabulário desses dois quando juntos. Então ele simplesmente o beijou, aproveitando-se da distração de Arthur, ergueu o tronco e selou os lábios grossos e rosados com os seus próprios, sendo imediatamente correspondido.

– Mas é bom não abusar da sorte, ouviu? – recomendou o inglês ao se separarem, um meio sorriso na face, os olhos pesados.

Oui, oui, mon petit lapin. – Concordou Francis, rolando os olhos enquanto sorria de leve. Ele empurrou levemente o outro em direção ao chão, onde acabaram deitados lado a lado, de mãos dadas.

– Não é estranho? Há três ou quatro séculos nós achávamos que a Terra era quadrada, e agora estamos aqui, deitados na América, olhando para um céu com estrelas diferentes das nossas. – comentou o inglês, após um curto silêncio.

Oui. A igreja não ficou muito feliz no começo, mas quando viu nos indígenas a possibilidade de catequização logo mudou de ideia. Mas você não deve saber, seus chefes não são muito chegados no Papa.

– Ele só queria o divórcio! Que mal há nisso? Um dia isso será comum no mundo todo, você verá Frog. A verdade é que o Velho era um visionário.

– O seu sistema é visionário.

– Que quer dizer com isso?

– Versalhes não durará mais muito tempo, as pessoas estão descontentes com o Rei. Os pobres têm fome, os ricos desejam mais poder. Eu posso sentir as coisas mudando, sabe? É como se meu sangue estivesse borbulhando. No final, é apenas uma questão de tempo. Não sei quando, pode ser em um mês, ou um século, mas haverá uma revolução. E será grande, mas deve ser melhor assim.

– A definição da natureza humana é um equilíbrio perfeito entre o que se quer e o que se tem. – Foram as únicas palavras que Arthur encontrou para reconfortar o outro, suficientes, porém, para que sentisse o aperto em sua mão aumentar. Elas eram de algum pensador francês, ele sequer lembrava-se de qual, mas em momentos dessa estirpe o inglês sabia, não havia nada melhor do que ser lembrado dos seus mais célebres meninos. Por fim, resolveu mudar de assunto:

– Lembra de como pensávamos que se nos distanciássemos muito da costa, monstros atacariam nossos navios, ou cairíamos da Terra? – os dois riram novamente -Onde nós cairíamos? No inferno?

– Acho que nós vamos para o inferno de um jeito ou de outro. – disse o inglês, a expressão tornando-se novamente branda. Ao virar o rosto para o lado, viu na face alheia o cansaço que sentia sobre os próprios ombros, de repente sentindo-se muito, muito velho. Mas apenas até Francis voltar-se para si.

Non. Acho que você vai para o céu.

– Não seja meloso, git. – apesar de reclamar e ter desferido um soco de leve no ombro do outro, Arthur corou.

– Não sou meloso! – negou em tom ofendido, voltando a olhar para cima. – E pare de resmungar, Angleterre, você sempre teve essa mania. Quanto mais pensamos em nossos infortúnios, mais eles nos magoam.

– Então vou fingir que você não está aqui, antes que comece a me sentir realmente depressivo! – replicou Arthur, por birra, cruzando os braços em seguida. Francis não pode evitar sorrir.

– Faça isso enquanto pode, mon amour, pois logo, logo eu encontrarei um chefe que concorde em invadir aquela sua ilha e não vou mais te deixar em paz.

O inglês franziu a testa em descrença.

You're creepy. Parece Ivan falando "Vocês ainda se tornarão um comigo, da" – Fez careta, a última parte saindo com uma vozinha de criança forçada. – E duvido muito. Ninguém seria suicida a esse ponto. A, não, espera, é de você que estamos falando, então talvez você encontre alguém louco o suficiente. – continuou em tom sarcástico, para então se tornar sério – Todo o meu ouro deve encher os seus olhos, não é? Todos as minhas colônias na África, aqui, na Oceania...

– A beleza provoca o ladrão mais do que o ouro. – Francis limitou-se a responder. Arthur voltou-se de súbito para o francês e, de fato, como imaginara, o outro sorria, ainda virado para si, a cabeça apoiada em uma das mãos. Aquele sorrisinho presunçoso que era sua marca registrada, no rosto jovial desprovido da barbicha, que só cresceria muito depois, tão desconcertante para ele. As palavras eram de Shakespeare, mas por algum motivo o inglesinho achou que Francis realmente acreditava nelas.

Depois disso, os dois rolaram na grama escassa, a terra grudando em seus uniformes, enquanto eles se beijavam. Ainda retirariam metade das roupas naquela noite, e dormiriam abraçados ao relento, como geralmente ocorria nessas ocasiões. Na manhã seguinte, se despediriam apaixonadamente e, então, cada um iria para um lado, sabendo que da próxima vez que se encontrassem estariam no campo de batalha. Nenhum deles abrandaria por serem algo parecido com amantes. Gostavam de lutar. Gostavam de ao tocar um ao outro, checar se as cicatrizes que haviam deixado ainda estavam ali.

Talvez aquela relação fosse meio doente, mas mesmo então, no século das luzes, eles não procuraram refletir sobre o fato. Afinal, eles eram inimigos declarados, mas a Inglaterra e a França sempre estiveram próximas culturalmente, ainda que teimassem em admitir. Eles eram apenas um reflexo, ou costumavam assim dizer, inclusive para si mesmos. Russeau puro, no amor e ódio passional, sua relação tendo construído suas personalidades.

E Arthur ganharia a guerra, levaria o Matthew, mas perderia Alfred. Porque a aquela guerra de seguiria a dos Sete Anos. O conselho de Francis, que por sua vez pegara emprestado de Voltaire, sobre não pensar nos infortúnios, lhe seria muito útil nessa época.

A França, liderada por Napoleão, tentaria conquistar a Europa, Inglaterra inclusa no pacote (exatamente como Francis prometera), mas o inglês não permitiria. Ele e Rússia parariam o francês, que veria Arthur lutar com mais vigor e violência do que nunca, dilacerado pela perda do seu garoto e possesso com o mesmo por ter auxiliado sua colônia a conquistar a independência. O inglês jamais perdoaria o francês, mas eram muitas as coisas as quais eles jamais iriam perdoar um ao outro.

Por isso eles se odiavam, ainda que se amassem. O cúmulo da antítese, tal qual suas culturas, como eles próprios. França e Inglaterra. Francis e Arthur.

– You're a damn pervert bastard, Francis, did you know? – foram suas últimas para o outro ao se despedirem.

– Oh, je t'aime aussi, Arthur.


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Notas finais do capítulo

FrUk é sempre raridade por aqui, então resolvi me tornar uma contribuidora do casal ♥
Não vou traduzir as falas porque tenho preguiça, mas se não souberem algo é ó perguntar :D E A Guerra Franco-Indígena foi a guerra em que a Inglaterra pegou as colônias francesas na América do Norte para si, caso não tenha ficado claro.
Para quem gosta de AmeCan, tenho duas ones postadas também -q É tão raro achar quem goste que preciso até fazer propaganda xDD
Para aqueles que acompanham Bump Off!!, I'm soooo sorryyy!!!
Estou tendo um sério problema com criatividade aqui -q ~Sei para que lado ir com a história, mas não como escrever de uma forma interessante essa parte /cry Mas eu vou me curar, eventualmente q