Welcome To The Real Wonderland escrita por anaaq


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

A música se chama Her name is Alice.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/270495/chapter/1

Her name is Alice

Se eu tivesse um mundo próprio tudo seria sem noção

Nada seria o que é porque tudo seria o que não é

Passos... Murmúrios... E para fechar com chave de ouro o cheiro fétido dos corações putrefatos que andam disfarçados com um sorriso no rosto, em meio à multidão. Ela não sabia como havia parado ali, talvez porque não suportaria mais um minuto dos julgamentos e aparências falsas presentes na sala anterior. Ou talvez só esteja procurando um mísero sinal de felicidade perdido em meio aos destroços de que sobrava em seu mundo.

A verdade é que nada lhe importava mais, ela poderia olhar o mundo ao seu redor por horas e tudo o que veria eram cinzas, pessoas mortas por dentro, expectativas frustradas, e fraqueza. Olhava tudo, mas nada via, e quanto mais respirava o ar fresco da noite, mais se sufocava.

Andava a passos largos, largos e lentos, pois não importava o tempo que levasse, não chegaria a lugar algum. Fitava sua frente, os olhos pretos pela maquiagem contrastavam sua pele alva como leite, as roupas escuras tinham a mesma função, os cadarços largados do coturno mel engraxado e levemente velho arrastavam pelo chão. As vozes a seu redor não lhe demonstravam nada, algumas mexiam com ela, todas masculinas, ela sabia, pode distinguir entre o barulho, mas não as deu atenção. Eram só mais um elemento deprimente do lugar, como todo o resto ali.

Até que tudo mudou... Ele era como um brilho ofuscante a sua frente, vestido de branco enquanto saltitava e cantarolava. Ela o invejou, do fundo de sua alma, o invejou. Como poderia ser tão... Tão feliz em meio a toda essa podridão? Seu coração bateu mais forte, não era a felicidade aguda que ela procurava, não... Mas ela sentiu, após tempos, ela sentiu, e não se importava em não saber o que era o sentimento, ela só queria mais, precisava de mais. Continuou seguindo-o, sorriu como não sorria há tempos, era como seguir o vestígio de vida que ainda existia em si, sentiu o vento frio chocar contra seu rosto e avassalar seus cabelos, enquanto via sua vida virando a esquina. Correu, tinha que vê-lo, não poderia perdê-lo, não suportaria. O vento a batia mais forte, e ela não entendia essa repentina obsessão e nem tentava, só sentia.

Eu te convido para um mundo onde não tem coisas como tempo

E cada criatura alterava seu estado de espírito

E a garota que perseguiu o coelho bebeu o vinho e tomou a pílula

Prendeu-se num limbo para ver como realmente se sentia

Mantendo fora sua virtude ninguém poderia machuca - lá, ou assim eles dizem.

Virou a esquina e o viu entrar em uma casa mal iluminada, aparentemente abandonada. A tinta descascava nas paredes sujas, a janela de madeira estava fechada porem deixava frestas de luz escapar por entre as tábuas quebradas, e porta semi – aberta a convidava a entrar. Aproximou-se e espiou pela pequena fresta, uma luz amarelada que piscava às vezes iluminava uma mesa de madeira cumprida, tão bonita que parecia destoar de todo o resto. Sentada em seus contornos se encontravam pessoas estranhas, mulheres com vestidos longos e armados, homens com olhares perdidos no horizonte, todos jovens e aparentemente relaxados. O homem de branco também estava lá, com seu semblante feliz, a luz mostrava que sua pele era tão ou até mais branca que a dela própria. E na ponta se encontrava um sujeito de ombros largos, suas vestes eram azuis e estranhas, ele segurava uma xícara de chá, ela não pode ver seu rosto, pois uma enorme cartola em sua cabeça o cobria. Ele a fascinou, se encaixava perfeitamente naquele lugar e ao mesmo tempo era diferente de tudo e todos ali.

– Está atrasada para o chá. – ele disse. Ergueu os olhos e a mirou, inclinou um pouco a cabeça e deixou que um sorriso torto acompanhasse seu olhar curioso.

Seu nome é Alice (Alice)

Ela está se arrastando para janela

E formando sombras

Alice (Alice)

E mesmo que pense que está sonhando, ela sabe.

Ele era lindo, foi seu primeiro pensamento. Permaneceu parada na entrada enquanto o observava afastar a cadeira da mesa e se levantar, andando de uma forma engraçada até ela. Todos os olhares estavam sobre eles, ela podia sentir.

– E você deve ser... – ele falou olhando-a nos olhos.

– Alice. – ela respondeu com a voz falhando.

– Alice – ele repetiu em um sussurro e em seguida sorriu – Bom... Bem vinda ao País das Maravilhas. – Ele se curvou e beijou sua mão.

Ela sentiu seu coração palpitar, e corou, o que não passou despercebido pelo estranho.

– Oh, não... Não precisa ficar tímida. – ele disse mexendo em um cacho de seus cabelos loiros. – Venha comigo.

Ele segurou sua mão e a levou a uma cadeira vaga a seu lado, contornando metade da mesa com os olhos de todos na sala sobre ambos.

– Que lugar é esse? – ela perguntou quase sussurrando, porem quase explodindo de excitação por dentro.

– That’s Wonderland... – o homem que a atraíra até lá foi quem falou agora, olhando curiosamente, os olhos um pouco avermelhados – My dear Alice. – ele pronunciou as ultimas palavras pausadamente.

– Não a assuste!

Rosnou o chapeleiro – assim ela o chamaria – chegando a se levantar.

– Ela é nossa hospede. – Continuou calmo. – Então, o que vai querer Alice? Chá?

Ele se aproximou dela para falar, levando junto consigo a xícara e a oferecendo.

– Obrigada. – ela segurou a xícara e a levou aos lábios, porem freou quando sentiu o cheiro forte.

Só então pode notar um vidro cheio do que pareciam ser cogumelos. Chapeleiro seguiu seu olhar e sorriu de forma meio obscura.

– De cogumelos – explicou – O melhor tipo...

– Ou pode experimentar esses se preferir – disse uma mulher sentada ao lado da pessoa a sua frente, lhe entregando um vidro cheio de pílulas. – Vermelhas para aumentar, azul para diminuir.

– Devia escolher a pílulas se quiser voltar para casa – disse o chapeleiro, ela voltou o rosto para ele bruscamente, sem entender. – Provavelmente vai ser melhor para você, deve ser muito feliz na sua casa.

Ele inclinou a cabeça novamente sorrindo meio amargurado. Ela foi invadida por um emaranhado de lembranças, nenhuma boa. Tudo foi perdendo a cor novamente, e as sensações da caminhada anterior retornavam, ela se sentiu sufocada, queria gritar, pedir ajuda mas não havia voz, não havia ar. Uma lágrima silenciosa escorreu por seu rosto.

– Ou pode ficar... – a voz alegre do chapeleiro a chamava, como se a convidasse para outra realidade, onde houvesse cor, e felicidade. Ele a despertou de seu transe. – Aqui. Comigo! – Ele segurou suas mãos empolgado.

Ela viu a solidão no fundo de seus olhos, sua escuridão era tão... Bonita.

– Você só tem que tomar o chá. E nós poderemos ficar aqui, no País das maravilhas. – ele se levantou e a puxou pela mão colando-a em si, em seguida saiu dançando com ela pelo cômodo. – Haa, nós podemos dançar, e nos divertir o tempo inteiro – ele falava olhando para o nada como se pudesse ver algo.

Ele podia, podia tudo, e agora ela sentia que podia também, enquanto estivesse com ele ela poderia.

– É só tomar o chá não é? – ela se agarrou a suas mãos.

– Sim. – ele mergulhou em seus olhos.

As mãos finalmente se soltaram, mas só por tempo suficiente para que ela pudesse alcançar a xícara e a virar em um gole só. Sentiu o líquido descer pela garganta, calmo e provocador.

Haa, o mundo era maravilhoso, não, o mundo não, o País das maravilhas sim. Era incrível... Tudo girava e ela se sentia mais viva do que nunca, seu coração batia forte mostrando-a a vida em seu peito, o quarto se enchia de cores enquanto ela bailava com um longo vestido púrpura. E ele estava la, sim! Ele estava. Ela suspirou, o calor se seus corpos variava pelo cômodo em uma só viajem, não havia trevas, não havia cinzas, nem destroços ou desespero. Havia só um chapeleiro escondido em uma toca de lebre branca como a neve, e a felicidade plena... As vozes se misturavam atordoadas mas nada significavam. As luzes vermelhas, sim, a rainha chegou, as trombetas soaram, curvem-se, façam a reverência, a rainha de copas merece o respeito. Sua mão suava na de chapeleiro, as luzes vermelhas piscavam cada vez mais fortes. Cortem-lhe a cabeça, o vento sussurrou ao seu ouvido.

Escuridão.

Sob o barulho das sirenes piscando forte o corpo de uma menina desmaiada pairava no banco de trás do camburão da polícia, no caminho ao hospital. “Cortem-lhe a cabeça” ela sussurrou “cortem-me a cabeça”.

Às vezes a curiosidade pode matar a alma, mas deixar a dor

E cada inocente é deixado dentro de seu cérebro

E mesmo além do espelho, nós vemos, ela está dolorosamente voltando.

As luzes brancas agrediram seus olhos ao tentar abri-los, antes de fazer outra tentativa, sentiu seu corpo repousar, e o calor de outras mãos nas suas, sorriu para ele, e abriu os olhos para encará-lo. Porem ao virar a cabeça e procura-lo ao seu lado não o encontrou. Em seu lugar estava a mãe dela, apertando suas mãos, a maquiagem preta escorrera pelas maças do rosto, indicando que ela chorara, as olheiras só aumentavam a denuncia.

– Alice. – ela a abraçou desesperada.

– O que... – ela não conseguiu pronunciar frases inteiras. Viu seu pai apoiado na parede. Só não pode distinguir se seu olhar mostrava mais reprovação, desespero ou desgosto.

– Onde ele está? – Ela gritou quando recuperou o fôlego. – Onde ele está? – gritou novamente desesperada. Tentou se levantar mas sua mãe a segurou.

– Ele quem querida? – perguntou a mãe.

– Onde ele está? O que vocês fizeram com ele? – ela não conseguia se acalmar.

Sua cabeça doía e rodava. Nada fazia sentido. O que aconteceu com a realidade? Com a sua realidade? Quem a tomara dela? Ela não sabia, só sabia que a queria de volta, necessitava dela de volta. Empurrou sua mãe para o lado e puxou com força os fios presos em seu braço. Levantou-se e saiu correndo. Mas seu pai a segurou na porta, ela se debateu o quanto pode e finalmente distinguiu seu olhar. Desgosto, sim, era isso, ela tinha certeza.

– Me deixa ir! – ela gritou o mais alto que pode e finalmente escapou de seus braços.

Correu o mais rápido que pode, e somente quando sentiu o vento lutar com seus cabelos percebeu que havia conseguido sair do hospital. Sorriu sem parar de correr, se dirigiu para a avenida do dia anterior. Não se importando com as pessoas olhando para ela por estar com uma camisola branca de hospital e descalça, nem as viu na verdade... A esquina estava tão próxima, tão próxima... Finalmente chegou, a casa estava fria e estranhamente morta, as luzes piscavam ainda mais. O desespero a tomou.

– onde você está? – ela sussurrou correndo pelo cômodo.

– Onde está o meu mundo? – gritou caindo de joelhos, as lagrimas escorriam incessantes pelo seu rosto, a tristeza a possuía e lhe tomava todas as cores de seu mundo. – Cortem-me a cabeça – sussurrou antes de cair.

Acordou no hospital, novamente as luzes a agrediram. Olhou para o lado, sua mãe estava dormindo na poltrona, seu coração doeu. Onde está meu mundo?

Uma lágrima solitária escorreu, porem antes de cair no desespero profundo ela viu.

Lá estava ele, lindo, com suas cores vibrantes. Ela sorriu para ele e se sentou, olhou em volta, sua mãe havia sumido e as cores retornado. E aqui está o meu mundo, pensou ela. Finalmente cheguei em casa. Ele a observava através de uma das janelas, ela sorriu e correu até ele. Apoiando-se na janela ele a beijou. O vento frio da noite bateu em seu rosto e ela fechou os olhos para aproveitá-lo.

– Venha comigo Alice. Venha à Wonderland. Encontre-me no País das Maravilhas. – ele segurou sua mão dando um passo para traz no vazio.

Ela passou as pernas por sobre a janela pronta para pular, apoiou-se no parapeito, olhando para baixo. Eles estavam sobre o 10º andar, e ele pairava no ar.

– Venha Alice, é como o chá. – ele sorria para ela. – Venha... – sussurrou.

Ela sorriu anestesiada. Ouviu a voz de sua mãe a gritar bem longe mas não deu atenção.

Mas agora, fora disto temo a preocupação de todos

Você vê, não tem um fim real

É apenas o começo

Venha e jogue

Pulou...

Seu nome é Alice (Alice)

Lá estava ela com o chapeleiro...

Ela está se arrastando para janela

E formando sombras

Caindo pela toca da lebre.

Alice (Alice)

E mesmo que pense que está sonhando, ela sabe

Bem vinda ao País das Maravilhas.

(Ao contrário o que é, é o que não seria)

(E o que não seria será)

(Entende?)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Welcome To The Real Wonderland" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.