Immortal escrita por stormageddon


Capítulo 1
Capítulo 1




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                A princípio me pareceu uma benção. Mal pude acreditar que havia sido um dos poucos escolhidos para receber tal privilégio.

                O mundo parou dia 14 de novembro de 2016… “O elixir da vida eterna”, como havia sido anunciado. O maior passo dado pela humanidade até o momento.

                Algumas semanas depois, eu, David York, fora chamado para testar a nova injeção que nos prometia dar imortalidade. Não foi nem preciso pensar sobre o assunto, aceitei de primeira; afinal, quem no mundo jamais sonhara em ser imortal?

Queimou como fogo em minhas veias, mas não gritei, nem mesmo quando meus sentidos foram obscurecidos por pura dor. O que era um pouco dor em comparação a vida eterna?  Foi esse pensamento que me manteve durante as três dolorosas horas que durou a transformação. Quando enfim tudo passou fui capaz de sentir o poder fluir em mim, aquela maravilhosa sensação que a imortalidade me trouxe.

                Os primeiros anos foram incríveis. O mundo ao meu redor envelhecia e eu apenas assistia congelado no tempo. Lembro-me de sentar todos os dias na sacada do meu apartamento alguns minutos antes do amanhecer e lá assistia o sol nascer me sentindo um Deus. O tempo se dobrava diante de mim e o peso dos anos jamais me tocava. Olhava para as pessoas e a cada dia as assistia se aproximar mais e mais da morte, enquanto eu continuava o mesmo.

                Vi meus irmãos, pais e até filhos envelhecerem diante de mim e eventualmente morrerem. E eu continue lá, em meus eternos 23 anos.

                Por alguma razão desconhecida, a formula da imortalidade foi anunciada como um fracasso e jamais fora liberada para mais ninguém além de mim e mais duas “cobaias”. Éramos os únicos em todo o mundo e isso só servia para aumentar meu sentimento de superioridade e arrogância.

Em algumas décadas, toda essa história acabou por se transformar em apenas mais uma lenda e a tal imortalidade voltou a ser parte apenas de filmes de ficção.

                100 anos se passaram e meus inteligentes investimentos fizeram de mim um homem rico e poderoso. Tinha agora dinheiro, mulheres e juventude eterna. O que mais eu poderia querer? O dinheiro preenchia a solidão e me dava à falsa ilusão de felicidade, o que pra mim era o suficiente.  Tinha “amigos” influentes e minha vida mais se parecia uma eterna festa. Aqueles eram definitivamente os melhores anos da minha vida e naquela época ainda considerava tal maldição como um presente, uma benção divina!

Como estava enganado…

                A situação começou há mudar algum tempo depois. Meus eternos 23 anos passaram a levantar suspeitas e me vi obrigado a recomeçar do zero. Fui para França e lá criei toda uma nova vida, deixando para trás amigos e amantes. Não dei tanta sorte dessa vez… O dinheiro se foi e com ela minha “felicidade”. Foi então que enfim me dei conta da minha real situação. Estava sozinho! Confuso e perdido em um mundo totalmente estranho para mim.

                Foi a época em que mais me senti solitário. 300 anos haviam se passado então e estava diante de um mundo extremamente mais avançado e magnifico do que era em minha época. Porém não havia ninguém para apreciar a beleza desse mundo ao meu lado.

                Olhar da janela de meu apartamento era como assistir á um daqueles filmes de ficção cientifica de minha juventude, quando a humanidade ainda dava seus primeiros passos em direção ao progresso.

A tecnologia havia se desenvolvido muito e tudo aquilo que antes era apenas parte de filmes, e que julgávamos impossível, se tornou realidade.

                O homem enfim tinha dominado o Universo com seus foguetes á velocidade da luz e seus, antes apenas teóricos, buracos de minhoca. Podiam se mover para a galáxia mais próxima em questão de dias ou até mesmo horas. Estávamos nos espalhando rapidamente pelo cosmos, instalando colônias humanas em novos planetas e explorando todos os cantos de nossa galáxia.

Desmaterialização de objetos também já era possível e em breve o mesmo seria possível com seres vivos.

A tão desejada invisibilidade também já era fato, e fora na verdade, uma de nossas primeiras descobertas importantes.

Detínhamos agora todo o conhecimento que sonhávamos em ter há 300 anos atrás. E tudo isso era realmente incrível, exceto por eu estar sozinho e não haver ninguém com quem eu pudesse compartilhar tudo isso.

Buscando fugir da solidão, joguei uma mochila nas costas e parti sem destino. Queria apenas explorar á esse mundo novo e adquirir conhecimento. “Fugi” por quase cem anos, nunca ousando olhar para trás. Sabia que quando parasse novamente seria pego pela solidão e queria evitar isso á todo custo.

                As vésperas de completar 400 anos, eu conheci uma garota. Jamais havia encontrado alguém tão bela. Liv, era seu nome. E então, talvez pela primeira vez em minha longa vida, me apaixonei.  Graças a ela voltei a ter um rumo, e por um breve período de tempo fui capaz de ser feliz novamente.

Passado dez anos ao seu lado estava claro que havia algo anormal comigo. Liv havia envelhecido normalmente e eu continuava intocado, como uma foto. Expliquei minha condição e ela me entendeu. Pela primeira vez havia alguém em quem eu podia confiar.

Os anos passaram e eu jamais envelheci. Algum tempo depois, Liv foi levada de mim e meu mundo voltou a perder o sentido. A coisa mais dolorosa de minha vida foi estar em pé sobre o seu caixão.

Odiei-me por não ter envelhecido ao seu lado e odiei ainda mais á essa imortalidade que me transformara em uma aberração.

                Tinha 500 anos agora, e a imortalidade já não me parecia algo tão bom assim…

                Agora sem rumo, tentei então procurar pelos outros dois que haviam sido submetidos á injeção. Ambos mortos… A primeira sucumbira á sua própria insanidade, e o segundo suicidou-se após quatrocentos anos; segundo ele nenhum humano deveria viver tanto tempo.

                Estava sozinho e cada vez mais desanimado. E ainda havia outro grande problema outro grande problema. Faziam quinhentos e doze anos agora e a raça humana havia evoluído o bastante, assim como os vírus e bactérias contra quais sempre lutamos.

                Veja bem, “imortalidade” era um equívoco… Eu não era imortal, apenas jamais envelhecia. Isso não me impedia de adoecer ou me machucar, ainda era tão vulnerável quanto qualquer humano, ou talvez mais.

Estava á quinhentos anos congelado no tempo, igual; sem evolução alguma. Meu sistema imunológico era fraco demais para combater as doenças da época , e quanto mais o tempo passava mais fraco eu ficava. Doença, após doença…

Tudo só contribuía mais para aumentar meu desanimo, que era crescente.

Estava velho demais agora. A imortalidade me parecia um pesadelo, algo de que eu simplesmente não podia acordar.

Com setecentos anos eu já havia visto mais do que poderia suportar. É verdade, claro, que a imortalidade me proporcionara coisas boas, chances de admirar avanços e descobertas que não teria sido capaz de ver em uma vida normal. Mas haviam também tantas coisas ruins; guerras, sofrimento, desespero…

                Eu vi a quarta guerra mundial se formar e tornar o mundo um caos. Vi quanta destruição causou e quantas famílias ficaram inconsoláveis. Vi o mundo se tornar instável e uma caótica anarquia se instalar. Mas como sempre fazíamos, demos a volta por cima e nos recuperamos. E eu ainda estava lá quando foi feito o primeiro contato com uma forma de vida extraterreste e a Guerra terrível que se deu contra essa mesma espécie. Jamais houvera guerra tão sangrenta e destrutiva como fora essa... Por um momento parecia nem mais haver esperança para nós. 

O mundo fora então destruído e o aquecimento global finalmente nos venceu. E eu ainda estava presente quando a humanidade fora levada ás presas para uma colônia provisória em Marte e viveu por cinquenta anos no Planeta vermelho.

E eu continuei vivo, só para conhecer Liv e depois ser dilacerado com a dor de perdê-la.

                Eu me manti firme em todas essas situações, mas agora o peso de todos esses anos juntos era demais para aguentar. Estava tão cansado!

                Aos 720 eu já não era nada. Andava por aí, comia quando era possível e dormia quando era preciso. Vida já não fazia sentido algum para mim e agarrava-me desesperadamente em meus últimos fiapos de sanidade. O que me mantinha era saber que já não faltava muito para o meu fim. Eu podia sentir.

                Alguns meses após meu aniversário de 720 anos fui procurado por um estranho senhor. Ele dizia saber de minha condição e que havia algo importante para me falar. Pediu que o procurasse no dia seguinte em seu escritório, e como já não me restava mais nada, concordei.

                No dia seguinte estava lá, 09h00min em ponto. Era um laboratório grande e moderno, onde vários cientistas circulavam energeticamente, testando novos experimentos ou analisando dados em seus computadores enormes.

Encontrei o senhor do dia anterior, que pediu para que eu o seguisse até seu escritório. Era um lugar extremamente branco, cercado de máquinas e papéis que não faziam o menor sentido para mim. Sentei-me á sua frente e lhe perguntei o que ele poderia querer falar comigo, e como sabia de minha condição.

Foi então que tudo me foi explicado.

                Ele me disse tudo, explicou-me o porquê da injeção jamais ter sido liberada para outros e eu apenas ouvi, chocado demais para dizer algo.

“Você faz parte de um experimento, David.” Disse ele. ”O acompanhamos há 700 anos; várias e várias gerações de cientistas ansiosos pelo resultado.”

Ele me mostrou um antigo diário com páginas amareladas e muita poeira acumulada. Segundo ele era esse diário que continha todos os registros sobre a injeção e como a imortalidade afetara a mim e aos outros dois.

                “Veja bem, não podíamos liberar a injeção sem saber suas consequências. Não sabíamos se a raça humana estava pronta para isso. Escolhemos então três pessoas comuns para o teste, com o plano de monitora-las e ver que consequências à vida eterna lhe trariam.

                A Primeira, Suzanne Porter, fora fraca demais para o que lhe foi dado, ficou insana após os primeiros 250 anos e fomos obrigados a para-la. Mas ainda nos restava você e Daniel Schmidt, mas este se suicidou 150 anos após Suzanne, passando a acreditar que sua imortalidade era um presente do diabo. Escreveu em sua nota de suicídio que nenhum humano deveria viver tanto tempo, era demais para se suportar.

                Faltava então apenas você, David. E devo lhe dar os parabéns, você durou mais do que acreditávamos… Mas até você não foi capaz de suportar a vida eterna.”

“O que quer dizer?” eu disse. “Ainda estou aqui, não estou?”

“Sim, é claro. Mas olhe pra si mesmo. Você não está bem, David. Foi erro achar que a raça humana era capaz de suportar a imortalidade, ela obviamente não é.”

“Estou ótimo!” eu gritei. “Acha que é fácil viver setecentos e vinte anos e ainda assim continuar em perfeitas condições? Fiz o meu melhor! Mas acha que após todo esse tempo a vida faz ainda algum sentido? Não, não faz!

Você não experimentou a imortalidade para ver o que ela te faz, como ela te deixa! Você não tem o direito de julgar se estou bem ou não! Você não sabe – ”

“Eu sinto muito, David.” ele sussurrou, interrompendo-me.

“Sente pelo que?” perguntei ainda alterado.

Nem mesmo senti a agulha penetrando em minha veia. Apenas senti quando o liquido queimou em meu sangue. A dor não era tão terrível quanto a que senti ao meu tornar imortal, na verdade, o que quer que tenha sido injetado em mim nem mesmo doía. Tudo parecia calmo demais, em paz.                             

Meus sentidos começaram a falhar minutos depois. Minha pernas já não me obedeciam e tudo começava a parecer um sonho. A última imagem borrada que vi foi o cientista com a seringa em mãos, sussurrando:

Eu realmente sinto muito, mas alguém precisava fazê-lo, David.



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