Fiquei estática depois do que acabara de acontecer na minha frente. Eu nunca imaginei que logo aqueles dois brigariam tão cedo, o que demonstra que eles não podem ficar juntos se o Otonashi não estiver ali por perto. Quando pensei em seguir Hinata, vi Kanade puxar a manga da minha camisa.

— Hisako, vamos terminar o almoço? – Tentei conter um riso com a expressão adorável que ela fez. Não era comum ver a Tachibana com essa carinha. Obviamente ela precisava terminar sua tigela de mapo tofu.

— Claro... – Segui a presidente do Conselho até o refeitório e continuamos nosso almoço. Fico pensando se Hinata ficaria bem, já que rapidamente uns garotos dos dormitórios vieram socorrer o garoto Naoi. Provavelmente ele foi falar com Yuri e desabafar tudo o que houve, ela estava sempre pronta pra saber de uma discussão.

Não houve muita conversa durante o término do almoço, apenas discutimos sobre algumas mudanças com os novos jogadores no time e os trabalhos escolares. Mais tarde, fui à biblioteca para terminar meus trabalhos de história e de inglês, sorte que TK me ajudou bastante e Matsushita me trouxe uma tigela de udón de carne para o lanche. Sem que eu percebesse, deu a hora de eu voltar para o hospital então desta vez resolvi pegar uma van para chegar até lá, estava muito calor, apesar de que em breve anoiteceria. Lembrei-me dos primeiros shows que fiz com a banda da “F-Cup e da B-cup”, realmente naquela época estávamos num verão intenso. Nós chamamos uma das performances de ‘Crow Song versão Summer’ e convenhamos que não fosse muito boa porque a unidade rítmica formada pela Shiina e a Yurippe era horrível.

No momento em que resolvi encostar meu braço na janela para me apoiar, a porta do veículo abriu, indicando que era o meu ponto. Ótimo, eu estava na porta do hospital. Entrei rapidamente e logo peguei o elevador, não tinha muitas pessoas por ali por mais que fosse horário de pico. Atravessei o corredor já com uma ponta de ansiedade atravessando o meu peito, era sempre o mesmo sentimento ao voltar e ver aquela garota. Aspirei ao máximo de ar que podia e virei a maçaneta.

— Hey... – Fechei a porta atrás de mim após ver Iwasawa sobre a sua maca, com um caderno no colo.

— Hisako! Que bom que você voltou, estava terminando de escrever uma composição nova. – Ela sorriu abertamente e isso me fez sorrir junto.

— Sério? Eu posso ver? – Era incrível a capacidade que ela possuía de compor uma música inteira tão rapidamente. Eu queria ter esse dom, mas convenhamos que isso a deixasse ainda mais atraente pra mim.

— Sim, vou precisar da sua ajuda pra compor a parte melódica. – Ela deixou um espaço ao lado no colchão e eu sentei ao seu lado inclinando a cabeça para o seu ombro e vaguei meus olhos pelos versos. Era uma letra incrível por sinal.

— Eu vou fazer o meu melhor, eu prometo. – Senti a mão dela a deslizar pelas minhas costas, num quase abraço de agradecimento quando aceitei o pedido.

— Obrigada, Hisako... – Ela disse baixinho, apertando o braço em minha volta. Eu suspirei baixo de emoção, ficaria ali para o resto do dia se me permitisse.

— Não precisa agradecer... Nós sempre estivemos juntas nisso, não é? – Sussurrei com o peito cheio de ansiedade. Eu não devia me permitir ser levada por esses sentimentos assim, mas era como se fosse maior que eu, mais forte que eu, algo que controlava minha alma.

— É, tem razão... – Ela olhou para o teto e eu voltei meus olhos para a parte visível do seu rosto, no queixo e na mandíbula. – Você lembra quando formamos a “Masa e Hisa”? – Ria baixinho na hora, me lembrando da cena cômica que foi quando tentamos formar o nome da banda.

— Também teve o nome com o número dos nossos sutiãs... – Quando eu disse aquilo, ela se inclinou para trás numa gargalhada, quase batendo a nuca contra a cabeceira da cama e eu a segurei, me desequilibrando. – Iwasawa! Você deveria tomar mais cuidado, como sempre.

— Hahahaha, é que isso foi engraçado... – Ela continuou rindo enquanto eu corei absurdamente ao ver que meu corpo havia se dobrado sobre o torso dela. De qualquer maneira, tentei disfarçar, rindo bem baixo.

— De fato... Hahaha... – Ela secou as lágrimas dos cantos dos olhos com os dedos e deitou a nuca no travesseiro, fazendo inesperadamente com que nossos rostos ficassem próximos. Consegui apenas enxergar seus olhos e entrando em transe, a composição magnífica do seu rosto. As mechas em tom magenta que cobriam a testa, a pele alva e delicada, aqueles belos lábios que deviam ser tão doces quanto os seus solos de violão.

Quase não percebi que ela também analisou o meu rosto, seus olhos tinham um brilho intenso que eu ainda não tinha visto, não daquela maneira e me intriguei no mesmo momento.

— Hisako... – Ela sussurrou lentamente e eu senti um arrepio com a respiração quente dela contra a minha bochecha. Deslizei minha mão de onde anteriormente estava que era a nuca, até por entre os seus cabelos, fazendo um cafuné de leve. Sinto que ela teve a mesma reação, eu sorri e me coloquei no limite de não contar nada, eu não estava pronta ainda.

— Você é mesmo adorável, Iwasawa. – Coloquei um beijo em sua testa e voltei a me sentar do seu lado, deixando-a sem reação alguma. Apenas os olhos arregalados.

— O-Oh... – Ela ficou visivelmente vermelha e eu tentei conter um riso ao ver a expressão.

— Você está bem? – Deslizei os dedos pela mecha da lateral de seu rosto, observando seu rosto virar para mim.

— Sim, eu só... – Ela respirou bem fundo e pareceu um pouco pálida.

— Da última vez que te vi tão branca assim, você desmaiou. Vem, vamos lá no terraço. – Segurei a mão dela e a levei até o terraço que ficava logo acima do quarto e então sentamos para ver o crepúsculo que se iniciava após o Sol morrer no horizonte.

A brisa fresca jogou aquela franja rosada para o lado, combinando bem com o meio sorriso que transcendeu em sua boca. O contraste do rosto bem desenhado dela combinava com os tons misturados que o céu tomava ao ir perdendo a luz solar.

— Eu nem sei como agradecer por você cuidar tanto de mim... – Sua voz saiu mansa, enquanto os olhos dela vagavam pela imensidão escura.

— Por que você deveria...? – Eu indaguei, com as mãos sobre minhas pernas cruzadas.

— Enquanto até minha família falhou em se preocupar comigo, você foi a única que veio e ficou aqui desde que me encontrou... Você não me deixou sozinha, Hisako... Chorou pela minha recuperação, passou noites em claro me vigiando até que eu acordasse... Você se importou o tempo inteiro com minha saúde, com minha música, com o que eu sou... Me salvou da escuridão fria e agonizante da solidão... Desde que te encontrei, minha música e meu eu nunca mais foram os mesmos... – Ela segurou meus ombros rapidamente, me causando um breve espanto. Meus olhos se perderem ao ouvir todas aquelas palavras que eu não esperava ouvir.

— Iwasawa... – Sussurrei quase incrédula, sentindo meus músculos reagirem. – Como... Você sabe...?

— Eu sentia tudo... Você realmente nunca saiu do meu lado... Minha vida se tornou mais completa quando te encontrei. – Ela segurou meu rosto e deixei uma lágrima escorrer pelo canto do meu olho. Era demais ouvir aquelas palavras... Meu coração estava transpassado.

— Você me salvou... Não tem que agradecer em nada... Eu quem sou eternamente grata por ter lhe conhecido, já é o suficiente, tudo o que eu fiz por você foi porque... – Abaixei a cabeça, engolindo a próxima frase. O medo ainda dominava o meu ser.

— Por...? – Ela apertou um pouco os meus ombros, olhando para o pedaço de rosto que minha franja não se permitiu cobrir. – Hisako... Você pode dizer... Eu nunca vou sair do seu lado...

— Iwasawa... – Eu olhei para o mais alto dos céus, buscando alguma resposta, mas as estrelas me diziam para seguir a minha alma. O meu coração. Quando pensei em abrir a boca, ela voltou para mim com sua guitarra nas mãos, cantando uma música que eu ainda não havia escutado antes.

Sinto você com os dedos,
Eu estou fazendo certo
Sobre a
Aquela que está perto de mim
Agora.

Eu não me importo se eu tiver que enfrentar todas as pessoas como inimigas
Por você
Realmente
Esta é a verdade

Sua voz saiu lenta e suave, assim como a guitarra, tocando lá no fundo das minhas entranhas... Meu corpo ressoava e amolecia com o som, é como se tocasse nas minhas fraquezas. Meu coração foi pego bem em cheio, parecia que a voz dela atingia as estrelas, mesmo tão calma.

A chuva está caindo
Nossos corpos suando
“Vamos beber alguma coisa”
Não quero que você se mova

A letra me faz lembrar os momentos que passávamos os verões compondo arduamente, eu levava alguns refrigerantes para ela enquanto insistia em ficar nas folhas de partitura... Foi a época em que meu amor por Iwasawa foi se fortalecendo por dentro...
Oh, ela virou para mim... Eu já estava perdida em sua voz doce e nos belos solos de sua stratocaster.

Eu estou me apaixonando por você, só por ti
É uma coisa tão errada?
Porque eu estou falando sério, escute-me
Eu sempre vou estar ao seu lado.

O tempo passou desde então
Ainda na mesma cama
Sozinha, por mim mesma
Eu apenas dou um bocejo.

Eu voltei os olhos incrédulos para ela, após toda a belíssima música que eu acabara de ouvir. Era tão profunda quanto My Song, mas com uma letra de amor... Qualquer que seja a causa, era uma música incrível e muito bonita. Eu mal conseguia mexer minhas pernas, de tão atordoada com sua voz maravilhosa.

— Eu apenas não conseguia dizer o que sentia ao tentar... – Ela disse quase inaudível, com a voz baixa. – Então escrevi esta música para você... – Vi que o tom de vermelho subiu as suas bochechas e eu senti meu coração disparar de uma maneira que não sentia em dias. – Mas se você não sentir o mesmo...

Não esperei que ela terminasse a frase. Era realmente o que eu não conseguia mais controlar em mim, todos aqueles sentimentos antes reprimidos foram externalizados naquele momento. E com toda a delicadeza possível segurei seu queixo com os dedos e aproximei nossos rostos... O hálito quente roçou em meu rosto, aumentando minha necessidade de senti-la mais perto e nossos olhos se encontraram por alguns segundos... Carinhosamente, juntei nossos lábios num beijo tímido.

Quando menos esperei, os braços dela envolveram o meu pescoço tenso, enlaçando-o e me puxando para junto dela. Meu peito se consumia em amor, desejo e paixão ao me deleitar com o suave escorregar dos lábios macios e deliciosos sobre os meus. Os sons de nossas respirações e dos corações se uniam numa música explosiva. O beijo foi se aprofundando suave e calmo, até que o ar se ausentou de meus pulmões.

As estrelas que testemunharam esse beijo agora brilhavam mais intensamente, como se abençoassem aquele momento em que tanto esperei em todo esse tempo.

— Hisako... Eu... – Ela sussurrou com as bochechas ainda mais coradas e eu a silenciei com meu dedo indicador sobre seus lábios que tanto me faziam bem.

— Iwasawa... Eu te amo tanto... – Coloquei o que eu tanto reprimi para fora naquela simples, mas tão poderosa frase, enquanto algumas lágrimas teimavam em descer rasgando em meu rosto. – Mesmo que pareça errado... Eu... Nunca tive tanta certeza de algo assim na minha vida...

— Eu te amo desde que te conheci... Eu te amo e isso é tão real quanto a música que vive em mim... – Ela segurou meu rosto com as mãos quentes e foi secando minhas lágrimas, seu semblante angelical era tudo o que eu conseguia ver... Eu realmente estou... Apaixonada. Apaixonada logo por você, Iwasawa...

— Realmente... Eu não esperava ser retribuída... Você é tudo pra mim... – Eu afundei meu rosto em seu pescoço e ela me abraçou, enquanto eu envolvia sua cintura com os braços. Segurei os soluços... Eu estava tão feliz...

— Não chore... Apenas prometa uma coisa, Hisako... – Ela sussurrou em minha orelha, me causando um prazeroso arrepio.

— O que você quiser... – Suspirei, olhando as estrelas novamente, aproveitando para deitar em seu ombro, aconchegada no abraço.

— Esteja sempre do meu lado... Eu preciso de você... – A guitarrista me apertou, me deixando mole de tanta paixão.

— Eu sempre vou estar contigo... Eu prometo...