Terras escrita por Mariana
Notas iniciais do capítulo
Essa história é sobre um tema o qual eu sempre tive vontade de escrever, mas nunca tive coragem, mas acho que depois dos contos que escrevi já tenho uma preparação pra isso. :)
Manuel, o velho Manu, apesar da idade, tinha o couro esticado. Com setenta e tantos anos ainda derrubava boi indolente agarrado aos chifres do bicho. Criou treze filhos: sete da primeira falecida, seis da última defunta. O facão, pegado à cintura, era carregado pra cima e pra baixo. Já empunhara a espada pra muito valente de terreiro. Antes de morrer, praticava os golpes nas pequenas abóboras que abria pra complementar a refeição das vacas paridas. Segundo os parentes, morreu das tripas e, no dia seguinte ao do enterro, sepultou a paz entre os filhos.
Enquanto velavam o morto, Nazaré, a velha, disse às mulheres:
— Antes de o velho Manu esfriar, as coisas daqui, dos vivos, esquentam.
Em seguida, tratou de lançar o xale preto sobre a cabeça branca, dando à sua fala um ar profético. As rezadeiras fizeram o sinal da cruz e recomeçaram a reza.
* * *
Três dias após o enterro do velho, a pequena cidade se alvoroçou com uma D20 que percorria as ruas de paralelepípedo, seguida por uma dúzia de crianças descalças, acostumadas a ouvir apenas o casco dos animais que puxavam as carroças. Tratava-se de Raimundinho, filho mais novo de Manu, acompanhado de Zezé, seu único filho, advogado da Capital.
Assim que a caminhonete passou em frente à casa de Chico Manco, o homem foi obrigado a falar.
— Vixe, trouxe o dotôzinho! Vai pedi as terra da lagoa.
Em seguida, o coxo tratou de entrar e comunicar o fato à Maria Doida, sua esposa. Com a enorme barriga pregada à pia, a mulher largou o prato sem responder uma palavra e ganhou a rua. Em pouco tempo a cidade tomou conhecimento dos fatos.
* * *
— O negócio, Joaquim, é que Zezé é neto, advogado, e vai cuidar das coisas pra mim.
— Vamos reunir os irmãos, Raimundinho. A irmandade tem que tá de acordo.
O caso é o seguinte. Joaquim e os outros seis irmãos do primeiro casamento do falecido herdaram as terras da lagoa, a única propriedade da região que tem água o ano todo. Esse pedaço de terra entrou para os bens do velho Manu, por herança de Julieta, sua primeira esposa. O Lapadão, propriedade herdada por Raimundinho e os filhos do segundo casamento, era seco feito carcaça de bicho morto e não prestava para o homem ampliar a produção de caju.
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