Bavarois escrita por Petit Ange


Capítulo 39
Capítulo XLVII




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XLVII

 

Na penumbra daquele lugar, ergui meus olhos e encarei seus orbes azulados como o fundo de um lago. Já havia visto-os sérios daquele jeito, mas jamais tão... Não, eu não saberia explicá-los de fato.

Havia nos olhos dele algo que eu realmente tentei, mas não podia expressar com palavras. Ia muito além da minha compreensão oratória.

Era como um brilho efêmero de fome e desespero, avassalador como uma tempestade e gentil como a brisa quente do verão, que se tornava particularmente penetrante quando fixado em algo, no caso, meu rosto. Era como se eu estivesse sendo tragada por um mar de infinito azul, só que muito mais profundo, como se naquele azul descansasse a eternidade.

- I-infeliz...?

Só pude-lhe sussurrar isso em resposta. Tão logo ouviu minha voz, foi como um convite para que se inclinasse sobre meu rosto e tomasse-me os lábios, afogando as palavras que eu tanto queria ter proferido antes.

Não imaginei que ele estivesse mesmo falando sério. Mas tampouco me importei com isso. Senti o que parecia ser minhas entranhas borbulhando juntamente com meu próprio corpo numa torrente de sensações inebriantes quando deixei de retesar o corpo e permiti que meus braços roçassem o peito que subia e descia descompassado e minhas mãos rumassem até seus ombros, agarrando-os com uma sofreguidão que não achei-me possuidora.

Ouvi meu próprio arfar, surpresa, percebendo que já estava entontecida, recoberta pelo que parecia ser uma segunda camada de pele, feita totalmente de terminações nervosas que se moviam em uma perfeita harmonia, todas buscando aquele toque singular das mãos de Mitchell por meu rosto.

Senti-lhe, repentinamente, os lábios roçarem em meu queixo, descendo até meu pescoço. Não me ouvi mais respirar, e deduzi que eu a havia prendido. Pensar já era uma extenuante tarefa, e tornou-se ainda mais difícil quando percebi que minha espinha mandava sinais para que meu corpo arrepiasse-se totalmente assim que ele deslizou por ali.

Mitchell parou num ponto perto de minha garganta, e eu me perguntei até quando, livre um pouco apenas do que parecia ser uma cortina nebulosa de excitação estonteante, e então, ele mordeu-me de leve, bem ali.

Sim, eu poderia ter agüentado se ele tivesse apenas parado, ou mesmo se tivesse continuado com aquela trilha de beijos delicados.

Mas tão logo sua mordida foi absorvida por meus sensores da derme, um gemido brotou do fundo de meu peito, e de forma tão natural e inconsciente que só percebi que não mais era um suspiro quando o corpo do lord Sunderland, repentinamente, ficou totalmente retesado.

- ...Maldição.

Confusa com aquela reação, percebi Mitchell levantando-se e se sentando na beira da cama, onde eu estava até então. Ele passava a mão pelos cabelos, como se aquele ato estivesse-o tranqüilizando daquela agonia prazerosa como foi comigo. Podia ouvir, se prestasse atenção, sua respiração descompassada, também como a minha.

Quase que desnorteada, ergui-me com a ajuda dos cotovelos.

- Mitchell? – chamei-o, temerosa de sua reação.

Com alívio, vi que ele controlou-se ao máximo e se virou, me encarando nos olhos. Os olhos ainda tinham aquele brilho estonteante e inexplicável que conservavam quando me observou de suas alturas.

- Sim? – e ele respirou fundo antes de sussurrar-me isso. Sua voz estava rouquenha e baixa, perigosamente denunciando o “descontrole” de outrora.

- O que aconteceu?...

Passando a mão mais uma vez pelos fios loiros (mais um pouco e aquilo ia me angustiar muito. Tinha quase a impressão de que ele queria os arrancar), como se eu fosse retardada (e isso me trouxe um déjà vu), ele explicou pausadamente. – Nós nos exaltamos um pouco e estávamos trocando carícias um pouco íntimas demais, boneca...

- Poupe-me do óbvio! – resmunguei. – O que quis dizer é: por que você parou?!

Percebi que Mitchell pareceu bastante surpreso com aquela minha pergunta. E me olhou de uma forma que tive de baixar os olhos, constrangida ao entender o sentido em que se podia interpretar.

- Não achei que quisesse continuar, boneca. – me explicou. – Veja bem, temos um histórico de abusos consideráveis... Além disso, nos conhecemos a menos de três meses, acredito, e sequer somos noivos, oficialmente falando.

Franzi o cenho. – E?

- Então, por respeito a sua honra e à minha sanidade, acredito que seja melhor encerrarmos as atividades por aqui. – e Mitchell forçou um sorriso. – Eu preciso dormir, foi um dia cheio, hoje. Estou exausto. E você também, provavelmente. Por isso, seja uma boa menina e vá para seu quarto.

- Você está sendo ridículo, Mitchell. – emendei. – Está com medo!

Desta vez, quem me encarou com total descrença foi ele. – Cora, querida, não está achando que eu vou cair nessa provocação infantil, está? Tenho vinte e dois anos. Da próxima, seja ao menos criativa.

Ignorando aquela face irônica e o corpo petrificado, ergui-me e inclinei meu corpo até o dele, abraçando-o sem encontrar nenhuma resistência e nenhuma aceitação. Um corpo neutro como as bonecas de porcelana e seus olhos cegos que tanto me assustavam.

Percebi naquele instante com que esforço imenso Mitchell lutava contra os próprios desejos, obstinado naquela luta de não ceder ao impulso de também corresponder ao meu abraço, como percebi ao ver seus punhos cerrados.

- Já tive medo uma vez. Mas, se te contei que já tive isso, foi porque confiava em você... – disse-lhe em uma voz sussurrada contra seu pescoço. – E eu confio em você agora também.

- ...Você não sabe o que diz. – replicou-me.

Suspirei. Achei engraçado, de certa forma, porque, afinal, eu estava sendo o cavalheiro que guia sua dama para encorajá-la.

- Eu sei exatamente o que estou dizendo.

- Está se deixando levar pelo momento, Cora. – ele respondeu-me, e eu senti, timidamente, a sua mão encostar-se a meu braço. Estremeci. – Pode parecer bom agora, mas e depois? E amanhã? E quando você engravidar acidentalmente? Não será o mesmo mar de rosas.

De certa forma, o objetivo dele foi alcançado: eu senti como se a realidade tivesse me esbofeteado nada gentilmente.

- Aproveite que eu sou um cavalheiro, bonequinha, e vá embora, e eu não contarei isso para ninguém. Continuaremos nessa relação inexplicável de quase-casados, mas... Sem esse tipo de intimidades agora, entende? – completou, deslizando os dedos na superfície da pele de meu braço.

Tudo que fiz foi fremir os lábios. E, subitamente alumiada por uma súbita compreensão, deixei que meu rosto saísse de seu esconderijo na curva do pescoço dele e encarasse os mesmos olhos azuis que tanto me destronavam de minha auto-segurança.

- ...E se eu falar que está tudo bem?

Erguendo a outra sobrancelha, imprimindo no rosto um misto de susto e descrença (outra vez), Mitchell sacudiu suavemente a cabeça em uma negação veemente. – Então você é louca.

- ...E se eu não me importar de ser louca? – continuei.

- Chega, Cora.

- ...E se eu disser que não desejo parar?

Com uma surpresa entremeada de súbita satisfação, percebi que a mão dele deixou de traçar uma linha imaginária em meu braço, e veio alojar-se como sempre em minha cintura, enlaçando-a.

- Ainda somos “noivos” (ou algo do tipo), boneca. – alertou-me.

Sem pensar, numa inspiração automática, meu rosto aproximou-se do dele e meus lábios trêmulos de expectativa depositaram sobre os dele um casto beijo. Deixei que ele próprio escolhesse entre aprofundá-lo e deixar-me ali até a aurora tingir-se de alaranjado e púrpura do amanhecer.

Com satisfação, percebi que, mesmo lutando contra suas próprias vontades, alguma réstia de poder escapou por suas mãos, e ele viu-se me beijando outra vez. Sem deixar que ele retomasse o sangue frio, acredito ter contribuído para seu descontrole, pois me aproximei mais de seu corpo, enlaçando-lhe o pescoço com os braços. Fechei os olhos, esquecendo-me de que lá fora existia um mundo, uma noite que soprava ventos furiosos e cavalgavam relâmpagos.

Mitchell, depois do que pareceu ser uma eternidade naquele beijo que nos enviou a um mundo à parte, separou os lábios do meu, no que pareceu uma tentativa vã de recuperar o ar e a sanidade perdidos. Deixando sua mão sobre meu rosto, ele acariciou-o, provocando em mim um estranho arrepio.

- ...Eu vou perder o controle se continuar assim, Cora. Chega. – implorou.

- Que coisa, Mitchell! – devolvi-lhe, encostando nossos lábios mais uma vez, desejando recuperar aquele frenesi de sensações e palpitações. – Então, se é assim, não se controle mais.

Talvez eu me arrependesse, num futuro próximo, daquela minha escolha.

Mas, naquele ínfimo momento, enquanto percebia que, enfim, ele se rendera às minhas palavras e me beijava no pescoço outra vez, eu desejei que aquele infinito aprisionado naquele quarto de aparência lúgubre continuasse eternamente.


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