Houve Dois Verões escrita por AHB


Capítulo 4
Sobre Apenas Um Sentimento




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O frescor da juventude estava em você quando nossos
olhos se encontraram pela primeira vez
E eu sabia que eu tinha que chegar perto de você e fazer parte
da sua vida


Bellatrix piscou os enormes olhos, tentando esconder as lágrimas, quando notou que alguém se aproximava.


- Você?


Sirius respondeu, sem olhar para a prima:


- Eu tenho tanto direito de sentar na laje quanto você!


- Você não pode ir embora? - Bellatrix perguntou, sentando-se no canto oposto ao que o rapaz ocupava.


- Sinceramente? Não! - ele respondeu, sério, ainda que fosse uma provocação.


Bella crispou os lábios, sem dizer nada.


- Ha! Ficou sem resposta! - Sirius comemorou, pois isso a irritaria mais ainda. Porém ela apenas demonstrou cansaço e respondeu de forma inesperada:


- Sirius, eu só queria ficar sozinha, por favor, vá embora!


- Não precisamos conversar, sente aí com os teus pensamentos, que eu fico aqui com os meus! - ele continuou, curioso com o peculiar comportamento da prima. Estava acostumado com uma Bellatrix mandona e truculenta. Apoiou os pés numa gárgula coberta de limbo, fazendo um ar blasé.


- Você adora ser chato, não é, priminho...? - Bellatrix comentou, quase num sussurro, estreitando os olhos de maneira perigosa, agora bem mais parecida com a garota terrível que costumava ser.


- Oh, língua ferina! - Sirius riu de um modo maroto - Mas o que você veio fazer aqui em cima? Não ia se jogar, ia? É uma "bela" queda... Quatro andares, sabe?


- Não seja tolo! Para que faria isso? - Ela se levantou, mostrando-se indignada e surpresa com a fala do primo.


- Bem... - ele começou, fazendo-se de pensativo - Você estava chorando. - ela tentou protestar ao ouvi-lo dizer isso, mas Sirius simplesmente a ignorou e continuou a numerar os acontecimentos peculiares como se não tivesse nenhuma importância - Você parecia aborrecida, não foi irônica lá na escada... E você NUNCA sobe aqui, aí eu pensei "Ela vai querer dar um fim nisso!"


Bellatrix encostou na grade enferrujada da laje, tentando parecer desinteressada. Ainda assim, perguntou:


- Nisso? A que se refere?


Sirius sorriu de modo amargo:


- A essa vida vazia, fútil, sem graça... Eu sei que você também sente isso, percebi no momento em que te encontrei nas escadas. Estava nos seus olhos, sabe? - ele pareceu acordar repentinamente de um estado de transe e adotou, então, um ar carrancudo - Mas por que estou te falando isso? Vai, vaza daqui!


- Olha aqui, moleque! - Bellatrix apontou o dedo na direção do primo, dessa vez realmente irritada.


Eu me senti com a cabeça leve quando essa estranha me tocou
Um assalto às minhas defesas e elas falharam sistematicamente.
Porque você veio num momento
Quando o sentido de um grande amor se resumia
em ser tudo ou acabar com tudo


Bellatrix deu dois passos decididos em direção a Sirius, então reparou como a laje era alta. Teve uma tontura e apoiou-se na grade. Tão enferrujada estava, acabou cedendo. Com um salto felino, Sirius aparou a queda da garota enlaçando-a pela cintura. Caíram no chão da laje com um baque surdo, ele de costas e ela sobre ele.


Sem pensar, sem se importar com as lágrimas caindo livremente, Bella apertou o rosto contra peito do primo. "Desculpa, desculpa, eu não queria morrer, não de verdade! Eu juro que não queria! Desculpa! Por favor!”


O amor é apenas um sentimento (se desgarrando)
Quando estou em seus braços eu começo a acreditar


(que está aqui pra ficar)
Mas o amor é só um sentimento, afinal


Sirius jamais se imaginara nessa situação, mas não esperava, se é que já havia pensado nisso, que Bellatrix pudesse realmente chorar, lágrimas gordas e quentes, capazes de molhar toda a frente de sua camisa. Sentiu pena dela e surpreendeu-se ao perceber que o corpo dela era tão quente quanto as lágrimas. Ele também quis chorar, embora achasse que fosse por causa de ter batido as costas contra o chão duro. Estavam abraçados. Devagar, Bella ergueu o rosto molhado. Precisava disso naquele momento, entende? Sirius contemplou os olhos da prima, as pestanas compridas, cheias de lágrimas. Nem o choro a deixava menos bela. Fazia jus ao nome! Bela Bellatrix, má e fria. Tinha todos motivos do mundo para odiá-la. Bellatrix triste e sozinha. Se bem, que à sua maneira, ele também era assim. Os lábios dela estavam entreabertos, cheios, vermelhos, tentadores. Sabia que não deveria fazer isso, que era errado, absurdo e estúpido, mas os lábios formigavam, pedindo-se, atraindo-se! Então, como eram ambos assim, mandaram o mundo para o inferno e tudo que importava era que um bebia o outro, um mergulhava no outro. A única coisa que daria sentido a uma tarde abafada no Largo Grimmauld, nº. 12, Londres...


E o Verão ia alto.


O estado de elevação que a união desses corações atingiu
Eu vi, eu toquei, eu experimentei e eu realmente acreditei
Que a luz da minha vida
Atravessaria todas as nuvens que houvessem entre nós
Só pra reluzir em mim e em você


Os últimos raios solares transformavam o horizonte em um quadro impressionista. As cores avermelhadas, as nuvens róseas, o vento quase inexistente, a lentidão das pessoas voltando cansadas para suas casas, as sombras compridas dos cinzentos prédios londrinos e das árvores. Tudo fazia daquela tarde um momento de magia.


“Parece um sonho...” pensou Bellatrix Black, abrindo os olhos e contemplando o céu. Respirou profundamente. Estava deitada no chão, os cabelos escuros espalhados como um leque. Sentia-se entorpecida, maravilhosamente alheia da realidade. Olhou para o lado. Com a camisa aberta, os braços servindo de travesseiro, seu primo Sirius dormia profundamente. O sono pesado dos garotos jovens.


Sem entender porquê, ao encontrá-lo ao seu lado, Bella foi tomada por um sentimento inominável tão bom que nada tinha haver com o desprezo habitual que dedicava ao rapaz. Silenciosamente ela achegou-se ao primo, atenta a cada do rosto dele. Sirius era muito bonito, uma beleza displicente que o sono realçava, se possível, ainda mais. Meio vexada, Bella não pode deixar de reparar nos fiozinhos negros e macios que brotavam por todo o peito e pelo rosto do rapaz.


Daí ela pensou no que sua família diria se os vissem assim: deitados lado a lado no chão cinzento da laje. Iam pensar um monte de coisas. Monte de coisas… mas, afinal, o que acontecera? A última coisa da qual Bella tinha certeza era de estar extremamente perto do primo, depois disso... Deixara-se levar de tal forma que apenas sabia que os lábios dele tinham um sabor doce, algo como canela e açúcar. Chamou baixinho, uma certa preocupação na voz:


- Sirius!


Ele abriu os olhos escuros e brilhantes. Espreguiçou-se e sorriu daquele jeito despreocupado:


- Bella?! Nós dormimos?


Era estranho ouvir esse tipo de coisa de alguém que até então era um inimigo. Se bem que, eles não estariam conversando se Sirius não a tivesse segurado quando a grade cedera e isso era mais estranho ainda. Fez uma expressão mal humorada pra ele.


- Eu acho que sim, Sirius... Diga-me, por que você me puxou quando eu cai, quero dizer... Você me salvou!


Embora fosse quase noite, ainda estava muito quente. Sirius sentou-se, deixando no chão uma reprodução das suas costas feita de suor. O garoto estava achando muita graça na expressão preocupada da prima. Ela sempre fora muito brava, no sentido menos nobre da palavra.


- Sabe, Bella, é que eu sou grifinório, por isso gosto de salvar os outros.


Bellatrix apertou os lábios. Ela era boa em dissimular sentimentos então ele nunca soube se ela ficou desapontada ou se simplesmente estivesse ficando irritada com as ironias de Sirius.


- Ah, sei. E… - ela abaixou a cabeça, evitando os olhos dele - Sirius, o que aconteceu depois que... Que eu caí em cima de você?


Ele achou que foi uma droga de pergunta retórica. Ela sabia muito bem o que tinha acontecido, apenas não queria admitir. E agora estava ficando vermelha. Sirius fez a cara mais marota quando encostou o rosto no dela e sentiu-a se arrepiar. Falou num tom aveludado:


- Fiz o que tive vontade.


- O que você que diz...


Bellatrix nunca completou a frase, Sirius a beijou antes que pudesse terminar. Os lábios dele tinham mesmo gosto de canela e açúcar. E Sirius achou que os lábios dela tinham mesmo gosto de suspiro e ópio.


O amor é apenas um sentimento (se desgarrando)
Quando estou em seus braços eu começo a acreditar


(ele está aqui pra ficar)
Mas o amor é só um sentimento, afinal


A garota sentiu as mãos de Sirius procurarem suas costas, tentando despi-la da suéter de linho listrado. Trocavam beijos arrebatadores, completamente conscientes e estranhamente apaixonados. Bella achou que devia haver um decreto que proibisse beijos castos. Beijar era um ato de todo o corpo. Os dedos hábeis do primo não sabiam soltar sutiãs. “Nós ficamos loucos!” Já havia anoitecido, ainda assim o mormaço seguia implacável. “As nossas pernas estão se enroscando feito serpentes” Pernas, braços, pele, alma, beijos no pescoço. Sirius tremia de um jeito muito engraçado. Tremia mesmo, o corpo colado no dela. “Que engraçado!” Bella riu e jogou a cabeça para trás. O que Sirius via de tão interessante no seu pescoço e um pouco mais abaixo?


O amor é apenas um sentimento (se desgarrando)
E nós tivemos que parar de acreditar


(que está aqui pra ficar)
Porque o amor é apenas um sentimento...


As mãos de Sirius iam entrando pelo cós do short de Bella quando a garota disse:


- Se sua mãe chegar de repente, Sirius...!


Sirius liberou-a das caricias, muito aborrecido:


- Não fale nela, Bellatrix!


Então continuou, bem amargo, mais para si mesmo do que para a prima:


- Sempre aquela mulher horrível pairando sobre minha vida!


Enquanto recolhia a suéter, Bella contemplou a expressão carrancuda do primo por um tempo. Perguntou:


- Por que você não se dá com ela, Sirius? Por que você insiste em ser o rebelado da casa?


Ele não gostou nem um pouco. Replicou, secamente:


- É por que eu-sou-grifinório, sabe? Ela não suporta a idéia e se vinga tornando minha vida insuportável. E isso eu que não suporto!


- Ora! Ao menos se você tivesse consideração pelo nome Black! Aí, quem sabe...


Dessa vez não foi um beijo que interrompeu a frase da garota, mas os protestos indignados de Sirius:


- Hei! Hei! O que é o nome Black? Qual é o significado disso? Você diz que honra tanto o nome e vai mudar para “Lestrange” em dezembro!


- Não seja ridículo Sirius!


- Ridículo? Ridícula é essa mania de “sempre puro” de vocês! – Sirius disse “vocês” com tal asco. Ocorreram à garota uma profusão de sentimentos indefinidos, extravasados pela frase dita entre os dentes:


- Odeio você, Sirius! ODEIO!!! Você deveria ter me deixado cair! Traidorzinho do sangue!


O garoto lançou um olhar enviesado a Bella assim que ela calou-se. Sem dizer mais nada, recolheu a própria camisa e desceu a escadinha da laje. Bellatrix ouviu-o chutar o alçapão do sótão logo abaixo e descer para o corredor. Quando teve certeza que ele estava longe o suficiente, deixou-se dominar pela raiva puxou os próprios cabelos e gritou. Agudo e cortante, seu grito ecoou pela noite recém chegada. Por que ela havia subido até lá? Para quê? Maldito Sirius, detestava-o e detestava mais ainda só conseguir odiá-lo da boca para fora. Largou no chão um tufo de cabelo que arrancara. Fora tola, fora fraca, deixara as emoções dominarem. Mas já resolvera o que iria fazer: fingir que nada tivesse acontecido, o método Black. Maldito Sirius, desgraçado e insuportável. O pior de tudo é que ele beijava muito bem, melhor que qualquer outro, com gosto da liberdade que tanto desejava. E ela estava de casamento marcado com um peludo nojento... Uma inconveniente sensação de arrependimento alfinetou-a, não de ter beijado o primo, mas sim de não ter azarado Rodolfo Lestrange no dia em que o conhecera.


- Bellatrix Helena!!! – A voz rouca de Walburga Black, sua tia e mãe de Sirius, magicamente ampliada, ecoou pela casa – Cadê a senhorita?!


Bufando, Bella fez o mesmo caminho de Sirius para sair da laje. Sua vida perfeita parecia cair aos pedaços, como a gradezinha enferrujada. Isso levava a soluções extremas. E soluções extremas a empurravam direto para caminhos que ela sabia que de modo algum seria prudente percorrer. Ainda por cima a noite avançava, cada vez mais abafada e sufocante. Merda.


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