Akai Ito escrita por Sushi


Capítulo 1
One-Shot




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O inverno apareceu rigoroso, trazendo consigo muita neve e frio. Aquela era a estação do ano favorita de Gerard – ele adorava observar como tudo ficava branco, macio, aconchegante.

Estava passando um tempo com a família na casa de uma tia que morava em um vale. Enquanto os mais velhos ficavam do lado de dentro, conversando e tomando seus chocolates quentes, ele e Mikey resolveram brincar um pouco com um velho trenó que havia por ali.
Estavam revezando – Mikey descia a colina, puxava o trenó para cima de novo e então era a vez de Gerard, que fazia o mesmo.

— Minha vez. — Disse o mais velho, quando o irmão finalmente chegou ao topo novamente.

— Okay, deixa só eu ir ver o que a mamãe queria quando me chamou, já volto pra te empurrar. — Mikey arrumou os óculos no rosto enquanto se afastava e Gerard anuia, voltando a admirar a paisagem ao seu redor.

Seu olhar se prendeu a uma arvore que havia ali, que no momento estava sem folhas. No tronco, haviam alguns rabiscos e ranhuras; diversos corações e nomes de casais apaixonados que haviam passado por ali.

Suspirou. Tinha 17 anos e nunca havia se apaixonado de verdade. Já tivera várias namoradas, mas nunca sentia aquilo que diziam: o frio na barriga, a falta de palavras, os sorrisos sem motivo, o tremor nas mãos. Chegava até mesmo a duvidar se tudo isso não passava de sintomas mentirosos de pessoas excessivamente românticas.

Passou levemente a mão no tronco velho da arvore, pensando se algum dia chegaria a escrever o nome de alguém junto com o seu em algum lugar daquela maneira.

“Argh, que besteira, Gerard.”


Mas, na verdade, o que acontecia com Gerard era que ele ainda não havia encontrado o outro lado de seu Akai Ito.

Quando uma pessoa nasce, os deuses amarram um fio vermelho, invisível aos olhos humanos, no dedo mindinho dela, enquanto a outra ponta do fio está amarrada no dedo da alma gêmea dessa pessoa. O fio pode se enroscar, esticar, diminuir, mas nunca se rompe; não importa tempo, circunstância ou lugar. Ele fica lá, até que essas duas pessoas se encontrem.
Mas os humanos são tão tolos, e às vezes, cegos, que os deuses podem dar uma “ajudinha”, se é que me entendem.

Afastou sua mão dali, tentando ignorar aquela arvore e seus casais e tudo o mais. Olhou de volta para o trenó, mas, para sua surpresa, ele não estava lá.

— Ahm? — Olhou ao redor. — Mikey?

Ele continuava em casa.

Ah, ótimo! Tinha deixado o trenó escapar e agora sabe-se onde ele estava!

“Boa, Gerard!”

Olhou lá embaixo, na descida da colina. Nem sinal do trenó, mas era muito longe, com certeza estaria lá. Desceu pela neve, com cuidado para não escorregar e rolar até lá em baixo – não seria uma experiência muito agradável.

— Tem que estar por aqui... — Resmungava, enquanto andava pela neve fofa, tentando não tropeçar.

No pé da colina, haviam mais algumas outras casas, parecidas com a de sua tia. Gerard fixou o olhar no chão, procurando pelo trenó ali. Haviam algumas crianças e adultos brincando na neve, fazendo guerras de bolinhas, bonecos de neve e afins.

“Tomara que não tenha se espatifado. Eles vão me matar.”

Finalmente, encontrou a corda vermelha, que era amarrada ao pé do trenó, saindo de trás de uma enorme arvore. Sem pensar duas vezes, Gerard a puxou com força, ouvindo uma exclamação.

O trenó não veio. Havia alguém segurando a outra extremidade da corda, e Gerard não conseguiu dizer nada ao ver a pessoa.

Era um garoto. Tinha a face branca e de aparência macia, com as bochechas e o nariz corados pelo frio. Os cabelos escuros caiam desajeitados e lisos sobre a testa e desciam pela nuca, parando um pouco depois das orelhas. O nariz era pequeno, delicado, e as sobrancelhas eram perfeitas. Os lábios eram tão vermelhos que nem pareciam ser naturais, e os olhos eram incríveis.
Amendoados e doces, com íris em degrade do mel ao verde. Pelo menos, era o que parecia – eram tão lindas que uma cor ao certo não podia ser definida.

As roupas do garoto pareciam ser velhas e desgastadas, e olhar dele era tão inocente que o fazia parecer uma criancinha.

— Oh... — Disse ele, com a voz rouca. — Desculpe, ele é seu?

Gerard piscou. Aquele garoto era tão...
Jesus, era tão perfeito. Dava a impressão de que poderia quebrar ao menor toque, ou que sua pele branquinha poderia ser manchada com qualquer coisa que não fosse a neve macia.

— É, é sim... — Gerard anuiu, ainda sem tirar os olhos do menor.

— Eu o achei, bom, é que ele acabou esbarrando em mim. — Ele soltou um riso curto, fininho. — Desculpe.

— Não, não! — Adiantou-se o mais velho, talvez desesperado demais. — Que dizer, uh, não precisa se desculpar, eu que deixei ele escapar. — Sorriu, arrancando um gesto igual do menor como resposta. Ah, que dentes mais branquinhos!

— Meu nome é Frank. — Se apresentou o outro, arrumando a touquinha de lã sobre os cabelos escuros.

— Eu sou Gerard.

— Prazer em conhecer, Gerard. — Sorriu. — Até mais.

E ele se virou para ir embora.

Não, não! Não podia deixar ele ir embora daquele jeito!

— Hey, Frank?

— Uh? — O menor virou o rosto, com o olhar curioso.

— Ahm... Quer dar uma voltinha de trenó comigo e com meu irmão?

Frank sorriu, aceitando o convite, deixando Gerard mais feliz do que ele imaginaria ficar durante toda aquela semana.



E Frank começou a passar todos os dias com os irmãos. Fez amizade com Mikey também. Os três faziam guerras de neve, brincavam com o trenó, patinavam no gelo (Gerard ensinou Frank, o que incluiu tombos, risadas, bochechas coradas e mais alguns tombos), tomavam chocolate quente, conversavam. Até Donna gostou do pequeno (que não era tão pequeno assim, afinal; era apenas um ano mais novo que Gerard. A altura enganava.), e sempre perguntava dele quando ele não aparecia para tomar lanche.

E a semana se passou, e Gerard gostava cada vez mais e mais e mais de Frank.
Quando viu, eram melhores amigos.
E depois, se pegou escrevendo o nome dele na neve.
E depois, imaginou como seria beijá-lo.
Não adiantava nem fingir que não.
Estava apaixonado.

— Frank? — Perguntou, enquanto os dois estavam sentados na varanda da casa. Os outros haviam saído, deixando-os sozinhos.

— Sim? — Frank lhe sorriu docemente, como sempre fazia.

— Ahm... — Suspirou. — Você sabe que nós vamos embora amanhã, né?

O sorriso de Frank morreu.

— É... Sei.

— Frank — Gerard se aproximou, tomando o rosto do mais novo nas mãos. — Eu nunca mais quero perder contato com você. Por isso, eu queria que você me desse seu celular, email, sei lá, pra gente continuar se falando. Eu até venho te visitar, prometo.

Frank mordeu o lábio inferior, contendo o choro.

— Ei, o que foi, pequeno?

— É que... — Fungou, limpando uma lágrima fina que riscava seu rosto macio. — Eu... Não tenho...

— Não tem celular? — Gerard franziu a testa. — Tudo bem, Frankie, você pode me dar o seu telefone de casa ou...

— Não! — Frank o cortou, chorando mais. — Eu não tenho, entende? Eu não tenho... Nada.

Gerard perdeu a fala por alguns instantes.

Como assim... Nada?

Realmente, Frank nunca havia mostrado sua casa, falado de sua família ou exibido algum bem material.
Mas... Gerard nunca imaginaria que ele...

— Você não tem casa, Frank?

Frank limpou mais algumas lágrimas.

— Eu moro numa casa abandonada. Eu vivo com algumas doações que eu recebo, de vez em quando, mas nem sempre. — Gerard sentiu um peso horrível no peito ao imaginar seu amado Frankie passando fome. — Minha mãe me abandonou quando eu era pequeno, e eu fiquei por um tempo num orfanato. Fugi de lá. Não conheço mais ninguém da minha família. — Soluçou. — D-desculpe, Gee, p-por não contar nada, mas é que eu g-gost-to tanto de você, e eu achei q-que... Você não ia mais querer falar c-comigo...

— Não, não, Frankie! — Gerard acolheu o menor, confortando-o em seus braços enquanto ele molhava seu casaco com as lágrimas. — Eu nunca faria isso, Frankie. Você devia ter contado pra mim, eu...

— M-me desculpe, Gee.

Gerard nunca havia se sentido tão mal.
O inverno, que sempre fora sua estação favorita, agora lhe parecia horrível. E todo o frio e fome que Frank deveria passar toda vez que aquela estação chegava!?
E o pensamento de que ele poderia quebrar com qualquer contato brusco, ou que sua pele branquinha pudesse ser maculada com qualquer coisa...
Frank sofria. E isso fazia Gerard sofrer, também. Demais.

— Está desculpado, Frankie, não chore, por favor. — O mais velho plantou um beijo na cabeça de Frank, enquanto afagava suas costas carinhosamente. — Eu gosto tanto de você... — Apertou o abraço. — Eu te amo.

Frank levantou o olhar, com as lágrimas secando.

— Isso é sério...?

Gerard anuiu, em silêncio.

— Ninguém nunca... Disse isso pra mim... — Mordeu o lábio, prendendo o choro mais uma vez. Gerard beijou sua testa. — Eu também, Gee, eu te amo também.

E então Gerard sorriu, e selou os lábios delicadamente. Limpou as lágrimas do menor enquanto beijava-o, afagando seus cabelos escuros enquanto sentia os dedinhos frios de Frank em sua nuca.

— Eu vou te ajudar, Frankie. — Sorriu ao se separarem, escondendo o rosto no meio dos fios escuros do outro. — Eu prometo.


E então, quando os amantes do fio vermelho se encontram, estão destinados a nunca mais se separar.


• • •


— Flake! Flake! — Frank corria e gritava o nome do seu cachorro de estimação, em pleno Central Park.

Pois bem, explicarei o que aconteceu com Frank e Gerard depois daquele dia.

Gerard explicou para os pais a situação de Frank, e eles concordaram em o levar para New Jersey junto com a família. Frank permaneceu com eles por mais ou menos um ano, que foi o tempo que ele levou para conseguir um emprego e voltar a estudar. Comprou um pequeno apartamento perto da casa dos Way e viveu lá por mais alguns anos.

Ah, e claro!, ele e Gerard ficaram juntos por todo esse tempo. Quero dizer, eles estão juntos até hoje. Gerard o pediu em casamento quando se formou na faculdade de Artes, e Frank aceitou, muito feliz, diga-se de passagem. Eles se mudaram para New York e passaram a morar juntos.
Tinham seus empregos, uma vida feliz e até um cachorro; Flake, um dálmata.

E é aí que nós voltamos para e cena em que estávamos antes.

Frank estava de férias; trabalhava em uma escola de música, ensinava crianças e jovens a tocar guitarra e baixo. Amava seu trabalho, e ficava muito satisfeito em ensinar algo para outras pessoas. Seu amor pela música nasceu quando descobriu um caderno de letras que pertencia a Gerard, e logo imaginou melodias para todas elas. O mais velho comprou-lhe um violão, e, desde então, Frank nunca mais largou o instrumento.

Aproveitou o tempo livre para levar Flake até o Central Park para uma caminhada. Gerard estava trabalhando, (trabalhava para uma editora de histórias em quadrinhos e tinha o seu próprio sendo publicado), então ele saiu sozinho.

Mas Flake era um cão muito travesso, saibam disso. E muito grande. Enfim. Depois de ver alguns esquilos e fazer de tudo para correr até eles, se soltou da mão de Frank e saiu correndo pelo parque.

E Frank foi logo atrás.

— Flake!

Esbarrou em algumas pessoas, tropeçou nos próprios pés, perdeu o cão de vista; o achou de novo. Correu até uma pracinha onde havia uma fila de crianças para comprar pipoca, e logo atrás de alguns arbustos, estava a coleira vermelha de Flake estendida no chão.

— Ahá! Ache... Ora, ora! O que temos aqui! — Frank abriu um sorriso enorme ao ver a cena: O dálmata, feliz da vida, lambendo o rosto de um Gerard risonho, derrubado no chão. — Seus danados!

Gerard se levantou, com um pouco de esforço, e logo depois abraçou o marido, deixando um beijo carinhoso em seu rosto.

— Fui dispensado mais cedo. Eu sabia que você estaria aqui, e fui recebido por esse furacão. — Riu, fazendo um carinho nas orelhas do cão, que latiu feliz.

Frank sorriu. Nunca havia se sentido tão amado, tão completo...

E de fato, estava completo. Tinha encontrado o outro lado de seu fio vermelho.

Gerard podia dizer o mesmo. Tudo aquilo que sempre quis sentir – as mãos tremendo, os sorrisos, o bem-estar só de ficar perto, o amor – ele sentia com Frank. Sua vida estava completa.

— Vamos tomar sorvete, Frankie?

— Só se for agora e se for de chocolate!



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Notas finais do capítulo

Eu acho essa lenda oriental tão linda, e acabei me inspirando. :3
Então? Bom? Ruim?