Conto em Letras Garrafais escrita por CuteMari


Capítulo 1
Capítulo único




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Conto em Letras Garrafais

Todos os dias esvaziava
uma garrafa, colocava
dentro sua mensagem, e a
entregava ao mar.
Nunca recebeu resposta.
Mas tornou-se alcoólatra.

Marina Colasanti

Sim, esse foi o Poema que inspirou o conto. Eu simplesmente o li e de repnete, me deu contade de criar alguma situação em volta. Só um pequeno delírio meu, espero que gostem! :DD

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O forte cheiro de álcool dominava o local e feriria as narinas de alguém que não estivesse acostumado. Mas definitivamente eu não era esse tipo de "alguém". Estava agora sentado no meio do que havia sido meu albergue à beira mar, um dos mais famosos e frequentados da região. É claro que agora eu vivia uma situação bem diferente. Não, não foi por escolha própria.

Me considerava um ótimo pai de família, mas tenho um defeito com o qual eu mesmo me decepciono agora. Eu sou viciado em álcool! Sempre bebi junto com meus fregueses e sempre tentei me segurar, mas não é tão simples. Não me orgulho disso de jeito nenhum e foi um desses deslizes que me levou à ruina.

Era um dia comum, mas eu havia exagerado na dose. Já era tarde e eu subi as escadas para casa trançando os pés. Os quinze degraus pareceram milhares graças ao esforço que tive que fazer. Quando cheguei em cima, abri a porta violentamente e vi o olhar assustado de Suse, minha filha. Então minha esposa entrou na sala. Annye estava brava e discutia comigo sobre motivos corriqueiros, nada demais. Mas o ácool, o maldito álcool, falou mais alto. Tomando conta de meus atos. Me escondendo as consequências. Me levando à pior cena da minha vida. E foi assim, com toda essa confusão dominando minha mente, que parti pra cima de Annye...

No outro dia de manhã foi a última vez que as vi. Estavam as duas abraçadas de malas na mão. Suse chorava descontroladamente e Ann somente tinha um olhar quase indiferente, mas eu conseguia sentir o rancor em sua expressão. As duas foram embora sem dizer nada, Suse arrastada pela mãe. Eu poderia tentar correr atrás, poderia implorar, me humilhar e pedir pra que ficassem mas não fiz. Não me mexi. Eu sabia que estava errado e por mais que eu fosse sofrer, deixá-las ir seria uma escolha sábia. Estaria protegendo elas do mal, de mim.

E foi depois desse dia que minha vida começou a cair na ruína. Eu tive que fechar meu albergue visto que a clientela e o resto do vilarejo me evitavam. Comecei a me tornar isolado. Não saia mais de casa e quem me sustentava era o estoque de bebidas do bar. Fora a bebida que acabara com metade da minha vida e pretendia fazer com que ela acabasse também com o resto dela, sem remoroso.

Não sei dizer por quanto tempo fiquei nessa condição de alcoolatra à beira da loucura. Meu corpo já dava sinais de repulsa a minha nova rotina, mas eu não parava mesmo assim. Enfim, era aquilo que eu queria, não era? Poderiam ter passados anos ou apenas semanas mas realmente não fazia diferença.

Certo dia resolvi começar a desabafar. Colocar para fora tudo que invadia minha mente. raiva, solidão, tristeza, arrependimento. Então peguei uma das milhares de garrafas que se amontoavam ao meu redor. Escolhi aleatoriamente e junto de uma pena, um tinteiro e um pedaço de papel amarelado me sentei no meio do salão. Olhei em volta, parecia ver fantasmas por todo lado. Revi todo o tempo que passei lá. Via nas mesas meus antigos fregueses. Via na porta os tantos raiares de Sol em que eu estava la fora a pescar. Vi nas escadas aqueles que se hospedavam para passar a noite aqui. E o que mais me doeu foi a visão de Suse e Annye atrás do balcão atendendo a todos e regularmente sorrindo ao me ver...

Longas lágrimas escorreram incessantemente de meus olhos naquele dia. A dor parecia querer destruir minha mente. Então eu simplesmente isolei todos os pensamentos e apertando a pena na minha mão comecei a rabiscar no pedaço de papel todas as minhas emoções. Era uma carta íntima, pessoal, forte. Mas o mais importante era que não tinha destinatário. Ao acabar levantei e pela primeira vez em muito tempo sai do albergue e fui em direção ao mar. Simplesmente larguei minha carta depositada na garrafa, me sentindo um pouco mais leve e sentindo parte da minha agonia partitr junto da garrafa que nadava pela leve e regular correnteza marítima.

E desde então aquilo tornou-se um ritual, todo dia a noite eu repetia o mesmo processo. Fazia aquilo por mera terapia, nao esperava resposta nenhuma, só precisava de um desabafo. Nada mais que isso. Segui assim por anos, mas sabia que não aguentaria muito mais.

E agora estou aqui. Minha cabeça dói como nunca. Meus membros tremem de fraqueza. E na minha mão se encontra o casco do último rum, da última bebida que eu tinha guardada no meu bar. Eu já decidi, hoje é fim. Me levanto com esforço da cadeira e vou até a porta, bêbado, trançando os pés. Passo por todo o lixo e a sujeira acumulados durante anos no local. Abro a porta violentamente deixando a última claridade do dia penetrar no ambiente, sorrio antes de partir para o mar pela última vez.

Atravesso o curto caminho com uma dificuldade maior que o normal. Caiu uma, duas, três vezes na areia mas não deisisto. O Sol estava se pondo e eu queria aproveitar o crepúsculo para seguir meu destino. Quando chego perto das ondas sinto que meu corpo está no limite, não aguentarei nem mais um esforço. Mas continuo corajosamente em direção do infinito azul que se estende na minha frente.

Com prazer sinto a água gelada por toda a minha pele me causando caláfrios e me sinto feliz pela primeira vez em muito tempo. Então, uma onda mais alta me acerta e sinto alguma coisa dura bater contra meu peito. Abro os olhos que ardem pelo sal e vejo uma garrafa. É uma resposta! Então alguém leu minas cartas. Alguém sabe como me sinto. Eu não estava tão sozinho afinal. Me agarro aquela prova de que minha vida foi sim mais do que o escuro da solidão e simplesmente me solto a força do mar. Sinto a doce incosciência e a calma chegada da morte. Minha força some de meus membros e devagar também abandona o resto de meu corpo. Então minha mente começa a falhar e sua força aos poucos é derramada no mar, o Gigante Azul que me acolhia nesse momento para compartilhar com ele a eternidade. Talvez eu encontrasse a luz, talvez...

 

 

 


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