Mukuro estava sentada no grande sofá que ficava no seu quarto, em algum lugar do castelo em que morava, no Mundo das Trevas, e comia algumas uvas. Estava relaxando depois de uma tarde inteira de treinamentos para o torneio que seria realizado em breve para decidir quem seria o novo rei. Ao seu lado, estava uma espada emprestada de Hiei, para que ela pudesse testar sua agilidade manual.

Ela precisava aprimorar um pouco suas técnicas de luta. Nunca tivera a chance de mostrar seu verdadeiro poder, e agora seria mais difícil ainda demonstrar pelo menos mais da metade de sua força máxima, pois seu coração andava calmo demais para sustentá-la. E claro: havia um motivo para isso. 

Mesmo distraída, pôde ouvir o portão sendo aberto e passos se aproximando. Desviou sua atenção para o visitante que se aproximava com uma expressão séria.

- Mukuro! Eu preciso da minha espada de volta, e com urgência!

- Tudo bem. É só pegar. – respondeu.    

Hiei se aproximou do sofá, apoiou o pé ao lado da perna de Mukuro para alcançar sua espada (já que ele era baixo) e acidentalmente se desequilibrou um pouco, tendo que apoiar a mão ao lado da cabeça de Mukuro, isso deixou seus rostos próximos. Hiei cerrou um dos punhos e voltou á expressão séria, tal esforço era necessário para ele não corar, pois jamais se permitiria fazer isso. Pegou sua espada e desceu do sofá.

- Está suja de sangue.

- É que eu tive um probleminha com alguns vândalos e tive que fatiá-los. Se quiser limpar tem um pano ali na mesa.

Hiei se virou e viu uma pedra próxima á cadeira. Só para descontrair, deu um chute na pedra sem se importar para onde ela iria, acabou quebrando uma vidraça. Mas Mukuro não demonstrou o mínimo incômodo. Hiei se sentou na cadeira.

- E qual é a urgência que te trouxe até aqui só para pegar a espada de volta ?

- É uma longa história...

Apoiou os pés na mesa entre as duas grandes cadeiras, cruzando-os na altura do tornozelo, e começou a contar tudo enquanto limpava a espada com o pano.

- Quando eu e os outros participamos do Torneio das Trevas, havia um adversário chamado Toguro Ani, que achávamos que estava morto, mas algum tempo depois voltou para se vingar. Kurama usou um truque para prendê-lo eternamente á uma ilusão de que estava lutando contra ele, quando só estava se ferindo. Ele estava condenado a sofrer eternamente. Mas esses dias, Koenma alertou Yusuke, Kurama e Kuwabara que alguém o libertou da armadilha e ele está causando tumultos. Kurama veio aqui para o Mundo das Trevas pedir minha ajuda, e eu disse que iria até o mundo dos homens assim que pegasse minha espada de volta. E também vou ficar lá por uns tempos.

- Desde quando você se importa com os humanos ?

- Hunf! Eu pouco me importo com o que acontece com eles. Mas me livraram do julgamento no Mundo Espiritual e eu só estou retribuindo o favor. – olhou para Mukuro – Além do mais, vai ser bom para treinar.  

- Ele é um adversário forte ?

- Na verdade ele até que não é grande coisa. – voltou a se concentrar na limpeza da espada. – O problema é que ele é capaz de reestruturar seu corpo. Provavelmente vamos nos divertir um pouco com ele e depois Kurama vai ter outra idéia brilhante para imobilizá-lo para sempre. Aí nós damos um jeito na pessoa que libertou Toguro.

- Mas... você vai voltar a tempo de participar do torneio ?

- Eu não preciso participar de nenhum torneio idiota para mostrar minhas habilidades!

Interromperam a conversa por um instante. Hiei continuava a limpar sua espada, sem a menor pressa. Mukuro o observou com olhar crítico.

- Pra quem veio aqui com pressa de sair você até que está calmo. Se eu não te conhecesse bem, diria que está inventando isso para se livrar do trabalho de patrulheiro.

- Mesmo se você não me conhecesse bem, eu teria como provar. – pôs a mão no bolso e ergueu uma rosa. – Esta rosa que veio do corpo de Kurama prova que ele realmente veio falar comigo. E eu só vou lá pra dar uma ajuda, não vou insistir nem nada.  

Houve outro momento de silêncio. Hiei agora estava observando a espada, conferindo se precisava limpar mais.

- E então, quais são as novidades do mundo dos homens ? – perguntou Mukuro.

- Nada de interessante. Yusuke ia se casar com uma humana chamada Keiko, mas por causa da história do Toguro, tiveram que adiar o casamento. Kurama disse que ela quase esganou o Yusuke.

- E a Yukina ? Como está ?

- Ele não falou dela. Mas espero que ela esteja longe do idiota do Kuwabara.

- Não vai mesmo contar á ela que ela é sua irmã ?

Hiei levantou-se e olhou para Mukuro.

- Não tenho motivos para contar. Vai ser melhor que ela não saiba.

Os dois continuaram se olhando por mais alguns segundos, ambos pensativos.

***

POV   Mukuro

Hiei... Você vem aqui me visitar todos os dias sem razão aparente. Nunca justificou suas vindas frequentes. Parecia que só vinha aqui para tirar um cochilo, ou talvez para ficar perto de mim. E quando você finalmente justifica uma visita, é para se despedir. Que ironia. Até onde eu sei você não é do tipo que agradece os outros.

***

POV   Hiei

Mukuro... No fundo você sabe que eu nunca fiz questão de agradecer a ninguém. Kurama é esperto o suficiente para cuidar de tudo sozinho, sem precisar de mim, do Yusuke, ou daquele idiota do Kuwabara. Mas eu sei que o seu coração está cada vez mais calmo e impossibilitado de aguentar sequer metade da sua força máxima. A culpa é minha, e das minhas visitas repentinas sem razão aparente, nem eu sei direito o porquê delas.

***

- Era só isso que eu queria mesmo. Agora vou lá ajudar os outros, e acabar com aquele desgraçado do Toguro Ani! Até! – disse, em tom de despedida e se virando.

Hiei começou a caminhar lentamente, realmente não demonstrava a mínima pressa para sair dali.

- Hiei... você vai voltar logo ?! – perguntou ela, em tom alto.

Sem nem se virar para encarar Mukuro, Hiei sacudiu os ombros.

- Se eu quiser voltar eu volto, senão, eu fico por lá mesmo. – respondeu, com um sorriso quase imperceptível no canto do lábio. – Sayonara!

- Sayonara!

Hiei continuou caminhando lentamente até o portão, quando começou a correr rápido, e pensando enquanto corria.

***

POV   Hiei

Parando com as minhas visitas por um tempo, eu não vou mais atrapalhar o seu treinamento. Mukuro precisa se manter centrada para aprender a usar melhor sua força. Na minha ausência sei que sei coração vai deixar de ficar tão mole. Mesmo que eu seja inútil na batalha contra Toguro Ani, eu preciso me afastar por uns tempos, para ela superar todos e conseguir ser a nova rainha. Ela é muito melhor que esse rei idiota de agora. Ela é a única capaz de dominar o mundo das trevas, pois é a única que sabe o que é a vida, sabe o que é não ter o que se pode chamar de família e superar um passado obscuro, assim como eu. Mas vou voltar a tempo de vê-la se tornar rainha.

***

Hiei havia deixado aquele lugar fisicamente, apesar de provavelmente ainda estar por lá em espírito. Mukuro estava fitando a escuridão entre as portas abertas de seu quarto, onde Hiei tinha saído. Desviou o olhar para a cadeira onde Hiei havia se sentado e sem querer notou um objeto na mesa entre as duas cadeiras.

- Uma rosa ?!

Mukuro saiu do sofá com apenas um pulo, pousando bem diante da mesa. Pegou a rosa e a observou.

***

POV   Mukuro

Essa é rosa do corpo do Kurama que Hiei me mostrou para provar que havia encontrado com ele. Será que ele esqueceu a rosa aqui ?

Não...

***

Mukuro voltou a se sentar no sofá, olhando a rosa em sua mão. Sabia que Hiei não era do tipo que esquecia as coisas com facilidade. Ele havia deixado a flor lá de propósito, dando a impressão de que a havia esquecido. Aquilo era típico de Hiei: mostrar sentimentos com ações, e não com palavras. Seu orgulho era forte demais para usar palavras.

Mukuro decidiu que, a partir daquele dia, iria treinar arduamente para vencer o torneio e se tornar a rainha do Mundo das Trevas. Seu coração agora iria ansiar por lutas, enquanto Hiei estivesse distante. Estava certa de que realizaria seu sonho de vencer o torneio e se tornar rainha. Ela estava quase adormecendo naquele sofá. E a única coisa que ele se perguntava, era se Hiei voltaria a tempo de vê-la subir ao trono.

Sim, ele voltaria, ela tinha certeza disso. Voltaria e ficaria ao seu lado para sempre.