Destino escrita por Eve


Capítulo 10
Capítulo Dez




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Atena encarava a tapeçaria vermelha à sua frente desde que fora deixada sozinha naquele aposento, resoluta em sua decisão de não pensar demais sobre o que havia acabado de acontecer. Determinada a ignorar o peso em seus lábios, o rubor de seu rosto e o tremular da sua respiração, concentrava a maior parte de seu consciente em quaisquer detalhes impessoais a que pudesse se agarrar: o tamanho da sala, o bruxulear das velas no lustre de metal escuro, a brisa cortante que entrava pela janela que sua tia tinha deixado aberta. Ninguém havia se dado ao trabalho de acender a lareira - provavelmente envolvidos demais em socorrê-la ou apenas bisbilhotar o alvoroço que certamente tinha acontecido quando os convidados descobriram que a noiva desfalecera no meio da festa - e por isso o cômodo já começava a ficar desagradavelmente frio.

Julgando estar ali há tempo suficiente, e irritando-se só de pensar em alguém vindo convocá-la de volta ao salão, Atena considerou os prós e contras de tentar se levantar daquele confortável divã sem nenhuma ajuda. Ainda não sentia as pernas muito firmes, mas mesmo assim fez uma tentativa de apoiar lentamente os pés no chão e erguer-se com cuidado. O mundo deu apenas uma pequena tremida, em vez de uma volta completa ao seu redor, e na sua concepção aquele era um sinal satisfatório de que, ainda que não estivesse completamente recuperada, seria pelo menos capaz de sair dali e voltar para junto de sua família sem causar maiores acidentes. A taça que sua tia lhe dera com a já tão familiar mistura ainda estava em suas mãos, e ela a depositou em cima da escrivaninha ao seu lado, aproveitando também para apoiar-se no móvel em busca de mais equilíbrio.

Ergueu a cabeça, respirou fundo, e aguardou. Incidentes como aquele não lhe eram raros, mas já fazia tanto tempo desde a última vez que manifestara algum sintoma de sua condição, que o súbito desmaio tinha se mostrado uma inevitável surpresa.

Estava pronta para sair dali e voltar ao baile quando ouviu, vindo do outro lado da porta à sua direita, um estrondo significativo seguido por uma audível agitação. Aquela não era a mesma porta pela qual Poseidon tinha saído, então Atena supôs que fosse um acesso para outro cômodo, que no momento estava sendo ostensivamente ocupado por mais de uma pessoa, a julgar pela mistura de vozes.

Sem querer entreouvir uma conversa que não era do seu interesse, e muito menos ser surpreendida pela falsa impressão de estar bisbilhotando assuntos alheios, ela rápida e silenciosamente rumou para a outra porta, que sabia levar ao corredor. Entretanto, ao mesmo tempo em que girava a maçaneta e puxava a abertura em sua direção, alguém vinha pelo lado de fora, empurrando a pesada peça de madeira e adentrando rapidamente no recinto, obrigando-a a dar dois passos rápidos para trás a fim de evitar uma colisão.

Surpreendeu-se ao ver que era Poseidon quem estava ali, nem trinta minutos depois de ter deixado apressadamente o local. Sua surpresa aumentou quando ele não dignou-se a explicar o súbito retorno, e apenas a encarou, muito sério, levando um dedo aos lábios num conhecido gesto de silêncio. Quando seu olhar flutuou até a porta do outro lado da sala, ela compreendeu. Ele sim, estava ali para espreitar o que quer que estivesse acontecendo no aposento ao lado.

Comprovando suas suspeitas, Poseidon caminhou lentamente e sem fazer qualquer barulho até o portal que dava acesso ao outro cômodo e posicionou a orelha esquerda contra o portal. Aparentemente insatisfeito com o que conseguia ouvir - ou não ouvir - através da madeira maciça, ele cuidadosamente manuseou a fechadura e abriu a porta apenas o suficiente para que conseguisse se esgueirar até o outro lado.

Com a porta aberta, agora era possível perceber claramente que se tratava de uma acalorada discussão, embora o conteúdo das falas fosse ininteligível da distância em que Atena estava, ainda perto da saída. Com a curiosidade terrivelmente inflamada, ela decidiu - contra todo o bom-senso que pensava possuir - seguir Poseidon até o cômodo de onde vinham as vozes.

Esgueirou-se com alguma dificuldade pela abertura que ele tinha deixado, uma vez que a saia volumosa de seu vestido ocupava consideravelmente mais espaço do que o corpo esguio do rapaz, mas enfim conseguiu atravessar sem denunciar sua presença.

O cômodo adjacente era uma magnífica biblioteca, repleta de estantes e pergaminhos encadernados em couro, móveis para leitura, quadros e tapeçarias. A lareira crepitava de algum lugar que não era visível de onde estavam, escondidos estrategicamente atrás de algumas prateleiras.

Tomando cuidado para não derrubar nada, Atena posicionou-se ao lado de Poseidon, que observava atentamente por entre as frestas o outro lado do aposento. Aproveitando sua concentração em outro ponto que não fosse ela, Atena observou atentamente as feições dele à meia luz que o esconderijo improvisado oferecia: seu perfil aristocrático ainda era o mesmo de sempre, cuidadosamente relaxado e bem composto. Não demonstrava nenhum sinal de ter sido de qualquer maneira afetado pelos acontecimentos de mais cedo. De fato, o único distúrbio em sua expressão era o franzir preocupado de suas sobrancelhas, mas esse gesto era claramente uma reação ao que ele ouvia no momento.

Desviando o olhar de sua face, Atena aproximou-se de uma brecha entre os livros ao seu alcance e espiou a cena que Poseidon observava tão atentamente. Descobriu que as vozes daquela contenda pertenciam aos senhores Valence, que a julgar pelas expressões estavam imensamente preocupados e aparentemente, um tanto ressentidos.

Esforçou-se para distinguir o que eles diziam, e identificou a voz de Lorde Cronos:

— Isso muda absolutamente todos os nossos planos! Ele sempre foi inconveniente, e é claro que não poderia ter encontrado um momento mais inoportuno para morrer.

Lady Reia replicou algo que se perdeu em meios aos brados do marido.

—  É verdadeiramente inadmissível! Em todos esses anos, eu nunca pensei… Aquelas terras deveriam ter sido passadas a mim! Eu sou o senhor dessa família! - Cronos continuava sua explosão - Serve mesmo à sua arrogância que ele tenha me deixado essa última forma de desafio…

— Não importa, querido. - a senhora Valence tentou aplacar aquele acesso de fúria - Poseidon é nosso primogênito. Mesmo sendo ele o herdeiro de Oceano, você ainda terá influência sobre seus domínios.

Ele parecia ponderar aquela afirmação.

— Ainda assim, este não é nem de longe o arranjo ideal. Acabamos de comprometê-lo com aquela garota, e a última coisa que preciso é dos Norwood interferindo em nossos assuntos pessoais.

“Aquela garota”? Aparentemente era esperar demais que seu futuro sogro a chamasse pelo nome.

— Talvez suspender esse noivado seja a melhor decisão que podemos tomar. - a senhora Valence continuou com seu tom condescendente -  Para assumir esse posto, será primordial que Poseidon logo tenha um herdeiro, e a jovem Norwood não me parece muita apta a essa tarefa… Ela é tão diminuta, e não tem bons quadris. Além disso, conversei com Lady Hera e ela falou que a mãe da garota morreu no parto, o que definitivamente não é um bom indício.

Atena estava consideravelmente dividida entre o alívio de ouvir que havia uma possibilidade do casamento ser cancelado e o ressentimento de ser julgada por um aspecto que fugia inteiramente do seu controle. Saber que aquelas pretensiosas senhoras conversavam em segredo sobre sua mãe e sua capacidade física de trazer outras vidas ao mundo era, além de tudo, perturbador. Ela ficou tão imersa nesse comentário que quase perdeu a resposta de Cronos:

— Não, não… Seria de mau-gosto cancelar as negociações com os Norwood agora, ainda mais considerando nosso passado… Além disso, precisaremos do dote prometido para assegurar nossa posição em Atlântida. Quanto à questão do herdeiro, caso eles não consigam gerar um rebento, Hades pode servir como sucessor do irmão. O que importa agora é que esse casamento aconteça assim que possível, para que possamos garantir a transição da senhoria o quanto antes e sem maiores problemas.

Lady Reia suspirou, claramente descontente com a decisão tomada pelo marido.

— Bem, se esse é o caso, devemos então chamar as famílias e transmitir as notícias logo.

— Sim, imediatamente. Irei procurar Lorde Zeus e falar-lhe em particular primeiro, e em seguida poderemos nos reunir para anunciar ao jovem casal que eles serão os futuros senhores de Atlântida.


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