Procurando escrita por Metal_Will


Capítulo 4
Capítulo 04




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Capítulo 04 - Festa

 Era sábado. Nos fins de semana, João normalmente aproveitava para limpar sua pequena moradia temporária, adiantar algumas matérias da faculdade e descansar um pouco. Também era a época mais estranha da semana, afinal, ele ficava ali em sua casa, sozinho, sem ter muito o que fazer após as tarefas básicas. Acessava a internet através de seu laptop, abria várias latas de refrigerante e dormia, dormia até mais tarde e dormia mais tarde. Não reclamava da solidão, na verdade achava uma ótima oportunidade de refletir sobre sua própria vida, embora já tivesse feito isso bastante naquela semana. Cada dia mais, detestava mais o lugar onde estava. Mas não sabia para onde ir. Não sabia o que podia fazer. Tudo que restava era seguir um caminho a contra-gosto, enquanto não encontrava o seu verdadeiro caminho. Quando poderia ter algumas resposta para suas angústias? Não tinha a menor ideia.

 Por outro lado, aquele sábado seria um pouco diferente. João tinha um compromisso: ir à festa da faculdade onde a banda de seu colega Renan tocaria. Não estava muito empolgado para festejar nada, mas talvez fosse uma experiência interessante. João nunca foi o tipo que frequentou muitas festas. Na verdade, não gostava muito delas. Mesmo assim, acho que fosse importante ter um tipo novo de experiência. Por voltas das oito da noite, ele saiu de casa, na direção do local da festa. Ele sabia onde era (já havia passado de ônibus por ali várias vezes e em uma cidade pequena, era fácil de encontrar). Seu plano era ficar lá até de madrugada, onde os ônibus voltariam a passar. Não era problema para ele dormir tão tarde (o dia seguinte era domingo mesmo) e não havia ninguém esperando por ele em casa. Era uma situação invejável para qualquer fã de baladas e festas, mas João não estava mesmo empolgado. O que poderia ter demais naquela festa? 

 Por fim, chegaram as oito horas da noite. João vestiu as roupas casuais de sempre (jeans e camiseta sem estampa, como sempre se vestia) e partiu para o evento. O ônibus chegou mais rápido do que de costume e ele acabou chegando na festa mais cedo do que gostaria. Já havia música e danças por todos os lados. O rapaz pegou algo para beber (um refrigerante, já que nunca se animou para álcool) e achou algum lugar para se sentar. Só isso. Olhou para os lados, viu alguns colegas de faculdade que só conhecia de vista. Viu para outro lado e só viu pessoas que ele não tinha a menor ideia de quem eram. Desconhecidos por toda parte. Cada uma daquelas pessoas devia carregar um mundo, uma história de vida, mas no meio de tantas outras dançando e bebendo eram apenas figurantes. O som era tão alto que manter uma conversa tranquila seria impossível. Tudo que João podia fazer era ficar ali, tomando um refrigerante atrás do outro ou tentar se enturmar, bebendo álcool, dançando e talvez se envolvendo descompromissadamente com alguém. 

 Mas aquelas alternativas não se aplicavam a João. Ele não suportava o sabor do álcool e não gostava de dançar. Ele gostava de música, como qualquer pessoa, mas era do tipo que preferia ouvir e sentir a mensagem da canção do que simplesmente levantar e dançar freneticamente. As canções de festas não chamavam tanto sua atenção. Gostava de letras mais profundas e tranquilas. Mesmo assim, em uma festa era difícil tocar esse tipo de coisa, então, tudo que João podia fazer era ficar ali e escutar. Escutar todas as músicas atuais, boas e ruins, e, principalmente, observas as pessoas. Observar todos aqueles desconhecidos à sua volta.

 Após cerca de uma hora após sua chegada, João ouviu anunciarem que a banda de seu colega tocaria por volta da meia-noite. Ainda tinha muito tempo. O rapaz tinha muito tempo para ficar ali até Renan se apresentar. O que poderia fazer nesse intervalo? Tudo que tinha vontade era mesmo permanecer ali e observar mais. Pessoas. Pessoas de todos os tipos, envolvidas naquela festa, seja trabalhando na venda de bebidas, seja o DJ cuidando da música, seja os próprios estudantes da festa, se entregando à farra cada vez mais.

  A alegria causada pelo prazer imediato era evidente. Pessoas bebiam, esqueciam os problemas, dançavam e se entregavam na festa. Era um mundo mágico, separado para esquecer de tudo, onde a diversão era a única coisa com o que se preocupar. A bebida alterava a mente, soltando os tímidos, e, ao mesmo tempo, reduzindo o lado racional, o que tornava a realização de bobagens muito mais fácil.

 João se perguntava porque as pessoas se embebedavam tão facilmente, mesmo sabendo há séculos os prejuízos que isso causava. Talvez a questão não fosse ignorar os efeitos negativo da bebida, mas sim conhecer os efeitos mágicos, a capacidade que ela tinha de fazer a pessoa esquecer suas dificuldades e mergulhar em um universo longe de tudo que a perturbava. Era a mesma razão que levava a muitos buscarem drogas. Sair da dor e buscar prazer. Mas mesmo assim, João não tinha nenhuma vontade de usar bebida, drogas ou cigarro. Sua busca não era exatamente um prazer imediato. Ele buscava uma realização maior. Buscava algo muito além de uma simples noite.

 A noite passava rápido. Os alunos bêbados se soltavam cada vez mais. Casais imediatos (que provavelmente não se lembrariam um do outro no dia seguinte) se formavam rapidamente. O prazer imediato não se resumia apenas às bebidas, mas também aos relacionamentos. Prazer sexual rápido. É tudo que um jovem precisava. Será que todas aquelas pessoas já tinham uma realização plena e podiam se dar ao luxo de se divertir tanto? Ou será que era justamente por não encontrarem uma verdadeira razão que se dedicavam a todos aqueles vícios? Talvez...simplesmente tivesse problemas como todo mundo e vivessem uma vida comum como todos, e aquela festa era apenas uma festa. O único objetivo era se divertir. Não havia necessidade de pensar nos problemas enquanto a festa estivesse acontecendo.

 Em certo momento, João se levantou e foi ao banheiro. No meio do caminho, pode ver uma garota vomitando na lata de lixo. Provavelmente, o excesso de bebida foi a causa daquilo. Não era algo incomum de se ver em festas universitárias, mas João não era acostumado a esse tipo de coisa. Depois de sair do banheiro, ele procurou algum outro lugar para sentar, mas a casa estava cheia demais. Talvez fosse melhor ficar no balcão de bebidas mesmo e tentar ouvir alguma coisa do que se tocava no palco dali mesmo. Além da banda de Renan, outras pessoas se apresentavam, mas nenhuma delas impressionou João. Talvez nem mesmo Renan iria impressioná-lo. Na verdade, ele já não sabia porque estava ali. Nada daquilo fazia sentido para ele. A festa não iria fazê-lo esquecer seus problemas. E mesmo que se entregasse ao álcool, depois da ressaca, seus problemas iriam voltar. Gostaria de ir embora, mas decidiu observar mais um pouco. Que outros tipos de pessoas poderiam aparecer por ali?

- Oi - aproximou-se uma garota, não muito alta e de aparência nada incomum - Cadê a Marina?

- Desculpa. Não conheço nenhuma Marina - respondeu João.

- Como não? Você não é o Marcos? - perguntou a jovem com voz mole. Evidentemente estava alcoolizada.

- Não, eu sou o João.

- Não, não, você é o Marcos...parece muito com ele.

- Olha, não sei de quem você tá falando, tá?

- Deixa disso, Marcos! Chama a Marina logo.

- Moça, eu não sou nenhum Marcos. Dá licença, por favor.

- Marcos, seu desgraçado, para de me zuar e chama logo a Marina! 

- Já falei que não sou o Marcos...com licença, por favor.

 A cena foi lamentável do ponto de vista de alguém sóbrio como João. Talvez um outro rapaz pudesse ter se aproveitado do estado embriagado da garota para conseguir alguma coisa. Mas João realmente não sabia o que fazer naquela situação. Era um ambiente tão bizarro. Tudo era tão louco. Ele não se sentia bem naquele lugar, de verdade. 

 Talvez ele fosse um chato, talvez ele fosse um alienígena no meio daquilo tudo, mas aquela festa fazia ele refletir cada vez na própria vida. Não seria melhor esquecer os problemas e se divertir? Mesmo que estivesse em um lugar que não gostava, poderia se entregar a uma bebida e diversão, esquecer que está em uma faculdade que detesta, esquecer que não tem ideia do que fazer da vida e simplesmente mergulhar em um mundo sem problemas por algumas horas. Talvez fosse melhor fazer isso. Deveria ir ali no balcão, pedir uma bebida forte e se entregar à embriaguez? Por que se preocupar tanto?

 O problema é que João sabia o que viria depois. Sabia que o efeito do álcool passaria. Sabia que a festa terminaria. Sabia que na segunda-feira seguinte tudo iria voltar. Era só uma diversão temporária. Sua vida ainda era aquele problema. Ainda tinha que enfrentar seu curso, enfrentar sua insatisfação, sua frustração, tudo aquilo. Não era um copo de vodka que iria apagar tudo. Ele precisava de uma resposta definitiva.

 Por fim, deu meia-noite. Renan tocou com sua banda e João ouvia a letra com calma. Uma das músicas falava algo sobre o sistema controlador, criticava o governo, enfim, era uma banda que protestava. Passava mensagens importantes, mas talvez só João estivesse prestando atenção na mensagem e não apenas no som. Todos pulavam e gritavam, mas João estava ali, ouvindo tudo e refletindo. O problema seria com o sistema ou com ele mesmo? Talvez ele fosse a única pessoa pensando na vida no meio de toda aquela festa.

 Depois de ouvir a banda de Renan, João permaneceu em seu lugar no balcão, apenas tomando mais refrigerante e uma única lata de cerveja, apenas para lembrar o quanto detesta álcool. Após aguentar mais algumas horas ouvindo mais músicas e observando as pessoas dançarem como se não houvesse amanhã, finalmente a festa terminou. As músicas pararam e conforme as pessoas saíam, o lugar foi ficando cada vez mais deserto. João conseguiu ficar até o fim da festa, sem beber nada, sem dançar e sequer conversar com ninguém, tirando aquela menina bêbada que o confundiu com outra pessoa. Era hora de voltar para casa, enquanto os poucos que restavam limpariam a bagunça.

"E quando a festa acaba...a realidade volta", pensou João. Ele colocou as mãos nos bolsos e saiu. Iria passar o domingo dormindo, mas sabia que quando acordasse, os problemas também voltariam. Não há diferença entre dormir na sua casa e ficar em uma festa. Quando o sono acabar ou a festa acabar, você terá que enfrentar sua vida novamente. Não tem como escapar.


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Notas finais do capítulo

Na verdade, eu também sou o tipo de pessoa que fica pensando na vida no meio de uma festa...eu prefiro mil vezes ficar em casa, mas...
Até o próximo!



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