Shamandice escrita por Prana Zala


Capítulo 3
Meio-dia, meia-noite




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Meio-dia, meia-noite

"Meio-dia de ódio, meia-noite de dor"

Shaka acordou meio zonzo após a bebedeira. Fazia tempo que não enchia a cara daquele jeito. Tateou a cama em busca de seu cobertor, mas percebeu que ele estava praticamente todo sendo usado pela pessoa a seu lado. Demorou poucos segundos se perguntando quem seria a garota daquela vez quando se lembrou de que era Milo, seu amigo, que estava passando uns dias na sua casa, após a briga com o antigo amante. Uns dias? Meses, na realidade.

Aquilo era tão "Milo": correr para o melhor amigo toda vez que tinha problemas, instalar-se em sua casa e em sua cama, abarrotar sua geladeira com alimentos não-nutritivos e trazer parte de sua tralha para ser entulhada em algum lugar, junto com as demais. Sempre fizera aquele tipo de coisa, o virginiano estava acostumado. E gostava. Gostava porque sabia que seu lugar no coração do amigo continuava imaculado, porque podiam passar mais tempo juntos, porque Milo só se abria totalmente a ele. Nem Camus conhecia o escorpiano tão bem quanto o indiano. Não havia praticamente nada que alguém soubesse de Milo que Shaka não; e o melhor era que os outros descobriam coisas por fofocas, Shaka sempre diretamente pelo amigo.

Empurrou o escorpiano um pouco mais para o lado e tentou resgatar ao menos um pedaço de seu cobertor. Milo segurou-o com mais força, enrolando-se nele, a fim de permanecer todo seu dono. Shaka cedeu, como sempre, levantou-se e pegou um cobertor só para si. Sabia desse "egoísmo" do amigo; tão logo ele se instalara em sua casa o virginiano tratou de desentocar os velhos cobertores do armário, pois sabia que não acabaria dividindo apenas um com o amigo. Acontece que, naquela noite, Milo, não satisfeito com o cobertor que lhe era de direito, apoderou-se do que pertencia ao amigo e embrulhou-se em ambos. Ele não estava acostumado em reclamarem-lhe o cobertor, uma vez que Camus, seu antigo companheiro de leito, dificilmente utilizava-se de algum. Nas primeiras semanas, Shaka tentou competir por eles, mas logo desistiu e passou a manter sempre alguns de reserva no quarto para momentos em que fosse privado de todos os da cama. Deitou-se novamente ao lado do escorpiano e aninhou-se nele, aproveitando seu calor para se aquecer. Gostava disso. Gostava de tê-lo a seu lado. Seu pequeno e vulnerável amigo.

Apesar de Milo sempre ter andado com os próprios pés, Shaka, desde que se tornaram amigos, cultivou o hábito de tratar do amigo. Preocupava-se com sua saúde, sua alimentação, seus ferimentos, suas angústias e seus desejos. Tinham a mesma idade, mas dizia que Milo precisava de mais do que um coração para guiá-lo, precisava de um cérebro para orientá-lo. E Shaka, sempre tão cuidadoso, dera a si mesmo esse papel. À princípio, quando o escorpiano começou a se enveredar pelos caminhos tortuosos da vida, o indiano tentou logo trazê-lo de volta ao certo. Tentativa frustrada essa, resolveu acompanhá-lo para todo lado, a fim de estar por perto quando ele precisasse. Mas quem disse que ele próprio resistira ao mau caminho? Não tardou a gostar e a fazer as mesmas coisas que o amigo, muitas das vezes partindo de si a idéia maliciosa. Que mal havia em gandaias? Eram só umas garotas a mais em sua lista de pecados. A luxúria era, de longe, seu maior pecado. Atiçada por Milo, inflamada por ele mesmo. De vícios, talvez apenas o da bebida. Se lhe davam um gole, virava um barril. Mas era o que chamavam de "alcoólatra social", não sentia falta da bebida se não estivesse no meio de bêbados. Milo e ele eram tão iguais em tantas coisas! Queria acreditar que era mais do que a convivência, que eram, de fato, extremamente parecidos e compatíveis. E que, assim, seria natural continuarem sendo amigos para sempre. Em sua mente, nada, em momento algum, em qualquer lugar do mundo, poderia mudar aqueles sentimentos entre eles. Nada poderia atrapalhá-los. Nunca, jamais. Como se o futuro lhe pertencesse e lhe fosse conhecido!

Ficou agarrado ao amigo até ele acordar e querer levantar, o que significava já ser bem tarde. Era tão raro um dia em que não estivessem treinando o tempo todo... Por isso escolheram aquela noite para aproveitar a vida. Se fossem "pessoas normais" seria sempre daquele jeito, não?

– Bom dia, Bela Adormecida – cumprimentou Shaka, assim que sentiu que o amigo estava acordado.

– Hummmbummmm dia... – murmurou o escorpiano, esfregando os olhos, tentando abri-los.

– O que vai querer para o café da manhã?

– Qualquer coisa...

– Cereais e suco natural?

– Na cama? Se for assim, pó'trazer.

– Humpf, como se eu fosse fazer isso. O que eu ganharia em troca?

– Uma lambida no pescoço?

– De quem, da sua mãe?

– Só se gostar de mulheres cadavéricas...

Os dois riram. Eram assim, levavam tudo na esportiva. Milo dizia que os momentos mais alegres da vida dele tinham sido ao lado do indiano. Shaka e Camus eram seus melhores amigos, repetia; só que com Camus ele nunca gargalhara a ponto de perder o fôlego. Eram amigos diferentes, amizades diferentes, mas igualmente valiosas. A diferença era que Camus acumulava as funções de amigo e amante, e por isso parecia mais querido por Milo. Mas, no quesito amigos, os dois estavam empatados.

Quando se tratava de intimidade, Shaka também superava o ex-amante. Milo nunca se sentira tão à vontade com o outro, nunca pôde ser tão "ele". Porque não queria diminuir a expectativa de Camus, temia decepcioná-lo, temia que o enjoasse... Agora, com Shaka, não havia esse temor. Aquela era uma amizade para toda a vida, tinha certeza.

– Hey, Shaka! – chamou Milo da sala, enquanto o outro arrumava o café da manhã de ambos – Lembra daquela boate francesa, a Madame Bovarry?

– Sim, que tem? – respondeu o outro à distância.

– Vamos lá hoje à noite?

– Mas amanhã é vida normal, lembra?

– Hu-hum, eeeeee? É pecado?

– Não, que isso. Só não quero ter que arrastá-lo para fora de casa amanhã. Mas se você aguenta, por que não?

Combinaram tudo: horário, roupas, que tipo de garotas cada um iria pegar. Milo ficaria com as morenas de cabelos longos e loiras de cabelos curtos, enquanto Shaka com o inverso. Ruivas que bebessem cerveja seriam de Shaka; as que bebessem Whisky, de Milo. As mais atiradas e liberais, tentariam usufruir ambos ao mesmo tempo.

Tomaram o café da manhã. Milo falava compulsivamente, sobre tudo o que lhe vinha à cabeça, comentou sobre o corte de cabelo de Aioria, sobre uma situação engraçada na cidade, de quando saiu com Máscara da Morte e ele disse seu nome a uma moça que paquerava, sobre os micos de um novo aprendiz, sobre as garotas da balada da noite anterior, sobre a transa fenomenal no banheiro com uma loira e uma morena.

– Meo, elas eram muito gatas mesmo! Você tinha que ver do que aquela loira era capaz de fazer com a língua! Ou será que era a morena?

Já estava se acostumando com aquela rotina "miliniana" de novo: treinos sempre juntos, almoços com companhia, baladas, garotas, muito sexo, divisões da cama e dos cobertores todas as noites, conversas infindáveis no café-da-manhã, pouco tempo para meditação, e quando o fazia tinha como companhia o amigo dormindo ao lado ou lendo alguma coisa porcaria. Surpreendeu-se por continuar achando aquela rotina a mais gostosa do mundo. Achou que depois de tanto tempo com Milo passando mais tempo com Camus do que qualquer coisa iria estranhar suas vidas juntas novamente e que sentiria um pouco falta de sua solidão e de sua vida controlada, regrada e regular; mas não, ao contrário, no fundo deseja não voltar mais a ela.

"Mas é tudo passageiro, não?", repetia para si, "só vai durar enquanto você não voltar para ele, junto dele, onde é o seu lugar..."

Estava demorando mais do que o costume, mais do que esperava. Desta vez, Camus tinha ferido demais Milo. Ele não falava do assunto, sequer mencionara Camus nos últimos meses, agia como s nunca tivesse saído do lado de Shaka, como se nada tivesse acontecido. Aquilo não era normal. Shaka tinha decidido deixar tudo se ajeitar sozinho, não interferir, não passar a história a limpo com Afrodite, não o deixar zombar de Milo chamando-o de criança que vai logo contar os problemas aos mais velhos e pedir que eles o resolvam. Mas aquilo, realmente, estava demorando.

– Daí ela mordeu o braço da outra, até arrancou sangue! Foi hilário! Duas galinhas brigando por ciúmes. É tão ridículo que eu nunca consigo me controlar para não rir. Estão tão cegas que nem veem que nenhuma delas está com a bola toda para isso.

– Às vezes, acho que você adora um barraco público...

– Um pouco. Só quando sou apenas o expectador.

– É, você sempre gostou de assistir a tudo mesmo...

– Falando nisso, que tal se eu assistir a você transando essa noite? Faz tempo que não faço isso...

– Por mim, sem problema. Mas aí teremos que achar alguém bem liberal...

– Ou bem bêbada.

É, numa balada como aquela não seria difícil. A maioria delas nem lembrava o que tinha feito na noite anterior. Algumas nem lembravam o nome. Eram presas fáceis.

Saíram juntos, após o café. Era um dia de folga, podiam aproveitá-lo um pouco. Caminharam pelo Santuário, conversaram com os amigos que encontraram pelo caminho, falaram de coisas fúteis. Estava sendo um dia bem agradável para os dois, até a hora do almoço. Decidiram comer em Atenas, num restaurante árabe que Shaka conhecia. Milo era, de fato, uma excelente companhia. Sabia ceder nas pequenas coisas, fazia o possível para conviver bem com as pessoas. Podia querer almoçar comida chinesa, se seu acompanhante falasse que queria ir num restaurante árabe, de pronto ele respondia: "Ok! Então hoje será um almoço árabe. Mas da próxima vez, é chinês, né?". E ficava por isso mesmo. E continuava de bom humor e satisfeito. Esse devia ser o detalhe tão poderoso que colocara Milo na vida de Camus: adaptava-se fácil ao estilo do companheiro.

Aqueles meses junto do amigo tinham feito Shaka concluir algumas coisas, e a principal era que Camus só podia ser um idiota. Insensível também, mas a idiotice prevalecia, porque só desse modo para explicar como ele deixara o escorpião ir assim, tão facilmente. Quem podia ser melhor que Milo? Era um ótimo companheiro, super-presente e participativo, que sabia dar um tempo quando o outro precisava da solidão, ou pelo menos ser imperceptível nesses momentos. Mudara tanto, fizera tudo para não dar motivos a queixas. Amava o francês tão ardentemente, deixava aquilo óbvio... Sim, Camus devia enxergar menos que Shaka com os olhos fechados. Era um idiota insensível e cego. Não havia outra explicação. A versão feminina de Milo seria a mulher perfeita para Shaka e para qualquer homem.

O indiano chegou a pensar que pensava tanto no Cavaleiro de Aquário que o atraíra para o mesmo lugar que os dois. Que merda. Ao descobrir que o ruivo estava no restaurante tentou puxar de seu cérebro uma única desculpa, qualquer, para irem para outro lugar, antes que o amigo visse o objeto de sua mágoa. Mas o cérebro não atendeu à solicitação e nenhuma idéia se apresentou antes de Milo notar a presença do ex-amante. Teria passado reto, sem se alterar, como vinha fazendo sempre que o encontrava, podendo, às vezes, até cumprimentá-lo, mas nem todo o seu sangue frio conseguiu permanecer inalteradamente gélido diante da cena de Camus almoçando com Afrodite. Justamente com Afrodite, o pior de todos! E conversavam, ainda por cima. O que faziam juntos, afinal?

– Milo, de repente me deu uma vontade de comer o yakissoba que você queria! Vamos?

– Não precisa me tirar correndo daqui. Não vou fazer um escândalo nem nada.

Os dois sentaram na única mesa vaga para dois, que era absurdamente perto da dos outros dois outros Cavaleiros. E Afrodite, logo que os viu, acenou para Shaka, alegremente. Por educação, Shaka e Milo (ainda que a profundo contragosto) foram cumprimentá-los.

"Não me faça passar vergonha, por favor", implorava Shaka, mentalmente, ao amigo.

"Milo, não se rebaixe. Fique calmo. Dê a volta por cima", ordenava o Cavaleiro a si próprio.

Camus assustou-se ao vê-los, e mais ainda quando viu Milo aproximando-se junto. Não queria um barraco com ele por perto e não sabia como o outro ia reagir, visto que era tão ciumento.

– Olá, Shaka! Que surpresa! – cumprimentou, alegremente, Afrodite.

– Olá, Dite. Muita coincidência, não? – cumprimentou o virginiano, naturalmente.

– Olá. – disse Camus, com sua frieza habitual.

– Olá, como estão? – cumprimentou Milo, surpreendentemente com o tom casual, como se fossem quaisquer outros Cavaleiros do Santuário. Longe de ser amigável, mas bem natural.

Shaka respirou aliviado.

Afrodite então os convidou para sentarem junto, mas Shaka, educadamente, rejeitou, dizendo que tinham muito a fazer, de modo que iriam só petiscar mesmo. Mesmo assim, Afrodite deteve-o por mais alguns minutos. Queria ver quanto tempo Milo manteria a pose. O Cavaleiro de Escorpião detinha sua atenção num ponto qualquer do restaurante, não deixando seus olhos encontrarem os do rival. Não queria mostrar seu incômodo.

Já prestes a voltarem para seus lugares, Milo foi forçado pela situação a encarar o pisciniano, e em seus olhos viu refletido o prazer, o regozijo deste com a situação. Ficou com tanto ódio que não conseguiu mais se controlar.

– Shaka, já é meio-dia. – avisou ao amigo, num nítido "vamos embora".

– Oh, é, é tarde. Então, tchau, Dite, tchau, Camus; até mais, no Santuário.

Camus despediu-se com sua fria educação e alívio. Pelo visto, o furacão passara sem tormentas. Afrodite despediu-se de Shaka com sincera alegria por tê-lo visto e, depois, de Milo, dizendo que tinha sido um prazer trombar com os dois. E Milo, no tocante a ele mesmo dentre "os dois", traduziu o comentário como: " Foi um prazer você me encontrar aqui hoje, com Camus". Sorriu de volta e naturalmente respondeu:

– É sempre um prazer encontrá-lo, my litle boy.

Apesar de nunca terem ouvido-o chamar Afrodite daquela maneira, Shaka e Camus não viram naquilo nenhuma provocação, mas a expressão do sueco ficou séria, imediatamente.

– Você sabe, Milo. – advertiu Afrodite, deixando um pouco de sua raiva transparecer.

– Sei. É essa semana, não? Estava pensando em dar uma ligada...

Viera a tormenta. Afrodite levantou-se bruscamente e bateu as mãos na mesa, com um mínimo de força a menos para quebrá-la. Se fosse um pouco descontrolado, o Santuário teria que ressarcir a mesa, e isso daria uma baita dor-de-cabeça para o pisciniano. Que pena.

– Atreva-se.

– Impeça-me.

Em uma fração de segundo, Camus e Shaka estavam entre os dois e Shaka arrastava Milo para fora do restaurante, para evitar uma briga ali. Assim que os dois saíram, Afrodite sentou-se novamente, irradiando uma aura assassina.

Camus voltou a seu lugar e não falou nada. Ficaram em silencio até Atena e Aldebaran chegarem, super-atrasados, para a reunião. Até lá, Afrodite continuou com cara de poucos amigos.

Shaka, como de costume, não tocou mais no assunto.

O incidente o fizera lembrar de um detalhe que quase sempre lhe passava despercebido: o fato de que apesar de saber muito de Milo havia coisas que ele não sabia, e todas elas estavam relacionadas com o seu antigo relacionamento com o Cavaleiro de Peixes. Tinha curiosidade. Queria saber o significado daquelas palavras, para ambos. Mas sabia que nada adiantaria perguntar. O único que sabia o passado de Afrodite era Milo. E o único que realmente sabia tudo sobre Milo era Afrodite. Eram as coisas das quais Milo não falava, sempre justificando com o fato de ter abandonado seu passado quando decidiu se tornar um Cavaleiro. Mas entre Milo e Afrodite o passado não parecia ter sido abandonado, vivia latentemente. Apesar de ter certeza de que era preferido ao sueco no coração do escorpiano, aquele sentimento de ciúmes sempre ganhava força em situações como aquela. Tudo o que todos sabiam de Milo Shaka sabia pelo próprio Milo, e tantas coisas mais, mas o fato de ter alguém que sabia com exclusividade algo do amigo era muito incômodo. Mas, tudo bem, um dia Milo lhe contaria tudo, quando estivesse pronto.

Seguiram seus planos para o restante do dia, que culminava com a ida à balada. Milo estava animado com a idéia de ser vouyer novamente. Já dera várias opiniões do que o amigo deveria fazer com a garota para tornar tudo mais excitante para Milo. Nem era necessário, pois apesar de não transarem, os dois amigos se conheciam muito bem nesse sentido, sabiam do que o outro gostava mais do que seus parceiros. Aprenderam muito juntos, conversaram muito a respeito e assistiram muito um ao outro. Eram praticamente gêmeos nesse aspecto, gostavam das mesmas coisas. Ou quase. Só havia uma exceção: Milo também gostava de ficar com homens, Shaka não.

Estavam na boate tão logo ela abriu suas portas. E não demorou para ambos estarem com várias garotas se esfregando neles. Eram lindos e chamavam muita atenção, nunca demoravam para "pegar" alguém, podendo, normalmente, escolher qual queriam. Naquela noite, caçavam uma liberal para pôr em prática seus planos; dificilmente encontravam uma assim logo no início, tinham que esperar mais pelas bêbadas mesmo. Porém, logo de cara, Shaka encontrou uma ruiva, que bebia Whisky e cerveja, totalmente liberal. Chamou logo Milo e foram aproveitar o restante da noite em três, em um dos quartos de que dispunha o Madame Bovarry, especialmente para ocasiões como aquela.

Nem perguntaram o nome dela, idade ou qualquer outra informação do tipo. Não fazia diferença, uma vez que não tinham a menor intenção de vê-la novamente. Milo começou como expectador, assistindo ao amigo e à ruiva, mas não demorou para "participar da festa". Fizeram tudo o que tiveram vontade nas quase duas horas que ficaram com a garota, e teriam ficado mais e feito mais se o escorpiano, subitamente, não tivesse uma crise depressiva. A garota era francesa, ruiva e começara a murmurar algumas frases em sua língua natal durante a transa. Tão Camus... Em aparência, era muito diferente, mas, como diziam, "no escuro todos os gatos são pardos". Naqueles quase três meses separados, Milo ainda não tinha encontrado alguém que lembrasse seu amado tanto quanto ela. Bateu-lhe uma tristeza incontrolável, um sentimento de perda, uma dor no peito tão forte que ele não conseguiu se controlar e correu para o banheiro, para pôr sua cabeça em ordem. Não queria mais ser fraco. Não queria continuar chorando pelo Cavaleiro de Aquário. Aliás, não queria chorar ali, sem motivo aparente, do nada. Mas lembrava-se de Camus, de Afrodite, e não conseguia afastar a ideia de que os dois poderiam muito bem estar fazendo naquele momento, juntos, a mesma coisa que Milo fazia no Bovarry. Pelo jeito, aqueles meses não tinham sido suficientes para cicatrizarem seu coração. Achou que se não falasse do ex-amante curaria mais rápido suas feridas, mas não conseguira passar um único dia sem pensar nele e sem que tivesse que se controlar para não correr para a Décima Casa, atirar-se aos pés de seu cavaleiro, dizer que tinha sido um idiota e implorar que o recebesse de volta. Às vezes achava que não faria diferença o fato de ainda não o ter perdoado pela traição com Afrodite, que isso viria com o tempo. Todas as noites sentia falta de Camus ao seu lado, de sua pele gélida e macia, de seus toques, de sua voz, de seu jeito insensível. Podia não dizer que o amava, podia não demonstrar o amor como Milo gostaria, mas ele sabia que o francês jamais aceitaria tal proximidade se não sentisse algo muito forte pelo companheiro. Além do mais, apesar da insensibilidade aparente, Camus só sorria para ele, era mais aberto para ele... Pelo menos assim era. Talvez, àquela altura do campeonato, Afrodite já tivesse conquistado tudo aquilo, e quem sabe um pouco mais. E doía essa ideia mais do que qualquer outra.

Shaka não entendeu o motivo do abandono súbito do amigo, mas atirou a garota para o lado e foi a seu socorro, fosse lá qual fosse o motivo. Ele não enxergava a alma de Milo com tanta nitidez quanto Afrodite poderia fazer, mas via o suficiente para saber que o encontro com os dois cavaleiros de ouro no restaurante pouco mais de 12 horas antes mexera muito com o amigo, agravado pelo fato de estarem com uma ruiva francesa que deveria ter trazido algumas lembranças ao escorpiano. Decidiu levar o amigo embora, e saíram sem se preocuparem em explicar algo para a antiga companheira daquela noite. Já fora do Bovarry, Milo pediu para não voltarem ao Santuário ainda, para ficarem em algum outro lugar por um tempo. Tinha uma praça ali perto. Sentaram os dois em um banco e ficaram calados. Milo deixou-se chorar, afastado dos olhos de todas as pessoas, exceto Shaka, e deixou-se ser abraçado ternamente pelo amigo, como sempre fazia. Desde que prometera nunca mais chorar pelo mesmo motivo, por Camus, já quebrara a palavra dezenas de vezes, mas aquela era a primeira vez que chorava na frente do virginiano desde o dia do rompimento. As demais tinha conseguido se controlar para momentos de solidão, especialmente no banho. Não queria que o indiano se preocupasse novamente, que fosse falar com Camus ou com Afrodite, que percebesse o quanto ainda lhe doía tudo.

Acabaram voltando ao Santuário uma hora após terem saído da boate. No caminho para a Sexta Casa encontraram, novamente, Camus, saindo da Casa de Aioria. O Cavaleiro de Aquário estranhou a hora em que os dois chegavam, pois nem chegaram às 2h da madrugada e já haviam retornado, quando o normal seria aparecerem junto com o nascer do sol.

– Os Deuses querem que nos encontremos, não? – comentou Shaka, utilizando-se da "política da boa vizinhança", uma vez que tinham que subir juntos até a Casa de Virgem mesmo.

– Pelo jeito – respondeu Camus, com sua frieza natural.

– É raro você estar andando por aí tão tarde... ou cedo, tanto faz.

– Assim como vocês chegarem tão cedo.

– Pois é! Mas fazemos tanto barulho assim que você escuta da sua casa?

– Aldebaran sempre comenta.

– Sempre Aldeban...

Falaram sobre mais algumas coisas sem valor, como o céu estar nublado e parecer que iria chover no dia seguinte, apenas para fingir uma conversa durante o percurso. Milo manteve-se calado, andando um pouco atrás de Shaka, que caminhava quase ao lado de Camus. Escorpião não queria ter que falar com o cavaleiro de gelo, não sabia se não iria ter uma recaída, voltar a chorar, agir mais friamente do que de costume ou tentar reatar o relacionamento. Shaka sabia disso, por isso tomou para si a iniciativa da conversa. Faria de tudo para que Milo ficasse bem. Sempre faria, sempre tinha feito.

Despediram-se na casa do indiano e Camus seguiu seu caminho, estranhando o silêncio de Milo. Será que estava envergonhado pelo papelão no restaurante? Se bem que nem chegara a ter um barraco. Aquilo tinha sido uma briga, não? Mas Milo não era do tipo que ligava para esses "detalhes", como sempre dizia. Devia, na verdade, ter tido uma péssima noite com uma baranga qualquer, quem sabe, e estivesse de mau-humor por isso. Apesar de não estarem juntos há quase três meses, ainda sentia uma pontada no peito toda vez que imaginava Milo com alguma de suas garotas. No fundo, não queria ter se separado do amante. Não estava bem com aquilo. Se já tivesse pelo menos digerido os acontecimentos e se conformado, com certeza já teria conversado com Minerva sobre o assunto, mas ainda não se sentia à vontade para tanto. Minerva era a única pessoa, além de Milo, a quem Camus mostrava um pouco de si. Falava mais para ela sobre seus sentimentos do que jamais falara com o escorpiano, especialmente porque a maioria das vezes falava sobre ele. Não sabia o porquê confiava tanto nela, tampouco o porquê cedia e acabava respondendo a todas as suas perguntas, apenas sabia que ela o fazia falar. Quando começou aquela amizade, Camus tinha certeza de que Milo ficaria enciumado e faria um escândalo, mas, para sua surpresa, o companheiro aprovou e incentivou aquela aproximação. Dizia que era bom para Camus ter mais amigos. Nas entrelinhas, dizia que não via em Minerva risco algum de concorrência, senão com certeza não teria aceitado, ciumento do jeito que era. Um de seus defeitos, entre tentas qualidades que Camus amava.

Shaka e Milo não demoraram muito a deitarem. Dormiram juntos, com o virginiano acariciando os longos cachos dourados do amigo. Queria poder sentir a dor por ele, queira poder fazê-lo estar sempre bem e feliz. Para ele, abaixo de Atena, Milo era sua pessoa mais importante. E faria tudo o que estivesse ao seu alcance para curar suas feridas.

O sol surgiu em todo o seu esplendor, trazendo um lindo dia para os cavaleiros. Em sua beleza, não havia nem traços da meia-noite dolorosa de Milo. Seis horas podiam enxugar quaisquer lágrimas de amor e sofrimento.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Opa! Demorou mais do que eu esperava, mas saiu o 3º capítulo, yey! ºoº/ Confesso que eu, pelo menos, não fiquei muito satisfeita com o resultado (eis o motivo da demora), mas fazer o quê, ele é necessário para o restante da história, né? Espero que os próximos fiquem melhores...
Agradeço IMENSAMENTE os comentários! É uma grande responsabilidade agora continuar a história XD~ Por favor, ainda que um capítulo os desagrade, continuem lendo até o final, sim? i.i~ Há muitas coisas por vir, muita água a correr, muitas mágoas e paixões! E garanto um Afrodite revolucionário XD~ A história está programada para ser contada em 18 capítulos (OMG, é muito! O.O"), mas os capítulos não serão muito maiores do que estes.
Só respondendo a última parte do comentário da Gaia Syrdm, o título Shamandice é a junção do título do último capítulo, Sham and ice, baseado, mesmo, na música do Sonata Arctica, Shamandalie, que me lembrou Chamas e mentira (apesar de Sham não ser chamas, mas, enfim) e eu resolvi utilizar a ideia para contrapor com Ice (gelo). A tradução (correta) é "Falsidade e gelo", mas também pode ser "Dados e Falsidade", que poderíamos aproximar à ideia de um jogo de dados, na qual cada face não é o que diz ser, vem com uma farsa estampada, um jogo de mentiras e farsas. Sabe, todo mundo sendo falso com todo mundo, inclusive com si próprio? Tem quatro "protagonistas" nessa fic (a saber: Milo, Camus, Shaka e Afrodite), e é um "sente, mas finge não sentir" pra todo lado, especialmente dois deles, mais para frente. Aí teríamos as seis faces de um dado. Ok, ficou confuso. Fiquemos com "Falsidade e gelo" que é melhor... Em síntese: no capítulo 18 (provável número), tudo fará sentido. Ou pelo menos eu espero XD~
Enfim, é isso. Agradeço a todos os que leram, e mais ainda a quem deixou review. É um incentivo a continuar escrevendo!
E desculpem algum erro gramatical/ortográfico/semântico!



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