Sob A Tempestade escrita por yris


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Mais um conto aqui, boa leitura! :)



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O único som que havia naquele lugar era o da chuva caindo violentamente lá fora. Foi um pouco assustador o modo como o céu ficou negro tão rapidamente, quase como um presságio estragando aquela tarde ensolarada. E tudo o que restara do burburinho triste que movimentou aquele jardim durante o dia fora aquele barulho de gotas violentas contra as telhas de cimento daquele barraco.

Mas isso não incomodava o senhor que estava cochilando em sua rede cinzenta sob a luz de uma lamparina fumarenta que ele havia acendido após a tempestade começar e acabar com a energia elétrica. Nada o incomodava, na verdade. No meio daquela velharia abandonada por tantos anos, ele não se importava com o cheiro de mofo que aquela casinha exalava, ele nem notava mais o quanto aquele lugar era mórbido. Ele até gostava da tranquilidade daquele lugar, nenhum daqueles moleques de rua ousava o importunar em seu lar naquele lugar tão pequeno.

E por causa da chuva, o senhor de cabelos grisalhos não conseguia ouvir umas fortes batidas vindas lá de fora. Ele dormia. Estava exausto daquele dia, havia trabalhado mais que o normal roçando seu “quintal” para as visitas ilustres que recebera no evento.

Bam! Bam! Bam! Bam!

Há trezentos metros alguém se retorcia com baques desesperados. Era o homem que ficara preso dentro de um caixão sem querer, por sorte, ele não estava enterrado. Mas ele estava quase morto ali dentro daquele cubículo sufocante. Ele acordara ali dentro confuso, levara alguns minutos para se lembrar de onde estava, e porque estava preso ali dentro. Ele também estava incrédulo... Então ele teve coragem para fazer aquela loucura. Entretanto não havia outra solução, ou ele ficava preso vivo dentro de um caixão, ou morto jogado numa cova rasa.

Agora todas as suas forças – que não eram muitas naquele momento – estavam concentradas para fazê-lo sair dali de dentro de alguma forma. A respiração dele estava ofegante, mas ele continuava batendo na porta com a esperança de que ela milagrosamente se quebrasse; porém aquela madeira parecia ser boa demais para ser quebrada com qualquer baquezinho de um cara que não estava plenamente consciente da vida.

E ele estava ficando agoniado com a escuridão dali de dentro e com o zunido grosso que a chuva causava contra seu caixão... Ele até riria de se próprio se não estivesse preocupado o suficiente com a possibilidade de morrer sufocado e banhado de suor ali mesmo; e se isso acontecesse, iria ser uma grande ironia. Morrer fugindo da morte... Mas aquele desgraçado, ah, estar preso ali não era parte dos planos! Não dos dele, mas provavelmente de outras pessoas – da pessoa que o deixara ali.

A raiva por ser tão idiota o fez ter mais forças para quebrar aquele maldito caixão de qualquer maneira. Como ele pode acreditar que tudo daria certo tão simplesmente? Era mesmo um tolo, e talvez merecesse estar ali para aprender não confiar mais em ninguém. A não depender mais de ninguém. E batia, e chutava com toda sua fúria, sendo coberto pelo som da tempestade... Bem que poderia cair um raio em cima dele e terminar com aquilo de uma vez por todas.

Tudo aquilo já havia passado dos limites.

E não havia em quem colocar a culpa por ele estar naquela situação. Outro chute feroz contra a tampa do caixão. E mais vários em sequência. Até que ele não sentisse mais seu corpo caído contra aquela planície desconfortável e caísse na inconsciência de novo, contra sua vontade.

E se passou horas.

E a chuva continuava infindavelmente forte.

Uma gota caiu na testa dele. Em seguida outra. E mais outra.

O rapaz acordou com a água caindo em gotas ritmadas sobre seu rosto. Ele achava que era um sonho... Até que sentiu um ar frio por meio segundo, e mais uma gota. Era inútil abrir os olhos naquela escuridão, então ele continuou com os olhos fechados e esmurrou mais uma vez na direção de onde vinha água. E fez isso várias vezes até sentir que havia quebrado a tampa do caixão.

Ele tentou sorrir, mas não havia motivos para comemorar. Era o recomeço.

Inspirou o ar e água que entraram pelo buraco. Esperou mais uns segundos para recuperar suas forças e recomeçou o trabalho para aumentar a cratera da tampa do caixão. Ele estava cansado, mas agora que havia alguma esperança de sobreviver, ele não a deixaria escapar e sairia dali de dentro nem que fosse a última coisa que fizesse vivo. Mas teoricamente ele estava morto, então o certo seria nem que fosse a última coisa que fizesse morto.

Aquilo era um novo nascimento – um tanto esquisito – para ele, porque a partir dali nada mais seria o mesmo. Ele não era o mesmo, e era o que importava.

Até que começou a sentir a chuva e respirar normalmente, e minutos depois, conseguiu se sentar no caixão, e se levantou cuidadoso. Mas não havia ninguém ali perto, ninguém acordado, então o rapaz se livrou do caixão e ficou sentindo a chuva até que sua visão se acostumasse com o brilho da noite molhada, até que conseguisse distinguir as silhuetas dos túmulos ao seu redor.

Ele nunca houvera se sentido tão aliviado quanto naquele momento. E começou a vagar entre as sepulturas suntuosas do cemitério, até que encontrasse o muro ou o portão de saída.

E agora que tinha sido traído, ele tinha que traçar um novo plano, e não podia mais contar com ninguém para ajudá-lo. Ele teria que sobreviver. E era esperto o suficiente para não fazer nenhuma besteira e colocar tudo a perder.

Droga, ele precisava de um lugar para se esconder... Mas onde naquele fim de mundo?

E na sua caminhada entre os túmulos, viu uma luz bruxulear atrás de uma fresta de uma janela fechada. Aquela era a cabana do coveiro, o idoso esquisito e sem família. Então ele estava próximo da saída daquele cemitério, porque o casebre do coveiro ficava de frente para a estrada. E ele continuou se arrastando até que chegou à janela por onde a luz escapava e observou pela fresta. E não viu muita coisa.

O velho roncava em sua rede, embalado pelo som da chuva, havia um monte de bagulhos no chão, uma mesa e uma cadeira antigos e uma lamparina acesa que emitia uma fumaça forte e preta. O rapaz imaginou que o velho poderia morrer com aquela fumaça, ou talvez já estivesse acostumado com aquele cheiro horrível, aliás, tudo ali era cheirava mal. Aquilo fez o estomago do rapaz se embrulhar.

Ele poderia vomitar se não estivesse com o estômago vazio, mas ele não sentia fome. Ele só conseguia pensar em sair daquele lugar, e assim ele deu as costas para a janela do velho e seguiu para encontrar o muro e dar o fora dali. Ele queria se ver livre daquele lugar o mais rápido possível, antes que o confundissem com um zumbi, porque ele estava horrível – suas roupas molhadas estavam imundas, e não havia chuva o suficiente que o fizesse o sentir limpo novamente.

Até que ele chegou até ao muro cinzento, que por sorte não era muito alto. Ele subiu em um túmulo que estava a poucos centímetros e se apoiou com os braços para a escalada, até que ele se equilibrou e se jogou para o outro lado, caindo em cima de um matagal. E a poucos metros estava a estrada, que de um lado levava para a cidade que ficava a quase um quilometro de distância, e no sentido contrário levava para o nada – a cidade vizinha ficava muito longe para que ele pudesse se preocupar com algo.

Então ele foi pelo sentido contrário, foi pelo caminho mais longe. Assim teria tempo o suficiente para pensar exatamente no que fazer, sem que cometesse nenhuma grande besteira.

E continuou caminhando sem pressa sob a tempestade. 


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram?



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