Transtorno De Boderline escrita por Liz03


Capítulo 7
Dissonia


Notas iniciais do capítulo

Eu ando demorando bastante, sei disso. Mas é que ando também com muita coisa para estudar. Mas vou postando, com a lerdeza que vocês percebem, mas postando.



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Dissonia é uma categoria usada pela OMS para se referir a distúrbios de sono classificados como problemas do sistema nervoso (letra G do CID 10), predominantemente orgânicos, mas com fatores psicológicos importantes.

Chego. Tranco a porta. As taças de vinho estão sob a mesa. Tudo parece mais uma prova da minha estupidez, agora, resta apenas minha vergonha de mim. Vergonha, de ter acreditado, de ter amado, de ter sonhado. E as lágrimas que contornam meu rosto me envergonham mais ainda, só que eu gosto delas, na verdade, eu mereço, sim, sofrer. É bom, como uma cicatriz que lhe força a lembrar do machucado. Mereço sofrer muito mais. Vou para minha cama e aperto o travesseiro, mordo o lençol , eu quero gritar, urrar, mas não me restam forças, estou muito ocupada sofrendo. É madrugada e não quero ligar para ninguém ainda, devem estar dormindo e nem sei se consigo falar. Sofrer, sofrer eu consigo.

Passo a noite olhando para o teto ponderando se, caso eu quisesse, poderia ou não dormir. Acho que não, sou capaz de apostar. As cenas da noite vêm rapidamente. Como pensei que ele estivesse machucado, como pensei que estava tentando salvá-lo. Rio. Não, gargalho. Se eu não sou a maior idiota que esse mundo já viu, realmente, não sei quem poderia ser.

07:00 h . Preciso ir trabalhar, não, não quero, mas tenho que ir. Porque as pessoas não escolhem quando precisarão de médicos. Então deixo a água quente queimar um pouco minha pele, esfrego o rosto, seco o corpo e visto qualquer coisa.

07:30 h. Vou até a lanchonete e compro um café, mal tomei o primeiro gole quando um enfermeiro me diz que o doutor Oscar quer falar comigo, sigo até sua sala.

– Quer falar comigo, doutor?

– Doutora Pan, sente por favor – ele me olha em silêncio por alguns segundos – Não sei

– Não sabe o que?

– Não sei qual o diagnóstico, você não parece bem, mas não sei o que é

– Problemas pessoais...

– Hum...bem, somos amigos, algo que eu posso fazer ou ...

– Não – encerro a conversa que definitivamente não quero ter, ainda mais com o meu chefe

– OK...- ele abaixa os olhos, pega uns papéis, volta a me examinar, retorna , enfim, a sua feição normal – Precisarei viajar e gostaria de delegar a você os cuidados de dois pacientes meus – quando abro a boca para argumentar que sou clínica geral e não neuro ele se antecipa- Eu sei que sua especialidade não é a neurologia, e o neuro vai acompanhá-los também, mas quero você por perto, está bem?

– Tudo bem

– Olívia e Victor, você já esteve com eles, lembra?

– Sim, ela ainda estava sem diagnóstico e ele tem um tumor no cérebro, certo?

– Isso, descobrimos que o que ela tem é, muito provavelmente, uma encefalite viral , ela teve sarampo há menos de seis meses . Ele está tomando as medicações e estamos analisando a possibilidade de uma cirurgia, tudo vai depender do que dirão os exames que devem sair ainda hoje ou até amanhã, você me mantém informado

– Certo

Pego as fichas dos pacientes e sigo para ver a menina. Ela está vendo desenhos na televisão, o pai está checando alguma coisa no celular e a mãe tinha saído há pouco tempo para resolver alguns problemas burocráticos. Faço os exames de rotina, até que ela cutuca meu ombro e entrega um lenço tirado de uma caixa colorida.

– Eu também choro às vezes

– Eu não estava chorando

– Estava sim

– Não, não estava não

– Estava sim

– Não estava, sério

– Não tem problema chorar, minha mãe disse que todo mundo chora

Eu estava pronta para dizer que não estava chorando, mas Olívia parecia mais calma, madura e consciente do que eu. Então agradeci o lenço e agradeci o conselho, também me desculpei por ter mentido, ela disse que não tinha problema e me deu um abraço. Sai do quarto me sentindo muito melhor do que quando entrei.

– Bom dia, Victor – digo entrando no quarto

– Doutora – diz fazendo um movimento de cabeça

Executo o procedimento de rotina, anoto suas melhoras.

– Como anda a vida,doutora?- diz com a voz ligeiramente rouca

– Na medida do possível – sigo com as anotações

– Mais que bosta ein...

– O que?

– Bosta de eufemismo – ele ri ironicamente – Na medida do possível....nada bom....nada bom...

Cerro as pálpebras, estampo um sorriso amarelo e mudo de assunto.

– Como tem se sentido ultimamente?

– Hum.... – ele sorri como um menino que está prestes a aprontar algo com a irmã – Na medida do possível

Tiro os olhos das anotações, o encaro por alguns segundos, ele realmente parece estar se divertindo com isso, mas hoje é o pior dia da história da humanidade para se divertir as minhas custas.

– Os enjoos melhoraram ou pioraram?

– Os enjoos estão assim...na medida do possível – diz e ri da própria piada

– Realmente, o senhor é muitíssimo engraçado

– Eu sou engraçado e você é mal humorada, uma bela dupla

– Eu não sou mal humorada. Só não estou nos meus melhores dias

– TPM? – ele me olha por alguns segundos – Bateu o carro..?- mais alguns segundos- ...ou o cara te trocou por outra... – e ao olhar para mim dessa vez ele sorri – Foi isso não foi?!

Passamos alguns longos segundos nos encarando.

– Tem sentido dores de cabeça?- digo séria e mantendo o profissionalismo quando minha vontade era de bater a prancheta na cabeça dele

– Um pouco – ele diz finalmente colaborando com a consulta – Mas menos do que você

– Muito engraçado de novo

Ele ri. E pega um caderno que está ao lado da cama. Passas as páginas e posso ver entre uma folha e outra algumas coisas escritas, alguns desenhos ou apenas um monte de rabiscos. Enfim, se ajeitou na cama para ficar com uma postura mais ereta, empunhou o caderno e interpretando cada palavra disse:

“Triste de quem é feliz!

Vive porque a vida dura.

Nada na alma lhe diz

Mais que a lição da raiz-

Ter por vida a sepultura


Eras sobre eras se somem

No tempo que em eras vem

Ser descontente é ser homem.

Que as forças cegas se domem

Pela visão que a alma tem!”


Fico olhando para o caderno, então ele prossegue:

– Fernando Pessoa. Eu e ele concordamos que ser feliz não tem a menor graça, e se tem graça você provavelmente já está morto, só não sabe ainda

– Bem....acho que isso foi um consolo

– Mas! Se você é daquelas que ainda acham felicidade uma boa coisa vou dizer, com um arrependimento na minha voz vibrante, contudo direi ainda sim, que o seu ex-amor não era seu afinal, ou pelo menos não era amor, uma das duas opções – com a mão ele faz uma reverência como no fim de uma peça

Um sorriso aparece com esforço no meu rosto, mas ainda sim um sorriso. Não consigo não achar no mínimo engraçado , para não dizer bizarro,todo esse discurso.

– Pronto! Vejo que a doutora “na medida do possível” já voltou a sorrir, mereço um prêmio, mérito meu

– Vou providenciar uma porção extra de gelatina de abacaxi no seu almoço de hoje

– “ A mão que afaga é a mesma que apedreja” – retorce a boca numa interpretação que representa minha ingratidão – Gelatina de abacaxi.... como posso ficar mais contente? Como você é generosa doutora Pan....

– Dessa vez foi engraçado de verdade – rimos

– Pode ser de morango pelo menos? Vamos...eu fiz você rir, e não foi fácil...

– Ok, ok, vou ter que arrumar um modo de fazer a nutricionista rir, mas conseguirei. Agora sério, como tem se sentido?

Ele relata alguns enjoos, nada que fugisse do tratamento. Faço mais algumas perguntas e saio enfim. O dia não foi longo o bastante, na verdade, eu não queria voltar para casa. Mas quando voltei não tive escolha, liguei para Zoe e ela veio com muitos chocolates e uma lista quilométrica de argumentos, de razões pelas quais o Gustavo não me merecia, que ela nunca tinha ido com a cara dele. Ela disse que dormiria no meu apartamento hoje, e isso me deixou muito melhor, já que, a última coisa que eu queria era ficar só com os meus pensamentos traídos, porém nem mesmo a presença dela, nem mesmo o conselho da Olívia de que chorar é normal, nem mesmo o poema do Victor, nem todo o chocolate do mundo me fariam dormir naquela noite. Pego os fones de ouvido, aumento o volume até não sobrar espaço para minha própria voz na minha cabeça. Come se non fosse stato mai amore, começa a tocar. As lágrimas correm ainda mais rápido, diminuo o volume. Música errada, música errada....


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Notas finais do capítulo

Algo me diz que esse capítulo foi chato pra caramba. Tudo bem se tudo que vcs tiverem a dizer for isso.
Bjs o/