Noir Et Blanc escrita por FTWWW


Capítulo 1
Noir et Blanc




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Branco.


A cor mais gélida, melancólica e supérflua de todas. Representativa da paz e do nada. Uma cor praticamente inexistente, onde em seu pigmento não existem resquícios de vida e tampouco felicidade. O branco triste, o branco de paredes e leitos de hospitais. A cor que enxergo quando fecho meus olhos.



O gélido vento batia fortemente contra a delicada janela de alumínio que se encontrava pregada a uma das paredes do cômodo, fazendo assim o iniciar de uma breve e agitada dança por dentre as cortinas, anunciando a chegada do inverno em New Jersey. Remexi-me, inquieto, em meio aos lençóis de tecido áspero a fim de esquentar-me, fazendo o forte cheiro de hospital vindo dos mesmos adentrar em minhas narinas. Tentava, inutilmente, voltar a dormir; porém nada parecia ajudar-me a concretizar tal ato. A máquina ao meu lado só fazia apitar – vezes ritmada e pausadamente, indicado que, por algum milagre, ainda restavam resquícios de vida em meu fraco corpo. Uma forte lufada de vento adentrou pela pequena janela, dirigindo-se a meu corpo, fazendo fortes arrepios passarem por meu torso. Abri meus olhos a contragosto, forçando-os a acostumarem-se a forte luz que vinha das lâmpadas presas ao teto. Procurei pela pequena caixinha de botão vermelho em meio à confusão de lençóis e emaranhados de fios que a prendiam, apertando-a levemente quando encontrada. Grunhi baixinho, sentindo uma forte escassez em minha garganta e uma leve dormência em meus braços. Alguns poucos segundos passaram-se, até que uma jovem enfermeira – muito conhecida por minha pessoa, diga-se de passagem – adentrou em meu “quarto”.


– Está sentindo-se bem, Sr. Mark? – A voz da bela enfermeira que continha seus cabelos escuros presos em um displicente coque, olhos amadeirados e lábios contornados na cor sangue fez-se presente no quarto; suas curvas estavam marcadas por seu simples uniforme feito a fios brancos, dando-a um ar sério e, ao mesmo tempo, gracioso. Angel, uma bela mulher que me faz companhia desde que acabei neste lugar.


– Já lhe disse para não chamar-me de Senhor, Angel. – Minha voz fraca e rouca preencheu pouco do espaço entre nós. – Afinal, vinte e cinco anos não são tanto, uh? – Sorriu-me, logo me fazendo sorrir fracamente em resposta ao ato. A bela mulher observou-me atenta por alguns poucos segundos, desfazendo-se de seu sorriso. Meu anjo estava entristecendo-se por minha causa, eu sabia disto. E sentia-me culpado. Ela suspirou, contendo-se para não deixar-se abalar, e direcionou-me um forte e indagador olhar, dando-me permissão para continuar a falar. – Uhn... Eu gostaria que você fechasse a minha janela. – Seu rosto contorceu-se em uma das caretas mais divertidas que eu já havia visto; o que fez com que a mulher arqueasse suas sobrancelhas bem desenhadas enquanto apoiava suas mãos por sua fina cintura, fazendo uma pose digna de uma bela donzela mimada. – Oh, não se irrite, meu anjo. Seu frágil paciente não está em condições de levantar-se da cama para realizar tal ato, ok? – Disse ainda rouco, fazendo-a soltar uma breve e gostosa gargalhada enquanto desfazia-se de sua postura anterior.


– Claro, meu paciente. Seu anjo está a caminho. – Caminhou graciosamente até seu destino feito em alumino tingindo de branco, realizando a árdua tarefa de enfrentar a pequena janela e fechá-la, salvando seu paciente que tremia com o frio. Sorri para os meus pensamentos bobos e, diga-se de passagem, para a bela mulher que se encontrava sorrindo a minha frente. – Era só isso? Preciso ir, Mark. Meu expediente está quase acabando, eu ainda tenho algumas coisas a fazer... Bom, se precisar de algo, já sabe. Até amanhã! – Suspirou fundo após receber meu fraco sorriso como resposta e saiu afobada pela grossa porta de madeira branca, fechando-a com um estalido em seguida.


Angel havia tornado-se, literalmente, um anjo para mim em minhas últimas semanas. Mais do que uma enfermeira, ela mostrou-se uma ótima companheira e conselheira; mostrou-me um pouquinho de cor por dentre o branco que teima em fazer-se presente por toda a minha volta.
Arrumei-me por dentre as ásperas cobertas, aquecendo-me do confortável sentimento que sua visita trouxera a mim. Logo a dormência tomou conta de meu corpo, fazendo-me adentrar em um leve estado de torpor.



Flashes rápidos e ágeis passavam por minha vista sem que me dessem a mínima chance de controlá-los, formando variadas figuras e vozes em minha mente. Após algum tempo, uma figura acabou por fixar-se nitidamente em frente a meus olhos; dois orbes azulados encarando-me com repúdio. Alguns segundos – ou seriam horas? – passaram-se e tais orbes continuavam a encarar-me, então uma face um tanto quanto conhecida tornou-se mais nítida.

Com um grande sorriso de escárnio em seus lábios e o repúdio que cada vez mais tomava seus olhos, Evan observou-me por algum tempo. Meu corpo e minha mente começaram a entrar em colapso. Após meu peito comprimir-se variadas vezes, eis que um som fez-se presente em meio ao silêncio; sem que ela tenha falado uma letra sequer ou aberto seus lábios para poder vocalizar algo, suas palavras preencheram meus ouvidos como trovões.


“Eu sou a tua morte.”


Desespero.


“Eu sou a lembrança do terror.”


Duas simples frases repetidas em sequência por desgastantes minutos.

“Eu sou...” Evan permanecia na mesma posição. Por desgastantes minutos. “Eu sou a tua morte.”


Seus lábios curvaram-se para baixo, seus orbes foram tomados de um triste brilho e sua face desmoronou. Lembrei-me imediatamente desta cena, que me fez agonizar e tentar gritar.

Dias passaram-se e ambos continuavam agoniados na mesma posição. Por desgastantes minutos, dias, horas, segundos ou meses, quem sabe?


“Eu... Eu sou soropositivo.”


E o seu pior pesadelo torna-se realidade.



Meu corpo deu um forte solavanco para trás, despertando-me abruptamente. Meus olhos foram ofuscados por um forte brilho, fazendo-me obrigá-los a acostumarem-se a luz ambiente do quarto onde me encontrava. Passei as mãos por meu rosto, sentindo-o úmido de suor. A agonia tornou-se forte em meu peito após recordar-me de meu sonho, o que me fez ofegar.


Cabelos e olhos claros. Evan. A pessoa que tornava a claridade do branco uma claridade triste, vazia, supérflua e melancólica. A pessoa que me doou a morte.


Suspirei audivelmente, observando as cortinas de minha janela remexerem-se com o vento que as acertava. O pouco do brilho do sol adentrava tímido ao cômodo, mostrando que alguém havia estado ali para desfazer o trabalho de Angel – alguém havia aberto a janela. Minha mente ainda mostrava-se confusa, imagens de meu recente sonho estavam tornando-se cada vez mais nítidas. Meu olhar vagou até o teto, forçando-me a concentrar-me em qualquer outra coisa. Meus pensamentos vagaram pelo o que pareceram horas, até que o cansaço tomou meu corpo. Decidi-me. Eu precisava dar-me paz eterna. Eu precisava dela.


Cabelos e olhos negros. Angel. A pessoa que tornava tons escuros representativos de paz, tranquilidade e, até mesmo, alegria. A pessoa que me doou uma nova vida.


Após procurar – com certa dificuldade – o pequeno botão vermelho ao lado de minha cama e apertá-lo, relaxei-me em minha cama. Estava certo do que viria a seguir. Alguns minutos passaram-se, então Angel adentrou em meu quarto, com um sorriso radiante – um sorriso que logo se desfez.


Meu rosto estava pálido, meus lábios estavam secos e meu cabelo já estava sem cor; meu corpo não exibia nada mais do que ossos, meus olhos não demonstravam nada mais do que tristeza e olheiras. Minha essência já não existia, minha vida clamava pela morte. Eu estava tomado pela AIDS.


– Meu anjo... Poderia fazer-me um favor? – Perguntei-lhe com a voz mais rouca do que o normal, vendo-a assustar-se com meu horrível estado. Aproximou-se de meu leito após fechar a porta com delicadeza, sentou-se ao meu lado pacientemente e aquiesceu com a cabeça para eu continuar. – Eu preciso... Preciso livrar-me de todo esse branco que me assombra, Angel. Você é a única que pode fazer isso. Você sabe... – Peguei em suas mãos e segurei-as levemente contra as minhas, gastando quase todas as minhas forças com tal ato. Seu rosto tornou-se um pouco avermelhado após alguns segundos de raciocínio e seus olhos foram tomados por tímidas lágrimas. Alguns segundos a mais se passaram, seus profundos olhos negros encaravam-me com temor. Levantou-se, então, em profundo silêncio, e postou-se ao lado dos aparelhos que me mantinham em meio às lembranças brancas.


Ao fim, a jovem enfermeira entendeu-me; eu sei que sim. Como se já estivesse esperando por tal reação minha há muito tempo, ela somente sorriu e desviou seu olhar dos aparelhos. Curvou-se sobre mim, depositou um breve beijo em minha testa e sussurrou-me tímidas palavras.


Logo desligou os aparelhos, fazendo de minhas últimas palavras ouvidas as mais belas.


“Livrar-te-ei deste branco que tanto lhe assusta. Seja bem-vindo ao desfile negro, Mark.”


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Notas finais do capítulo

Bom, é isso aí.
Se acharem algum erro ou algo na gramática que incomode, avisem! Ah, e perdoem pela formatação do Nyah. Sempre algo sai errado nessa formatação.
Reviews? :3
Até a próxima.



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