À Francesa escrita por Nana San


Capítulo 28
Capítulo 16




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Não arrancaram os cabelos, não rolaram pelo chão, não se morderam, não desrespeitaram os limites um do outro. Foi um beijo maduro, daqueles que os casados dão quando se veem pela primeira vez depois de um dia cansativo de trabalho. O mesmo beijo de amor incondicional da mãe com o seu bebe recém nascido, o tão delicado beijo que damos uma única vez na vida, quando amamos e somos amados completamente.

Lívia demorou pouco mais que alguns segundos para abrir os olhos quando se afastaram. Ouviram o barulho dos fogos lá fora e uma pequena comemoração ganhando voz no salão de festas.

- Feliz Natal. – Ele disse sorrindo.

- Feliz Natal. – Respondeu Lívia apoiando as costas no sofá. – Para onde você pensa que vai com todas essas malas?

- Ah, não. Preferia quando estava quietinha. – Disse Eduardo jogando os braços para trás da cabeça, deitando sobre o tapete. – Deita aqui.

- Temos que voltar para casa. – Disse ela acomodando-se ao seu lado.

- Temos, é? – Perguntou Eduardo tirando uma mecha molhada de sua testa.

- É. Senão o Pedrinho me mata. Não podemos fazer amigo oculto quando falta alguém... E nós não estamos lá.

- Nós?

- É! Nós dois. Você vem comigo para casa.

Ele virou de bruços para encará-la, roubou um selinho e esperou alguma reação. Lívia ficou paralisada, mas logo fechou os olhos e começou a mexer na gola de sua camisa. Eduardo riu para si, sua ansiedade por beijá-lo era mais que motivo de riso. Trocaram beijos e carícias deitados naquele chão enquanto a chuva cessava do lado de fora.

 Não era bem o natal em família que a mãe de Lívia planejava, mas sabia que a filha estava bem. “Notícias ruins vem mais rápido” – pensava consigo mesma, atrasando o amigo oculto. O pai estava impaciente, preocupado por não conseguir falar com a filha, que nunca atendia o celular. E Pedro mais ainda, sacudindo todos os presentes acessíveis, tentando adivinhar qual era o dele.

Os minutos começaram a passar e o silêncio a tomar conta do quarto. Lívia estava começando a bocejar, a permanecer com os olhos fechados por muito mais tempo que o normal, a se aninhar em seu peito e calar-se. Eduardo previu policiais batendo a porta de seu quarto na companhia do pai enraivecido de Lívia e Matias, para completar o time contra. Chamou-a diversas vezes ao pé do ouvido.

- Vamos, levante-se. Temos que ir para casa, não temos? – Chamou Eduardo ajudando-a a levantar. – Seu vestido está gelado!

Ele começou a torcer a barra da saia do tecido enquanto ela tentava manter-se de pé, apoiando-se nas malas, nas poltronas. Os músculos relaxados estavam prejudicando-a. Eduardo abriu uma das malas e ofereceu uma blusa polo, uma das mais curtas que tinha, mas que ainda engolia Lívia.

Sua primeira atitude foi recusar, educadamente. Mas fisicamente, ela era muito mais fraca que ele e o corpo não atendia mais as cerimônias de uma menina comportada. Permitiu-se levar por Eduardo até o banheiro segurando blusa, bermudas e cintos.

- Tem toalhas dentro do armário, seque-se e vista isso. Não pode chegar em casa nesse estado. – Disse fechando a porta do banheiro.

- Eu não posso é vestir isso. – Exclamou observando-se frente ao espelho. – Está horrível! Não tenho nada contra suas roupas, mas elas ficam melhor em você!

- Lívia, por favor... – Começou – Espere. Acho que consigo algo melhor... Você tem alergia facilmente?

- Não... Como assim? – Perguntou jogando o vestido dentro da pia, secando o corpo com uma toalha.

Escutou o barulho da porta abrindo e batendo. Eduardo já não estava mais no quarto. Lívia não alcançou seus planos, mas estava certa de que fugindo não estava. Ah, não estava mesmo.

Vestiu a blusa e a bermuda. Poderia dar mais meia volta no cinto, mas não havia buraquinho para prender. Ou usava a blusa como vestido curto ou a bermuda como macacão. Seu corpo estava quadrado e disforme, os seios marcados na blusa e os cabelos um ninho.

- Lívia! – Ouviu Eduardo gritar entrando pela porta do banheiro– Temos duas opções.

- Diga. – Disse cruzando os braços sobre o busto na tentativa de cobrir quaisquer sombras.

- Ou dormimos aqui e você deixa o vestido secando sobre o aquecedor. – Disse abrindo um belo sorriso safado – Ou... Veste uma roupa antiga da Dona Judith.

Antes que ela se perguntasse quem era a tal Dona Judith, a senhora rechonchuda estava de pé atrás do Eduardo acenando para ela. Aquela senhora... Sim, era a vizinha dele. A que ofereceu companhia num dos dias que Lívia tinha passado no corredor. Pediu licença a Eduardo e entrou para o banheiro, fechando a porta em seu nariz.

- Olha o abuso! – Reclamou Eduardo do outro lado.

- Não acha que vai ver a menina trocar de roupa, não é?! – Gritou Dona Judith – Agora vamos, tire logo essa camisa. – Pediu a senhora apoiando uma pequena maleta de madeira sobre o sanitário.

Lívia pôs de a agradecer e obedeceu a senhora impaciente. Dona Judith não tinha motivos aparentes para ajudar, mas tinha todo cuidado ao retirar de dentro da maleta um vestidinho cor-de-rosa cheio de rendas e laços de cetim.

- Eu nem sempre fui velha e gorda, menina. Tinha cinturinha fina e umas cadeirinhas maravilhosas. Herança da tia Yolanda... - Disse estendendo-o a frente do espelho - Eu usei quando era moça no dia em que conheci meu marido. Ele não era assim tão apagado, nem tão amassado, mas acho que vai lhe servir.

Lívia ficou paralisada por alguns instantes. O vestido tinha um tom de rosa queimado e manchas esbranquiçadas pelo tempo, mas era lindo. No fundo da mala tinha algumas luvas, brincos e meias calça da mesma cor. Era um conjunto. Admirava-o com os olhos, grata por mais aquele acontecimento mágico de natal. Nunca passou por sua cabeça que chegaria a usar algo tão antigo e bonito.

- Não tenho palavras para lhe agradecer.

- Não são todos os dias que alguém foge daqui com uma menina com metade da idade. – Disse Dona Judith sorrindo – Tenho que fazer minha parte. Agora vista! Seu homem está do lado de fora colocando as tripas pra fora de ansiedade.

Gargalharam juntas dentro do banheiro e ouviram Eduardo reclamar da demora do lado de fora. Ameaçou ir embora, mas nem ele acreditou. Dona Judith saiu do banheiro primeiro anunciando a nova Lívia, que de nada tinha mudado desde os dez minutos que tinham se passado.

- Lívia... Atchim! – Espirrou Eduardo. – Está parecendo que a minha avó saiu da foto. 

- Grosso! – Disse Judith batendo o pé no assoalho.

A ajuda de Dona Judith não se limitou simplesmente em vestir a menina, mas também a carregar malas, chamar um táxi de firma e ainda distrair os demais moradores da casa de repouso, para que ninguém os visse fugindo.

- Olha lá! Lá vem o táxi. – Disse Judith apontando para o único par de faróis acesos na rua. – Vão! Eu tenho que entrar...

- Somos muito gratos. – Disse Eduardo abrindo a porta do banco de trás para Lívia.

Pôs a bagagem na mala do táxi e pediu ajuda ao taxista para prender a bicicleta sobre o carro. O taxista os olhava de esguelha, talvez com medo de algum tipo de armação. Nunca se sabe o que os loucos podem fazer. Quem chamaria um táxi numa noite de natal vestidos daquela maneira, carregando uma bicicleta velha? Ou eram artistas de teatro ou sabe Deus o que são.

Ligou o motor novamente e perguntou o intinerário.

- Não quer vir conosco, Dona Judith? – Perguntou Lívia sem pensar colocando a cabeça para fora da janela.

- Ah, não, minha filha. Muito obrigada, mas o meu lugar é aqui... Quando quiser visitar! – E foi sumindo do campo de visão a medida que o carro dava partida.

As ruas estavam vazias e o único barulho era o do motor e o das três respirações dentro do táxi.

- Estranho... – Comentou Lívia abraçada a Eduardo.

- O que é estranho?

- Esse silêncio todo. Meu celular ainda não tocou... – E apalpou o bolso, que bolso? – Esqueci meu celular no asilo!

- Tem certeza? Depois compramos outro! Foi uma dificuldade para sair de lá...

- Vocês querem que eu faça a volta? – Intrometeu-se o taxista.

- Não! – Disse Eduardo num impulso, assustando Lívia. – Você o trouxe quando saiu de casa?

- Não me lembro... Meus pais vão me matar.


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Notas finais do capítulo

Comentários sinceros, meus amores. Eu não sei se ficou bom.