Peguei meu caderno e sentei na porta do quarto. Novos turistas começavam a se acomodar no hotel/pousada. Eram 6 p.m, ou 18 horas como é contado no Brasil, Pedro ainda não havia voltado desde a hora em que “conversamos” na recepção.

“O calor não me deixa pensar em você, ou vocês. O sol aquece a minha fria saudade de estar contigo. Você deveria ter me acompanhado nessa jornada rumo ao meu conhecido tão desconhecido.”

Eu escrevia até notar Pedro. Fechei o caderno, o arremessei em minha cama e fechei a porta do quarto.

“Pedro!” –Eu disse me aproximando.

Ele já ia subindo a escada branca que levava até outros quartos no segundo andar.

“Você é de onde?” –Perguntei.

“Por que quer saber agora?” –Ele perguntou se sentando no degrau.

“Já que vou passar um tempo aqui, não quero causar um desconforto.” –Eu disse.

Permaneci em pé na frente de Pedro.

“Sou do Cantagalo e você?” –Ele perguntou.

“Glória.” –Respondi. –“Mas fui adotada por uma inglesa e moro em Framlingham.” –Completei.

“Adotada?” –Ele perguntou se levantando.

“Sim. Uma longa história.” –Eu disse.

“Também sou.” –Ele disse.

“Não me diga!” –Fingi uma certa surpresa.

“É, fui adotado com cinco anos pela irmã da Ana.” –Ele disse. –“Meus pais foram levados pelo tráfico.” –Ele completou.

Nenhuma palavra ousava a sair da minha boca. Eu apenas observava o rosto de um menino que fora resgatado assim como eu. Talvez ele me entendesse um dia.

“E você, como foi adotada?” –Ele perguntou.

“Não quero falar sobre isso...” –Respondi.

“Tudo bem.” –Ele disse sorrindo e colocando sua mão sobre meu ombro.

“Ainda tem vagas aqui?” –Um homem perguntou na recepção.

Era o homem do ônibus.

“Ai meu Deus.” –Me escondi atrás do Pedro. –“Tenho medo desse homem, me esconde.” –Sussurrei.

Pedro me puxou até o segundo andar.

“Aqui não há mais quartos disponíveis, talvez eles não subam.” –Ele sussurrou.

Ficamos lá por meia hora. Nos sentamos no chão e nos encostamos na pequena parede da varanda.

“Eu deveria estar te odiando agora.” –Eu comentei.

“Mesmo?” –Ele perguntou.

“É, não gostei de você.” –Respondi.

“Acho que percebi.” –Ele disse rindo. –“E desculpa, eu não sabia que você era assim.”

“Assim como?” –Perguntei.

“Legal.” –Ele disse. –“Não dou em cima de meninas legais.” –Ele completou.

“Não? Porque?” –Perguntei novamente.

“Porque eu sempre vou partir o coração das meninas que eu fico.” –Ele respondeu.

Até que Pedro estava se saindo bem.

“Você namora?” –Ele perguntou.

“Bem... eu namorava, mas ainda sou apaixonada por ele e também estou dividida por outro garoto.” –Eu disse. –“E por que estou te contando isso mesmo?”

Pedro começou a rir e se levantou.

“Tenho que ir.” –Ele disse.

“Não mora aqui?” –Perguntei.

“Claro que não. Moro em Botafogo.” –Ele respondeu. –“Tchau.”

Pedro foi embora e permaneci sentada onde estava. Enfim, estava começando a me acostumar com o fato de estar no Rio. Me levantei e olhei a paisagem da varanda. Ao olhar pra baixo. Ana mostrava o hotel para o homem desconhecido. “Droga” pensei e me abaixei rapidamente.

“O que tem lá em cima?” –Pude ouvir o homem perguntar.

Neguei desesperadamente com a cabeça e os ouvi subir. Haviam cinco quartos e nenhum a porta abria.

“Os quartos já estão todos cheios.” –Disse Ana.

Me escondi atrás de uma pilastra, que dava para a frente do Hotel.

“Vamos descer.” –Disse Ana.

Contei até sessenta e sai de trás da pilastra. Continuei no segundo andar e ouvi Camilla cantarolar lá embaixo. Fui até a escada e estalei os dedos. Atraída pelo som, Camilla olhou pra mim. Fiz um gesto para que a mesma subisse e ela veio de encontro a mim.

“Aquele homem de terno já foi?” –Perguntei.

“Sim!” –Ela disse com um pirulito na boca. –“Ele que me deu isso.”

Peguei o pirulito da boca dela.

“Não deveria aceitar coisa de estranhos.” –Eu disse.

Camilla ficou me olhando e afirmou com a cabeça. Ela não largava essa boneca Lenora. Camilla desceu as escadas correndo, fui logo atrás e joguei o pirulito no lixo. Meu celular estava no quarto e pude ouvi-lo tocar. Corri até ele e o mesmo parou. Era Ethan. Todo dia ele me ligava, mesmo dizendo que só voltaria a ligar no réveillon.

“Incrível como eu nunca estou por perto pra atender sua ligação. Prometo que no ano novo eu estarei. Se cuida.” –Mandei uma mensagem.

Eu não deveria estar prometendo nada, odeio promessas. Todo mundo acha que elas foram feitas para serem quebradas e sempre acabam sendo. Eu sentia como se nunca tivesse deixado o Rio de Janeiro, o jeito que Ana nos acolheu, parece que sempre vivi ali com elas, mas ao mesmo tempo eu queria sumir de lá.

“Yolanda?” –Chamou Camilla batendo na porta.

Abri a porta e Camilla estava lá com sua Lenora.

“O que foi?” –Perguntei.

“Me conta mais sobre Flamengo.” –Ela disse.

“Sobre o que?” –Perguntei de novo.

“Flamengo! Onde você mora.” –Ela disse balançando a Lenora.

“AH!” –Eu comecei a rir e me sentei na porta. –“Framlingham.” –Eu disse rindo.

“Então, isso ai.” –Ela disse parada na minha frente.

“Lá neva, sabia?” –Perguntei.

“Neve? Aquela coisa branca que cai do céu nos filmes da TV?” –Ela perguntou.

“Sim!” –Confirmei.

“E por que não trouxe?” –Ela perguntou.

“Com o calor, elas derretem e viram água. Que nem gelo.” –Eu disse.

“Mas era só colocar na geladeira quando chegasse.” –Disse Camilla.

A inocência de Camilla era algo admirável. E pensar que com a mesma idade, eu já não era mais assim.

“Quando é seu aniversário?” –Perguntei.

“10 de janeiro.” –Ela respondeu.

“Pena, não vou estar mais aqui, mas te darei um presente antes.” –Eu disse passando a mão direita em seu rosto.

Camilla abriu um largo sorriso e lhe faltavam dentes. Quando menos esperei, Camilla já estava me abraçando e acho que foi o abraço mais sincero que eu já recebi em anos.

“O moço sabe que você está aqui.” –Ela disse sussurrando no meu ouvido.