E Se... escrita por Evee Jacob


Capítulo 4
Sobrevivendo




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—Sim. A menina do acordeão e o rapazinho. Não se desgrudam. –Disse um policial com leve divertimento na última frase.

Ilsa caminhou até os dois e abaixou-se ficando da altura de Liesel sentada.

—Liesel? –Chamou e a menina continuou apática. –Liesel. –Chamou novamente e os olhos da roubadora de livros se viraram em sua direção. Úmidos. Tristes.

Ilsa sentiu um aperto ao vê-la e pegou sua mão com cuidado, reparando no sangue de seus dedos o que a fez procurar por qualquer machucado em seu corpo e suspirar aliviada em não os encontrar.

—Como está? –Liesel por um momento teve vontade de ser irônica. “Estou ótima não vê? Não significa nada ter perdido todos que amo.” Como ela fazia uma pergunta daquelas? Era óbvio que se sentia mal. Mas nada disse, só a olhou mais intensamente. Não conseguia pronunciar palavra alguma.

—Liesel? –Rudy a apertou levemente chamando sua atenção. A menina o olhou e seus olhos marejaram ainda mais.

Minhas lágrimas já deviam ter secado! Pensou triste e com raiva.

—Responda Frau Hermann. Ela está preocupada. –Falou sua maior frase até então em horas, a voz rouca.

—Deixe-a. Está em choque. Liesel? –Disse doce e Lis a olhou novamente. –Gostaria de vir conosco? Pode ficar morando conosco na Grand Strasse. Seu amigo... -Olhou para o menino

—Rudy Steiner. –Completou o garoto.

—Rudy pode vir conosco. -Olhou-o - Alguém de sua família sobreviveu? –Perguntou sem muita esperança e o garoto lembrou-se de seu pai.

—Meu pai... Mas ele está com os soldados...

—Lie? –Por um momento Liesel a olhou surpresa, mas logo sua expressão voltou a ser apática. – Venha comigo. –A garota olhou para Rudy. –Ele pode vir. Vamos. –Tentou pegar o acordeão, mas a roubadora de livros o segurou junto ao peito e permitiu que Rudy mantive-se os braços ao redor de seus ombros enquanto Ilsa segurava sua mão livre e os guiava delegacia a fora.

—--------

Os quatro dias que se seguiram só tiveram sua dor amenizada pela presença constante daquele Saukerl idiota.

—Querida hoje é o enterro... Não vai tomar banho? –Ilsa perguntou docemente quando Rudy saiu do mesmo. Vestia um camisão branco e calças pretas assim como os sapatos. Os cabelos lavados e penteados.

Naqueles dias trocaram algumas poucas palavras com Ilsa e até mesmo com Rudy que dormia num colchão no chão a seu lado a pedido da mesma.

“Por favor… Pelo menos ele. É só o que me restou...”—E as lágrimas rolaram fazendo com que Ilsa a abraçasse e concordasse em dormirem no mesmo quarto.

Ilsa a chacoalhou fazendo-a voltar a realidade.

Os Flashbacks eram uma constante desde 4 dias atrás.

—O que? –Perguntou com a voz rouca de desuso. Ilsa suspirou.

—Venha,precisa de um banho.

O que houve com o “Vá tomar banho sua Saumensch imunda! Antes que jogue água fria em você!” Pensou por um segundo e então como um soco no estômago, lembrou-se. Nunca mais ouvirei...

Pela primeira vez naqueles dias assentiu, deixando-se ser guiada por Ilsa até o banheiro e deixando que a mesma a despisse e lhe banhasse como se fosse uma criancinha.

Recebeu um vestido de mangas compridas que parava na altura de seus joelhos e sapatilhas da mesma cor. Ilsa colocou um laço de fita branco em seus cabelos louros depois de penteá-los e fazer uma pequena trança lateral que se perdia em suas longas madeixas, carregando a fita.

A mulher do prefeito sorriu feliz. Sentia ter ganho uma filha para cuidar. A bonequinha que sempre quis. Só faltava agora que a bonequinha voltasse a ser a garotinha feliz a quem deu um caderno. A garotinha a quem dera biscoitos e permitira ler em sua biblioteca.

Deixou a menina ali indo se aprontar e no corredor suspirou indicando o quarto a Rudy.

—Lis? –O menino a chamou, porém ela manteve a cabeça baixa. –Lies! –Exclamou quando ajoelhou-se a sua frente e levantou seu queixo. Lágrimas escorriam e começavam a molhar seu vestido. –Ora, está tão bonita Saumensch! Não chore. –Abraçou-a junto a seu peito. –Shii. Está tudo bem.

Tomada por uma fúria repentina soltou-se dos braços do garoto.

—Não Saukerl! Não está tudo bem! Nunca estará! Todos se foram! Todos... –Um soluço fez seu corpo tremer e interrompeu seus gritos. –Todos... –Repetiu num sussurro.

—Não Saumensh. Está errada Meminguer. As coisas podem estar ruins, mas melhorarão. Perdi minhas irmãs, minha mãe, meu irmão, meus amigos! Perdi meus futuros sogros! –Teve de sorrir com essa palavra e até Liesel teve vontade de o fazer. –Não perdeu todos. Estou aqui. Ilsa está aqui e quer ser sua mãe. Quer cuidar de você. Devia agradecer por ter tido duas mães e ter ganho uma terceira!

—E duas morreram.

—Não. Não deve pensar assim.

—Chegamos ao fundo do poço Rudy. Não vê?

—Não. Não vejo. O que vejo é que se estamos no fundo do poço isso é ótimo! Sabe porquê? –Perguntou sob o olhar confuso da menina – Porque se já chegamos não tem o que descer. Agora temos de tentar subir. E se a queda foi rápida, bom...A subida pode ser devagar, mas chegaremos! E a queda nunca vai ser maior! Já chegamos ao fundo! Estou aqui não está vendo? Se não tivesse ido falar com você aquela hora, e bom, Tommy me disse para ir. Mas dormi sem falar com você e estava perturbado. Tentei voltar a dormir e foi impossível. Precisava falar com você Saumensch! Talvez tenha sido Tommy que nos salvou. Você ia ao porão ler? Quem te ensinou? Hans não foi? Eles nos salvaram! Não estaríamos vivos agora. E creio que ninguém que amamos estaria contente em nos ver no fundo do poço. Iriam querer que subíssemos. Liesel. Hans gostaria que ficasse vagando como um fantasma? Apática?Triste?

Esperou que suas palavras fizessem efeito e viu a menina cair de joelhos.

—Não. Ele não gostaria. –Respondeu chorando e Rudy andou até ela a tirando do chão. –Você tem razão Rudy... Me... Me desculpe…

—Não há o que se desculpar. –Passou as mãos pelo cabelo da mesma que em muitos dias permitiu-se aproximar seus lábios e provar o doce gosto de seu Saukerl novamente. Ele retribuiu o beijo a erguendo mais, a fazendo ficar da sua altura e tão logo o ar lhes faltou separaram-se arfantes.

Sorriram um pouco vendo que em dias não haviam sentido aquilo.

Ilsa que presenciara toda a cena, desde o início da breve discussão fingiu ter chego aquele momento e os chamou.

—Venham crianças. Está na hora.

 

No cemitério o padre falava e falava cansando os dois jovens.

O que faziam aqueles desconhecidos ali?

Só os dois haviam realmente perdido alguém que amavam... – Pensou Liesel e em seguida meneeou a cabeça mantendo o pensamento longe enquanto um a um eram enterrados os corpos.

Os que presenciaram o enterro contam que a menina permaneceu o tempo todo imóvel diante do caixão, com o garoto mantendo os braços ao redor dela e que Ilsa segurava sua mão.

“Tommy...Obrigada. Obrigada por mandar Rudy falar comigo...”

“Obrigada meninas por brincarmos...”

“Obrigada pelos assobios Pfiffikuss...”

“Adeus...Mamãe...Saumensh...”

“Adeus papai...Adeus...”

Despediu-se de todos em sua mente e coração desejando que em qualquer lugar que estivessem pudessem ouvir.

Rudy apoiou-a enquanto andavam a passos lentos em direção ao carro. A menina acabou adormecendo nos braços do garoto que a carregou para dentro quando chegaram.

—Ela ficará bem. –Disse convicto a Ilsa que olhava-a preocupada.

Acomodou-a na cama e Ilsa estava atrás deles.

—Deixe-me trocá-la. –Disse e ele assentiu saindo.

Tirou delicadamente o vestido preto trocando-o por uma camisola na altura dos joelhos branca e tirando a fita de seus cabelos, beijou-a na testa.

—Durma bem anjinho. –Levantou-se e saiu do quarto

Rudy estava na porta e ela lhe beijou a testa.

—Boa noite...E... Cuide dela, sim?

—Claro. Boa noite Frau Hermann.

—Ilsa. Tia Ilsa.

Ele sorriu entrando no quarto. Tirou a calça e o camisão. A menina estava dormindo mesmo! Procurou na cadeira ao lado do colchão suas roupas de dormir e encontrou a camisa velha e a bermuda surrada duas vezes maiores que ele que Heinz havia achado no fundo do guarda roupa.

Ajeitou o colchão sob o tapete felpudo, estendendo o grosso cobertor e afofando o travesseiro.

Sentou-se no colchão e observou a menina que tanto amava.

Liesel remexeu-se entreabrindo os lábios e pronunciando o nome de seu pai. Então chamando pela mãe. Ficou tenso. Preparou-se achando que a menina acordaria gritando mas, ao contrário, ela suspirou; Uma lágrima escapou e antes de silenciar sussurrou:

—Rudy.

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