Terras escrita por Mariana


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Esse ficou maior o/ E também, pra quem gosta de um romance, começa uma certa aproximação do Zezé com a Juventina.



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O doutorzinho recebia com frequência o olhar das moças da cidade, mas nenhuma lhe causou o impacto da tia. As más línguas até arriscaram dizer que ele se embrenhou com algumas delas nos milharais da família, mas tudo não passou de assunto para os dias enfadonhos de mulheres como Maria Doida. A verdade era que Juventina transformou-se em objeto de desejo para o advogado.

 Num fim de tarde, Zezé voltava de uma visita ao cartório da cidade e avistou sua musa saindo da venda de Margarida. Fingindo ser um sobrinho bondoso, foi ajudá-la com a sacola. Mesmo sabendo que andar em companhia do sobrinho era natural, Juventina corou. Sabia das intenções do doutorzinho e das suas. A conversa correu normalmente, mas, assim que saiu da vista dos curiosos, Zezé se encorajou e falou antes de se despedir da tia:

 — Fico sem jeito de chamá-la de tia, é tão jovem quanto eu.

 Temia ser repreendido por ela. Porém, para seu espanto, a resposta foi outra.

 — Me chame de Juventina diante do povo. Perto de seu tio, faça o que é certo.

 Na hora de entregar a sacola, acariciou o antebraço da moça. Sentiu a quentura da jovem tomar conta do seu corpo e foi embora entendendo exatamente o que significava cada palavra dela.

* * *

 A vaquejada era o principal festejo da cidade. Além da derrubada do boi, a festa encerrava-se com a prova das argolas, que é cumprida quando o cavaleiro em alta velocidade escolhe uma das três pequenas argolas presas a uma trave e, com uma lança, arranca-a de lá. Vence aquele que executar a tarefa em menor tempo. Bode Branco era o favorito desse ano e vencedor das três últimas edições.

 Esse ano, na derrubada do boi, o vencedor foi Pé-de-Foice, que comemorava sozinho; seu amigo preparava-se para as argolas. A multidão cercava o campo onde já se via montado Bode Branco. O homem parecia hipnotizado, não dirigia o olhar para nenhuma direção, via apenas as argolas. O corcel que montava, acostumado à prova, encontrava-se inquieto. Sabia do esforço que seria obrigado a fazer.

 Um observador atento era capaz de notar a musculatura rija da anca do animal, que aguardava impaciente o disparo para dar início a uma corrida desenfreada em direção à trave. De repente o som abafado da concertina parou.  O velho sanfoneiro caolho acomodou as costas na cadeira, livrou os ombros da correia que o prendia ao instrumento e colocou-o sobre as coxas, tirou o chapéu de couro, coçou a cabeça e aguardou o início do espetáculo.

 Bode Branco, já de lança em punho, encurvou-se sobre a cernelha do animal, firmou a outra mão na rédea – aguardava o disparo.

 Entre a multidão, Zezé olhou a silhueta de Juventina.  Era possível ver nitidamente suas curvas, já que o vestido de tecido fino, diante da luz do sol que se punha, revelava a cintura que ia se alargando até os quadris. O vento pregou o tecido nas nádegas da menina-mulher, marcou o corpo que o advogado sonhava ver com as mãos. O doutorzinho sentiu aquele mesmo calor do dia em que tocou seu braço, mas percebeu ele se transformar em frio quando viu o tio vestido com o gibão.

O cavaleiro causou-lhe tanto medo que tremeu. Voltou para a realidade dos fatos quando o prefeito levantou a garrucha e deu o disparo. Nesse instante, o bucho do cavalo foi golpeado.

 O povo gritava. O ar quente, parado, era cortado pela besta ensandecida que registrava o galope na terra seca, enquanto a lança era posicionada acima da cabeça do cavaleiro. Homem e cavalo pareciam um bicho só. Com o braço firme, Bode Branco trocou um olhar rápido com a trave; milésimos de segundos se passaram e ele escolheu a do meio. A lança, certeira, ocupou o vazio da argola que acabara de abandonar as outras duas. Fez uma força tremenda para frear o cavalo, trouxe a rédea para junto de si, o animal encostou a mandíbula no peito e freou.

 Com a anca arqueada, deslizou meio metro e parou. Com o cronômetro na mão, o prefeito anunciou o Novo campeão. O povo comemorava e o Caolho tratou de voltar a tocar.

* * *

— Faço questão Seu Prefeito! Meu irmão ganhou, é justo que eu arque com as despesas da comemoração.

 O prefeito que não era bobo aceitou de imediato.

 — Se é do seu gosto, combinado!

 — Só me faça um favor Seu Prefeito, disse com um sorriso no rosto. — Peça a uma meia-dúzia de moleques pra avisarem que o Raimundinho convida todos os moradores pra comemorarem a vitória de Bode Branco lá na serra, no terreiro de Zé Buraco.

 Em pouco tempo a notícia correu. O plano de Raimundinho era claro. Queria se mostrar vítima da desconfiança do irmão, colocando toda a cidade a seu favor na disputa das terras. O povo não ousou questionar o que pretendia o patrono da festa.

 Por isso que todos foram convidados, sem exceção. O único que não tomou conhecimento da comemoração foi Bode Branco e a corja que bebia com ele na bodega afastada.


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