Destino escrita por Eve


Capítulo 19
Capítulo Dezenove




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XIX

 

 

 

Poseidon nunca havia sido conhecido pela habilidade excepcional de controlar o próprio temperamento, mas naquela noite havia superado todas as suas marcas: ao retirar-se da discussão que tivera com Atena, seus punhos cerrados tremiam de raiva e seu humor estava sombrio o suficiente para anunciar o fim da festa.

Agora que os hóspedes haviam sido conduzidos aos seus respectivos quartos e o salão fora esvaziado, um servo o indicava o caminho para seus novos aposentos. Eles ficavam na torre sul do castelo, a maior e mais alta, defronte para o mar. Os dois quartos eram ligados por uma câmara menor, e foi determinado que Poseidon ocuparia o da esquerda.

Dentro, o cômodo era semelhante ao de todo senhor feudal: bastante espaço, uma lareira ampla, cama enorme com dossel, uma mesa e cadeira para seus assuntos burocráticos. Arcas e baús para armazenar suas roupas e outros pertences, uma bacia de prata num canto, provavelmente cheia de água para sua higiene e uma latrina.

O mesmo servo que havia lhe indicado o caminho o auxiliara a trocar os trajes matrimoniais por roupas simples de dormir. Poseidon o dispensou em seguida, e pelos últimos vários minutos estivera andando de um lado para o outro do aposento, ainda muito irritado para decidir o que fazer a seguir.

Uma pequena parte de si realmente havia imaginado que Atena desistiria daquela fachada arisca uma vez que o casamento tivesse sido oficializado. Seu surto de honestidade o pegara de surpresa e o havia deixado com o gosto amargo da rejeição na boca, algo que para ele sempre fora difícil de engolir. Ainda conseguia ouvir perfeitamente o tom irritado e o desprezo que Atena havia usado para lhe dirigir a palavra, como se ele não fosse mais do que uma inconveniência da qual ela não conseguia livrar-se. Era inacreditável quão pouca estima ela lhe concedia. Logo a ele, seu marido, a quem - em suas próprias palavras - estaria presa pelo resto de sua vida. Pensava ela que Poseidon era um troglodita que simplesmente tomava o que queria sem medir as consequências?

De fato, era exatamente isso que ela pensava, e o enlouquecia que ainda assim ele se sentisse atraído pela arrogância e superioridade daquela jovem de olhos cinzentos. O que o consolava era a possibilidade de poder provar que ela estava errada: usaria quaisquer meios fossem necessários para mostrar que estava além de suas baixas expectativas. Começando por essa noite.

Trilhou o caminho até a porta do aposento adjacente e o atravessou rapidamente, parando à entrada do quarto de Atena. Segurou a argola de metal com uma das mãos e pensou em bater para anunciar sua chegada, mas decidiu que não. Abriu a porta simplesmente, revelando do outro lado um aposento amplo e espaçoso muito semelhante ao seu. Uma cama grande o suficiente para três pessoas encostada à parede à sua esquerda, coberta por um dossel e com um baú a seus pés. Próximo à cama um conjunto de escrivaninha com pés entalhados e cadeira acolchoada. Havia também um tear em um dos cantos e um grande tapete de peles cobria parte do chão do quarto. Poseidon caminhou sobre ele quando deu alguns passos em direção à Atena.

Ela estava apoiada na janela, observando o exterior de costas para ele. Como deduzira, já havia se despido de seu vestido matrimonial, usando agora uma longa camisola branca. Seus cabelos longos e prateados à luz do luar estavam soltos como na cerimônia, não mais cobertos por véus ou jóias. A brisa que soprava do mar fazia seus cachos dançarem livremente pelas suas costas e o tecido diáfano da camisola enroscar-se em torno de seus pés descalços. Atena parecia uma visão de outro mundo, e Poseidon deteve-se por um momento para admirá-la, esquecendo até mesmo que deveria estar irritado com ela. Por fim aproximou-se mais, até ter certeza de que ela conseguia sentir sua respiração mesmo através da brisa.

Tocou hesitante seu ombro direito, correndo os dedos pelo seu braço nu até tocar a  mão dela na sua, sentindo seus dedos se fecharem rapidamente. Deu mais um passo em sua direção e agora seus corpos estavam quase completamente colados. Com sua mão esquerda, pegou o cabelo dela e jogou todo por sobre seu ombro, acariciando então a parte do seu pescoço que ficou exposta. Sentiu que ela arrepiou-se àquele contato. Inclinou-se e murmurou próximo ao seu ouvido:

— Não vai olhar para mim?

Poseidon pensou tê-la ouvido prender a respiração ao virar-se lentamente para ele, sem em nenhum momento tocar seus corpos. Agora a luz que emanava das chamas da lareira iluminava seu busto, deixando parte de seu rosto nas sombras e seus cabelos dourados como as labaredas. Foi a vez de Poseidon prender a respiração involuntariamente e lembrar-se do motivo inicial pelo qual quis desposá-la. Atena era mesmo incrivelmente bela.

Correu os dedos por sua bochecha enquanto ela o observava com uma expressão que misturava medo, aversão e talvez um pouco de curiosidade. Segurou seu queixo nas mãos e aproximou-se mais, olhando-a nos olhos enquanto o fazia. Beijou o canto de seus lábios, e então sua bochecha, percorrendo lentamente o caminho de volta. A sentiu ceder um pouco de sua postura rígida, e foi com muito esforço que se afastou e disse:

— Eu cumpro minha palavra.

Atena apenas o encarou. Estava corada, o que a tornava ainda mais desejável sob seus olhos, então ele lhe deu as costas antes que mudasse de ideia e contradissesse o que acabara de declarar. Afastou o dossel da cama com descaso e começou a arrumar os cobertores para se deitar, explicando rapidamente ao mesmo tempo:

— Tenho que passar a noite aqui ou eles suspeitarão de algo – E ele sabia que ela entendia que estava se referindo às suas famílias – Mas não se preocupe, assim que todos forem embora eu não mais visitarei seus aposentos e você só me verá durante as refeições, se assim desejar.

Deitou-se finalmente, descobrindo que a cama era confortável como ele imaginara, e então Atena pareceu despertar de seu entorpecimento, caminhando até o outro lado da cama onde se deitou preservando um bom espaço entre os dois. Poseidon virou-se de costas para ela, evitando aquele olhar inquisitivo e a tentação de seus lábios e faces coradas e os dois permaneceram em silêncio tempo o suficiente para que ele pensasse que ela dormira. Mas então ele escutou o farfalhar de lençóis e Atena tocou delicadamente seu ombro, sussurrando em seguida:

— Muito obrigada.

Foi tão baixo que ele poderia ter imaginado, mas sabia que havia escutado perfeitamente. Então ela era capaz de deixar a arrogância de lado e agradecer por alguma coisa, afinal.

— Durma, Atena. – Foi só o que ele respondeu.

Mas nenhum dos dois fez isso durante um bom tempo.

 


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