Chances escrita por Claudia Boo


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Tal como já disse no disclaimer, a forma como irei retratar a doença fibrose cística, não será muito correta e real por vezes, até porque, considerando isto uma história amadora, é necessário para o decorrer da história. Peço portanto que se quiserem informações verdadeiras sobre a mesma, não se fiem exclusivamente no que pode acontecer aqui, considerando que eu não sou especialista no assunto, e irei retrata-la de forma "imatura".



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Encarei novamente o relógio cuidadosamente colocado no centro da imensa parede branca, enquanto me ajeitava mais confortavelmente na cadeira dura. Os ponteiros escuros e prepotentes pareciam ganhar o seu próprio ritmo sempre que os olhava, negando-se a seguir o curso natural do tempo. Marcavam neste preciso momento 9h15. Exatamente 15 minutos a mais daquilo que deveria ter esperado para entrar naquela maldita consulta. Não que estivesse realmente ansiosa por fazê-lo. Nunca ninguém se encontra realmente preparado para ouvir alguém ditar o seu futuro tão pormenorizadamente, e sem qualquer tipo de vírgulas. No entanto, encontrava-me demasiado alerta naquele momento para querer adiar as más noticia por mais tempo que fosse. Se elas tinham que vir, pelo menos deveriam chegar agora. No preciso momento em que o meu coração se encontrava sereno, e os meus nervos brandos o suficiente para as conseguir aguentar.

- Não aguento mais ficar aqui à espera. – resmunguei baixinho, balançando os pés na cadeira como uma criança birrenta.

- São só mais alguns minutos, tenho a certeza. – respondeu Elise, a minha mãe, não tirando os olhos da revista de moda que lia. – O Dr. Andrews está a fazer um grande favor em atender-nos assim, em cima da hora. Não reclames, por favor.

Bufei ruidosamente encarando o teto. Às vezes tinha dificuldade em entender o estado de espirito da minha mãe, ou até mesmo as razões que motivavam as suas ações. A verdade é que, por muito que tentassem a todo o custo fazer-me sentir o contrário, eu sentia que tinha o direito de reclamar de tudo na minha vida. Ponto final. Pelo menos achava que detinha esse poder desde os meus 5 anos, quando fui diagnosticada com fibrose cística. Uma doença que afetava, não só o funcionamento físico do meu corpo frágil, mas tudo aquilo que me rodeava. Era como viver com uma bomba-relógio atada à cintura, prestes a rebentar, e a fazer o maior número de estragos possíveis. E o pior, é que parecia ser tudo muito fácil quando víamos de longe. Apesar de não ter cura, a fibrose cística consiste basicamente num ”defeito" na produção das secreções, originado por um gene defeituoso, que faz com que estas se tornem espessas e em grande quantidade. Simples não é? Não se trata de destruição de células, nem de vírus ou bactérias que vão digerindo lentamente o nosso organismo. O problema é que isso acaba por não ser tão linear assim. A espessura e grande quantidade das secreções acabam por obstruir vários caminhos que existem no organismo, impedindo ou dificultando a passagem de substâncias que são importantes para o crescimento e funcionamento de algumas partes do mesmo. E como uma desgraça nunca vem só, tudo isso acaba por provocar um elevado número de problemas respiratórios, digestivos, pancreáticos e intestinais, que apenas podem ser minimizados com uma alimentação super equilibrada, muito exercício físico, fisioterapia respiratória diária, e a toma de suplementes vitamínicos e medicamentos todos os dias. Sem esquecer, claro, o prazo de validade que tudo isso tinha atribuído à minha, ainda precária, vida. É que, para não ter mais nenhum motivo para reclamar, as pessoas que sofrem desta doença viviam em média até aos 25 anos*. E tendo em conta que eu já ia nos 18, quais eram mesmo os motivos para eu reclamar?

- Clare Levine? – olhei rapidamente para o corredor onde uma enfermeira sorria atenciosa para mim. – O doutor Andrews está à sua espera.

Levantei-me num segundo enquanto olhava para a minha mãe esperando sentir o reconforto materno que todas as mães devem ser capazes de exalar. No entanto, tudo aquilo que recebi foi um vazio olhar de preocupação que transformou o meu sistema nervoso num súbito vulcão em erupção.

- Anda lá! – resmungou a minha mãe, enquanto me empurrava ligeiramente pelos ombros.

Assenti ligeiramente com a cabeça, e obriguei as minhas pernas trémulas a caminhar em direção ao gabinete do Dr. Andrews, um especialista em fibrose cística. Na verdade, não sabia porque me encontrava tão nervosa. Depois de ter sido diagnosticada, as minhas visitas ao seu gabinete passaram a ser frequentes. No entanto, hoje os meus nervos encontravam-se em franja. Sabia que algo estava indubitavelmente mal para ter sido necessário marcar uma consulta com aquela urgência. E ainda por cima, algo na minha respiração indicava-me precisamente qual era a razão.

- Clare, que bom ver-te por aqui. – caminhei até ao Dr. Andrews, um homem robusto de pele morena e olhos azuis incrivelmente intensos, que parecia demasiado novo para a postura rígida que sempre ostentava. Deixei-me afundar no seu inconfundível abraço apertado. Era o mesmo que ele sempre me dava quando algo de mau estava prestes a ocorrer. – Então, diz-me, como tens andado?

Olhei para a minha mãe rapidamente, esperando que ela dissesse tudo aquilo que eu não queria dizer, como qualquer adolescente faz quando um médico lhe pergunta algo do género. No entanto, ela manteve-se impassível a encarar-me, como se me dissesse que a pergunta era comigo. Respirei fundo.

- Eu acho que está tudo bem. – disse simplesmente, não querendo prolongar o momento, mesmo sabendo perfeitamente que nada estava bem.

- Tens comido saudavelmente? Feito a fisioterapia, o exercício, tomado todos os comprimidos? – perguntou rapidamente, como se chamasse a atenção a uma criança que se esquecia sempre de fazer algo.

- Claro que sim. – respondeu a minha mãe, aceitando as suas perguntas como um insulto à sua capacidade de tomar conta de mim, enquanto um pequeno tremor se instalava nas suas mãos, como um bichinho que a corroía por dentro e a tornava mais frágil. Tive vontade de as apertar de encontro às minhas, mas não o fiz. A minha relação com ela não era do tipo afetuosa, que se alimenta de cubos de açúcar. Chegava por vezes até a soar demasiado profissional. Como se ela tivesse assinado um contrato que a proibia de me abandonar sob o risco de uma qualquer caução. E isso era levado entre nós de forma tão leviana, que por vezes me perguntava se isso fazia de nós monstros. Daqueles que fogem do amor, como um gato foge de água fria.

- Fico contente por saber. – respondeu o Dr. Andrews, analisando a minha ficha médica. – Clares pode subir para a balança, por favor?

Acenei brevemente com a cabeça e subi relutante para a balança. Normalmente o meu peso rondava os 50 quilos o que, para o meu metro e sessenta de altura, já era um pouco abaixo do normal, no entanto o número na balança revelou algo que não estava à espera.

- Hum, 48 quilos. – disse simplesmente enquanto se encaminhava de novo para a secretária.

Franzi o nariz enquanto passava a mão na minha barriga plana. Com todas as complicações que a doença trazia, nunca havia sido uma pessoa que necessitara de se preocupar com excesso de peso. Na verdade, como o resultado havia agora revelado, tinha era de me preocupar com a falta dele, algo que se notava perfeitamente no meu corpo. Ao contrário da minha mãe, uma mulher alta e exuberante, de cabelos loiros recém-pintados na altura dos ombros, com uma ligeira franja lateral e olhos mel, o meu físico revelava-se completamente fora do normal. Os olhos de mel, extremamente claros, contrastavam de forma quase sobrenatural com a pele extremamente clara, as sardas que adornavam as minhas bochechas e nariz quase que por rebeldia, e o cabelo escuro e comprido, que caía ligeiramente ondulado até um pouco abaixo do meu peito. Além disso, o meu corpo era excessivamente magro. Como se delineasse os contornos da minha doença e a publicitasse num outdoor gigante em Times Square, fazendo com que me sentisse, portanto, a personificação da fragilidade numa mente demasiado cansada para aceitar os constantes elogios de “beleza invulgar” que as pessoas lançavam para alívio de pena. Como quando atiram esmolas aos sem abrigos e esperam um bem-estar de espirito automático.

- Doutor. – disse tranquilamente, apesar de sentir a voz rugir nas cordas vocais. – Ultimamente tenho aumentado um pouco ritmo do meu exercício físico. A natação faz perder peso, certo?

Sabia perfeitamente a resposta à minha pergunta, mas algo dentro de mim ainda achava que era capaz de desviar as culpas.

- Não com esta velocidade. – limitou-se a responder. – E não me parece que esse seja o problema. Nem a ti, Clare.

Senti o olhar angustiante da minha mãe no meu rosto. Não fazia ideia do que lhe poderia estar a passar pela cabeça naquele momento, mas sabia que a resposta “Não te preocupes, está tudo bem” deixaria de fazer efeito agora.

 - Clare, nos últimos dois meses deste entrada no hospital oito vezes devido a complicações respiratórias, e por muito que tentes disfarçar, consigo ouvir a tua respiração pesada daqui.

Prendi o ar assim que a sua voz parou de ecoar no ar. A verdade é que mesmo com a fisioterapia, o simples ato de respirar se tornava cada vez mais difícil. No entanto, sabia que viver com FC era assim mesmo. Fases piores, e fases melhores. Aquilo iria simplesmente passar com o tempo, não iria?

- Doutor é grave? – perguntou a minha mãe, sabendo que eu própria não seria capaz.

- Infelizmente é. – respondeu o Dr. Andrews não tirando os olhos de mim. – A doença está cada vez mais a afetar os pulmões da Clare, e infelizmente isso pode resultar em insuficiência respiratória. Teremos de aumentar as sessões de fisioterapia, e acrescenta-la à lista de espera para um transplante pulmonar, antes que seja tarde demais.

Senti o grito abafado da minha mãe atingir-me o corpo, como se me trouxesse para a realidade mais uma vez. Por muito que fugir fosse o mais fácil, a verdade estava ali à minha frente. Aquela doença acabaria por me matar. De uma maneira ou de outra.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, e que tenham lido as notas inicias. Acho sempre importante referir, porque enquanto autora, não quero enganar ninguém!
Mas bem, este capitulo é o "protótipo" do que pode ser uma nova história. O que acham? Agradecia opiniões :)



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