Retalhos escrita por Mandy


Capítulo 2
Stanford


Notas iniciais do capítulo

Esse capitulo pode ser descrito como um monte de pensamentos jogados em um padrão singular.
Aqui teremos um único dialogo, sendo assim, quem prefere historias mais dinâmicas provavelmente ou vai ficar entediado ou vai gostar do novo estilo.
Bom, aqui está tudo que você precisa saber sobre Jessica Moore e o momento exato que ela se apaixonou por um certo Sam Winchester.
Espero que gostem!
PS- Referencias a Clarice Lispector.



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"Por onde andei?
Enquanto você me procurava
E o que eu te dei?
Foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei?
Algumas roupas penduradas
Será que eu sei?
Que você é mesmo
Tudo aquilo que me faltava"

Por onde andei- Nando Reis

Setembro-Dois mil e um

Ela poderia lembrar-se até mesmo da roupa que estava vestindo. Para ela sua roupa mostrava o quão diferente ela se tornou nos últimos dez anos. Ela já não era mais a Jessica que costumava usar roupas da moda e sair de noite com um grupo de amigas para paquerar ou beber, seus interesses agora eram outros.

Quando pisou pela primeira vez na universidade de Stanford tudo a tinha agradado; o campus, os alojamentos e o próprio prestigio da instituição; tudo contribuía para seu ingenuo pensamento que a dizia que esse era o lugar que mudaria sua vida para sempre e que era o direito a salvação para sua pessoa.

Como ela estava enganada.

Ela passava com seu jeans de grife e sua blusa vermelha de marca pelos corredores da biblioteca, era incrível como poderia se lembrar perfeitamente de tudo naquele dia, como os livros estavam sendo reorganizados para um novo tipo de sistema e como os funcionários estavam sobrecarregados. Naquele momento ela não tinha reparado em mais nada a não ser a mudança dos livros, mas se ela se lembrasse com muita força poderia ver seu professor de literatura brasileira sentado em uma das mesas lendo um exemplar de “Dom Casmurro”. Ironicamente essa era a única matéria que ela conclui em seu curso e mesmo que não seja uma disciplina da grade de direito ela jamais poderia dizer que se arrependeu de escolher a tal cadeira, os poemas e livros que conheceu- alem de um novo idioma- eram surpreendentes e tinham se grudado de tal forma em sua mente e emoção que nem depois de morta ela esqueceria.

Ela devia muito aquela disciplina, afinal, foi justamente por causa de um livro que tinha de ler para a primeira prova que encontrou o homem de sua vida.

Ele tinha sido descrito por sua amiga como “O cara lindo e nerd que estuda direito civil com a gente” bom, por mais que ela tentasse nunca conseguia se lembrar de ter visto ele em nenhuma das aulas anteriores. Como ela conseguiu perde-lo por praticamente um mês inteiro jamais descobriria.

O nome dele era Sam e ele era um daqueles assistentes da biblioteca que trabalhavam de tarde para ajudar a pagar a faculdade. Isso qualquer um poderia dizer pelo simples fato de que o jovem lindo em sua frente nunca comia nos restaurantes do campus ou perdia uma oportunidade de emprego. As vezes ela poderia ouvir fofocas sobre ele, alguns diziam que ele era muito pobre e tinha uma família para sustentar, outros diziam que ele era um assassino- o por que desse boato era um outro mistério- mas a melhor das fofocas eram as que diziam que ele era o primeiro a entrar na faculdade dentre todos os seus parentes e que ele queria mostrar para seu irmão que era capaz de estudar um curso chato como o de direito.

Foi somente mais tarde que Jessica descobriu que a ultima hipótese era a única verdadeira.

Ele tinha sido gentil com ela, do principio ao fim. Jamais ousou perguntar a pergunta que todos faziam sobre o por que de estar cursando uma matéria inútil tendo em vista que não serviria nada para a profissão de advogada ou ficou flertando da forma desagradável que todos os outros faziam. Definitivamente Sam era uma pessoa fora do comum, seja por seu tamanho ou pelos olhos de cachorrinho que ele sempre mantinha enquanto se perdia em meio ao novo sistema da biblioteca.

Não demorou muito para que os dois descobrissem que tinham mais coisas em comum do que as aulas de direito civil.

Cerca de dois dias depois eles começaram a sair para lugares interessantes e alternativos que as outras pessoas não costumavam ir. Eles foram a museus de arte e feiras de livros infantis, discutiram sobre qual a melhor historia dos irmãos Grimm e qual era a melhor musica de Simon and Garfunkel. Seus sorrisos eram espalhados pelo rosto sempre que se viam e não demorou muito para o primeiro beijo ser trocado.

Tinha sido na segunda semana de outubro.

Sam estava contando a ela sobre sua vida- um fato que tinha demorado muito mais tempo para que fosse revelado- e seus olhos não conseguia parar de lacrimejar. Ela sentia a dor que ele não demonstrava. Nunca tinha passado por seu pensamento perder a única pessoa a quem tinha como parente e sabia com uma certeza que se um dia ela a perdesse os sentimentos de inutilidade seriam dominantes.

Era certo que se um dia ela perdesse sua querida avó seu mundo se desabaria.

Quando ele terminou sua narrativa com a carinha de cachorro que somente ele sabia fazer direito seu polegar tinha se movido para seus olhos amendoados e ela sentiu suas lagrimas serem tiradas de si. Aquilo por si só era novo, nenhum de seus antigos namorados tinha feito isso, seja por que seus outros relacionamentos eram sempre machões idiotas, ou porque ela sabia que eles achavam mulheres choronas algo deprimente, o fato era que jamais tinha chorado na frente de um homem por algo que não era considerado merecedor de choro.

No caso dela a morte do pai de Sam era algo que realmente merecia suas lagrimas, mesmo que ele relatasse o ocorrido como algo esperado. Era muito clara a relação entre eles e Jess poderia dizer que Sam não estava arrependido de nada que tenha dito a seu pai. Tudo aquilo era estranho, um homem como aqueles era uma peça rara.

Ela nunca tinha brigado por muito tempo com sua avó, mas sabia de coração que se ela morresse o sentimento de culpa por qualquer coisa que ela poderia ter feito e não fez seria devastador.

Depois de todo o pensamento e de ter voltado a seu passado Jess descobriu que aquele era tudo o que lhe faltava. Ele era inteligente, engraçado e carinhoso. Sua vida tinha mudado de ponta cabeça depois de conhece-lo e agora homens machistas e fortes não faziam mais parte de seu repertorio.

Sam era o único mesmo sem ser o primeiro.

O beijo que eles compartilharam naquela noite foi a confirmação de algo que seu coração já sabia.

Ela queria aquele homem gentil para si.

Não durou duas semanas para que eles deixassem o relacionamento intermediário e entrassem na esfera do namoro.

Aquele tinha sido o momento mais feliz de sua vida. O único que ela pensou que seria eterno como um daqueles desenhos da disney e que nada nem ninguém separaria seu amor.

Mais uma vez ela estava muito errada.

Seu pensamento culpava seu velho ser por metade da dor que sentiu. Ela não sabia ser generosa, não se importava verdadeiramente com as pessoas que nunca tinha visto e não sabia lidar com todos. Sinceramente Jessica poderia dizer que tinha entrado no curso de direito apenas para fazer uma carreira glamourosa e honrar o nome de seus pais que tinham sido grandes advogados. No fundo de seu ser ela não tinha o coração para executar o trabalho necessário de um advogado.

Ela nem sequer conseguia entender o livro “A hora da estrela”.

Todas as suas discursares com o professor de literatura brasileira tinham sido por causa daquele livro que na época ela acreditava ser uma perda de tempo. Como poderiam existir pessoas tao burras e ingenuas nesse mundo?

Seu professor continuava dizendo que sua teimosia um dia faria o melhor dela, ele dizia que um dia ela encontraria uma pessoa igual a protagonista desse livro e teria de viver com ela. Obviamente ela fez o sinal da cruz para isso e riu dizendo que aquilo não tinha como acontecer, eles estavam nos Estados Unidos e as pessoas desse pais eram inteligentes e bem informadas sobre o mundo.

Se alguém dissesse a mesma coisa para ela nos dias atuais certamente sua resposta seria muito rude. Infelizmente na época era aquilo o máximo que conseguia pensar sobre o ser humano. Como Sam Winchester tinha se apaixonado por ela naquele tempo era um outro mistério.

Eles continuavam saindo e se conhecendo cada vez mais.

Não demorou muito tempo para que ele apresentasse Dean.

Jess poderia dizer que o primeiro encontro não tinha sido uma das melhores coisas.

O homem de olhos verdes tinha aparecido na casa em que eles tinham comprado- na verdade ela tinha comprado com o dinheiro de sua avó e ele tinha ajudado a decorar com sua força e bom gosto- no meio da noite, completamente bêbado e dizendo que estava prestes a se casar com uma mulher que tinha conhecido a um ano na firma em que trabalhava (ele era um engenheiro mecânico muito bom pelo que ela tinha lido em seu currículo) mesmo naquele tempo a mulher poderia dizer que ele jamais se lembraria desse encontro e mesmo assim tinha guardado algumas magoas dele.

Ninguém que invadia sua casa no meio da noite com mais de dois litros de álcool etílico dentro do corpo e que estava gritando para toda a vizinhança ouvir coisas de sua própria intimidade e ainda por cima dizendo aos quatro ventos como ela seria gostosa se fosse dele- nesse momento Sam tinha praticamente dado um murro muito forte em seu braço para mante-lo calado- merecia a sua confiança. Infelizmente para ela o cara loiro era o irmão mais velho, o único que realmente o tinha criado, do seu namorado, ou seja, ela teria de se dar bem com ele não importa o que.

Mesmo tentando ser cordial com o homem descortês ela nunca apareceu em seu casamento. Como poderia? Foi exatamente no dia do casamento de Dean Winchester que a vizinha estranha que morava a uma porta de sua querida avó tinha ligado para ela dizendo que Marina estava no hospital.

Ela se mudou para São Francisco em um piscar de olhos deixando apenas uma mensagem para Sam dizendo-lhe que tudo estava acabado. Ela não queria detalhar sua situação por ter medo da pena que veria em seus olhos, o doce homem de olhos castanhos era muito capaz de sair correndo atras dela e desistir de toda a sua vida e Jessica não queria isso.

Em um único ano sua vida tinha mudado de ponta cabeça duas vezes.

Sua querida avó, a única pessoa que ainda era de sua família e que ainda estava ali na terra dos vivos, estava morrendo de câncer de celulas pequenas de pulmão.

Ela se lembrou muito bem de como tinha reagido a tudo isso. Logo depois que o oncologista que cuidava de Marina disse quanto tempo a velha mulher tinha de vida ela correu para o banheiro e vomitou tudo o que tinha comido naquele dia.

Nada no mundo a tinha preparado para aquilo. Sua única família, a mulher que tinha ensinado-lhe a andar e a falar, a mulher que tinha a apoiado e amado durante toda a sua vida tinha menos de cinco anos de vida.

Jessica pensava que o mundo não poderia ser mais injusto.

Quantas pessoas que matam e estupram ainda estão vivas para fazer seus atos horrendos mais uma vez? Sua vó, que nunca tinha feito mal a ninguém tinha de ser a única a morrer!

Durante as primeiras semanas aquilo era o único pensamento que passava por ela. Era logico como tinha ignorado o fato de que sua avó não era a única pessoa que morria nesse mundo.

Ao se lembrar daqueles momentos Jessica poderia apenas pensar que se tivesse conhecido Jimmy um pouco antes ela talvez não passaria por tanto sofrimento.

Infelizmente ela só foi conhecer os Novaks quase cinco anos depois.

Foram as noites silenciosas que ela passava no quarto de hospital com a senhora idosa que a tinha criado como filha que ela mais se lembrava de Sam. Como ela tinha perdido ele, como ela tinha sido uma idiota ao sumir do mundo e não dar a ele nenhuma satisfação, como ela tinha sido idiota ao trocar de aparelho telefônico e celular e nunca ter ligado para ele... ela sentia tanto a sua falta, sentia falta do cheiro de seu cabelo, da cor de seus olhos e de sua voz.

Ela sabia que se um dia eles se reencontrassem era bastante provável que ele poderia estar casado com uma advogada famosa.

Bom, Sam realmente tinha se casado.

Mas tinha demorado muito tempo para isso acontecer.

Ele estava esperando pelo seu retorno? Ou simplesmente não queria mais nada com as mulheres por ter medo de ser enganado mais uma vez?

Jessica tinha passado noites e mais noites em claro pensando na possibilidade de fugir e voltar para ele, ou de pelo menos ligar para o numero que ela sabia ser seu celular e pedir milhões de desculpas. Infelizmente toda vez que ela pensava nisso a imagem de sua avo morrendo sem que ela esteja lá para dizer o quento a amou aparecia em seu cérebro e ela era imediatamente petrificada.

Sendo assim ela nunca ligou para ele.

Sam certamente estaria melhor sem ela. Tudo o que ela tinha feito para ele foi beija-lo. Em sua relação curta ele tinha sido o único a ser herói, o único a dizer coisas encantadoras e o único a realmente se mostrar interessado em um relacionamento mais duradouro. Ela era e sempre tinha sido uma simples vadia que não se importava com os outros.

Naquela época ela nunca saberia lidar com crianças, na verdade tinha medo delas, e não seria a melhor pessoa para cuidar de Jimmy.

E mais noites foram gastas com Jessica Moore pensando em como era ridícula.

Talvez ela realmente fosse, mas vendo de uma ângulo diferente a mulher loira de dois mil e onze poderia dizer que nada tinha sido tao importante para sua vida quanto aquelas noites. Foi em uma delas que ela prometeu a si mesma se transformar em alguém melhor. Se transformar em alguém como Sam.

Aquela tinha sido a mesma noite que a sua vó tinha morrido.

Por alguma razão muito bizarra a única coisa que ela conseguiu pensar durante o enterro, que só tinha ela e alguns vizinhos presentes pois a família que a mulher tinha criado estava toda no outro mundo, foi em um livro da literatura brasileira chamado “A hora da estrela”, o único livro que ela odiava com toda a sua força.

Ela nunca admitiria, mas seu professor estava certo. A hora da estrela é a mesma hora em que nos morremos.

Lagrimas passavam por seu rosto e ela viu-se jogar flores no buraco onde o caixão estaria.

As pessoas apenas percebem a falta de algo quando esse algo não existe mais. Jessica era hipócrita, sempre dizia que amava a sua Marina, mas jamais tinha visitado-a depois que foi para a faculdade.

Agora sua avó estava morta e ela não tinha para onde ir.

Parecia que sua vida tinha acabado.

Ela passou as próximas quatro noites pensando em Sam e em Marina.

As vezes em seus sonhos os dois pareciam próximos e as vezes os dois pareciam distantes.

Ela acordava aos gritos.

Ela pensava que era uma idiota.

Tao idiota quanto a vidente que tinha trocado os destinos de proposito para deixar que a tola da Macabeia morresse feliz.

Sam era mesmo tudo o que lhe faltava, mas ela não tinha coragem de aparecer para ele, não depois de tudo o que tinha acontecido.

O único destino que parecia ser prefeito para ela era uma vida solitária em sem amor, uma vida composta por sentimentos de auto piedade.

Aquilo tinha durado por mais ou menos cinco meses.

Ela ainda sentia a falta de Sam, sentia como se a saudade fosse um ferro em brasa que marcava seu peito, mas depois, depois de conhecer sua Macabeia ela não poderia ser a mesma.

Seu professor estava correto no final. Ela iria pagar por tudo o que tinha dito sobre a melhor obra de Clarice...

Do jeito que tudo aconteceu era muito palpável pensar que tinha sido o espirito da própria escritora quem tinha armado tudo para ela.

Foi em um dia chuvoso que ela tinha encontrado a pessoa que ia mudar sua vida.

Ela não tinha aprendido a ter paciência de uma forma magica, mas foram os momentos de erro que a fizeram crescer.

Pouco a pouco a pessoa que tinha devolvido sua carteira, e que tinha assustado tanto ao descobrir o que ela estava pensando se transformou na boia salva-vidas que a arrastava para terra forme.

Ele a salvou de uma depressão.

Ele tinha virado seu amigo.

Ele tinha a feito ser paciente e generosa.

Ele tinha lhe dado uma segunda chace.

Ele tinha trazido Sam devota para ela.

Ela tinha aprendido a ser paciente.

Ela tinha se interessado pelas pessoas.

Ela tinha descoberto que gosta muito das artes.

Ela tinha descoberto que Sam ainda procurava por ela.

Ela não queria mais encontra-lo.

Jessica Moore tinha desistido de sua felicidade no amor, ela acreditava que se um dia eles se reencontrassem e se fosse para eles ficarem juntos eles ficariam.

Pelo tempo de aprendizado com seu protegido tudo o que podia pensar era que Sam merecia muito mais do que uma simples mulher que o tinha abandonado no meio de um ano como se tudo o que eles tinham vivido não passasse de um simples sonho.

Ela queria que ele fosse feliz, pois tudo o que tinha feito para eles era pouco comparado a grandeza do homem que a amou verdadeiramente.

Quando ele se casou ela ficou magoada, mas feliz. Ele poderia ter uma segunda chance.

O tempo todo Jimmy a olhava com uma cara de duvida. Ela sabia que ele estava escondendo algo dela. Foi difícil aprender a lê-lo, mas quando finalmente se tornara mestre nessa arte ela poderia descobrir até seus pensamentos mais íntimos. Sim, ele estava escondendo algo dela, mas aquilo não tinha importância ela descobriria mais cedo ou mais tarde.

Naquela noite ela sonhou com Sam Winchester.

Ela se lembrou muito bem de ter dito em seus sonhos.

-Você é tudo o que me falta. Ela estava muito certa sobre isso. Pois o amou.

Ela nao sabia que aquilo era uma simples virgula em sua historia.

O ponto ainda estava muito longe para chegar.


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Notas finais do capítulo

Quem gostou manda comentários!
Mandy
PS- o próximo capitulo mostra Gabriel tomando a decisão mais difícil de sua vida. não percam!



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