Pérola Carmim escrita por Gii


Capítulo 7
Um último minuto de sanidade




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/26355/chapter/7

A lâmpada que pendia no teto e projetava a luz que me guiava já não me oferecia mais segurança.

Parte de mim sabia que aquele medo não tinha fundamento, mas por outro lado o silêncio sem fim que me cercava me parecia tenso, o próprio ar parecia estranho a minha volta.

Cada músculo de meu corpo estava paralizado, coisa que só piorou quando um som cortou o ar e me atingiu como que fisicamente. Fora o som de algo metálico, mas não parecia com o som produzido por metal quando vai ao chão. Era como se alguém estivesse tentando forçar a porta dos fundos, a porta que Jessica tinha trancado ao sair da biblioteca.

A luz deixou de brilhar mais uma vez e por impulso encostei as costas na estante atrás de mim enquanto a lâmpada não voltava a se acender. Talvez o escuro me oferecesse abrigo, a última coisa que eu queria era ser vista pelo causador daquele som.

Com o cuidado de fazer menos barulho possível, tirei meus sapatos para que seu salto não me condenasse naquele breu. Eu sabia que mesmo mergulhada naquela escuridão eu saberia chegar até a saída. Com as costas grudadas na estante atrás de mim, segui na ponta dos pés até o final do corredor estreito. Pela primeira vez eu quis rezar, pedir ajuda para algo além de minhas explicações. Me senti oca ao descobrir que as palavras me fugiam da mente. Eu tinha esquecido por completo as palavras que meu falecido pai tanto fez questão de me ensinar. Não sei quanto tempo demorei para chegar no fim do corredor que as estantes formavam, só sei que para mim foi uma eternidade de tensão.

Eu já podia sentir dificuldades na respiração, o pouco oxigênio que meus pulmões captavam não bastava para conter meu nervoso coração que palpitava feito louco em meu peito. Mal sabia eu que aquilo era só o começo. Minha mão livre estava estendida a minha frente enquanto a outra segurava meus sapatos, eu tateava o escuro com medo de encontrar algo. Não sabia ao certo se ter alcançado o final do corredor era algo bom ou não. Não queria me ver sem o auxilio da estante, não queria estar vulnerável em um espaço aberto no meio do escuro. Mas meu medo crescente, coisa que ainda era novo para mim, falou mais alto.

Cada fibra do meu corpo desejava loucamente sair daquela escuridão que me rondava. Algo em mim gritava que o perigo estava próximo e isso só me desesperava mais. Soltei a madeira da estante e segui em passos lentos para a escuridão.

Tudo que eu queria era luz. O escuro a minha volta não estava tão intenso quanto quando as estantes me cercavam. As janelas altas deixavam entrar um pouco da luz artificial que enchia a cidade noturna. Nada que me deixasse ver mais que vultos negros a minha volta. Fiquei paralizada olhando para minha direita. Sabia que se seguisse em frente encontraria a parede que me guiaria para a saída, mas não me sentia segura para enfrentar o desconhecido de olhos vendados.

Fiquei apenas olhando inutilmente para minha direita, eu deveria seguir aquela direção, mas não era tão simples. O medo tinha me paralizado novamente. Algo a minha volta tinha feito meus sentidos se apagarem por um momento, tudo que eu queria era ver. E eu vi.

Vi o vulto se desgrudar das sombras a minha frente como se fizesse parte delas, como se tivesse se materializado ali mesmo. Seria impossível um homem tomar forma como meus olhos viram que aquele vulto fez, se desprendendo daquele modo da escuridão.

Frio fora a coisa mais pungente que me acertara naquele momento, mais do que o medo, mais do que qualquer outra coisa. O frio que invadiu o ar só pareceu crescer conforme aquele vulto se tornava cada vez maior até atingir o tamanho de um homem. O medo voltou a me consumir quando o frio anormal se tornou insuportável e corri para a parede logo a minha frente. Sabia que era inútil, se eu o tinha visto com certeza também fui vista.

Me vi presa. Não tinha forças para seguir até a saída quando sabia que aquela forma feita por sombras estava entre mim e a porta. Gotas quentes vazaram de meus olhos e me vi chorando em silêncio no escuro, os olhos toldados por lágrimas fixos na sombra que vinha em minha direção. Conforme se aproximava ficava cada vez mais claro do que se tratava. Tinha o formato perfeito de um homem, mas algo o seguia de perto logo a suas costas. Algo que eu não compreendia. Lembrei das palavras que minha mãe sussurrava baixinho antes que eu dormisse sem nem saber se eu a ouvia ou não. Não tive forças para transformá-las em palavras, mas pensei nelas com a maior clareza que consegui reunir naquele momento e antes mesmo que eu pudesse pensar "Pai" a escuridão a minha volta se dissolveu e eu vi aquela forma que caminhava em minha direção recuar dois passos antes de ser tomado pela luz amarelada das lampadas no teto e sumir.

 

O caminho de volta para casa foi complicado. Parecia loucura que eu tivesse ficado imersa por aquela escuridão anormal por três horas, mas tanto meu relógio de pulso quanto meu celular não podiam estar enganados. Eram oito horas quando Jessica se despediu de mim, e só tive coragem de desencostar da parede e correr para a saída onze horas da noite.

O alívio tomou meu corpo quando entrei em casa. Mas só me senti realmente segura depois do terceiro cigarro, ou o mais próximo disso. O celular fino feito uma lâmina estava em minhas mãos. Eu me encontrava em um comflito psicológico complicado enquanto tentava ao máximo me concentrar na fumaça que subia rodopiando para a noite que se expandia além da varanda.

Aquilo tinha sido a gota. Minhas mãos estavam tremendo mais que nunca por culpa de um medo que ainda residia em mim e mesmo que todas luzes da casa estivessem acesas eu ainda temia que elas se apagassem.

Voltei a olhar para o celular que eu apertava inconscientemente. Não estava disposta a ligar para Josh, ele já tinha me ajudado bastante na primeira vez em que precisei. Eu podia me ajudar sozinha agora. Não podia?

Mesmo que meus olhos corressem por todos os cantos dos cômodos e eu prendesse a respiração a cada som que o vizinho fizesse eu iria enfrentar aquele medo. Eu faria de tudo para isso. Menos fechar os olhos por mais de alguns segundos. Isso seria demais para mim. Mas era inevitável.

Eu estava no sofá da sala quando meus olhos ameaçaram pesar. Olhei para o relógio na estante. Marcava duas da manhã. Levantei-me um tanto desnorteada quando encontrei o relógio indicando cinco minutos para as três.

Eu tinha dormido enquanto via televisão e nem me dera conta. Mas alguma coisa estava terrivelmente errada a minha volta. O corredor, que era visível do sofá da sala, já não se encontrava iluminado como antes e o ar em volta estava estranhamente parado em uma calmaria que eu sabia que não estava certa. Tive medo daquilo, e quando o frio voltou a soprar da porta meio aberta da varanda da sala tive certeza que aquela tranquilidade toda era o início de uma tempestade fora de minha compreenssão.

Das sombras do corredor ele veio novamente. Como uma criança com medo eu recolhi os pés do chão e abracei minhas pernas. Não tive coragem de pular do sofá e correr. Não no estado de nervos no qual eu me encontrava. Fui covarde a ponto de fechar os olhos para não acompanhar o que viria a seguir, mas antes que eu selasse minhas pálpebras olhei para o relógio digital na estante mais uma vez. 02:59 horas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pérola Carmim" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.