My Rain escrita por Challenges SNSD, iyforever9


Capítulo 1
Oneshot




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/260769/chapter/1

Com a ponta dos meus dedos toquei levemente a faixa de seda branca, que separava meu banco do imenso corredor de tapete vermelho. Respirei fundo, sentindo o doce aroma das rosas amarelas, que enfeitavam o local. Tudo impecável como haviam planejado, uma perfeição que zombava da minha imperfeita insignificância.


Meus olhos percorreram lentamente a distancia até a amada mulher de branco e véu em toda sua magnificência, com um olhar e sorriso paralisante, fixo. Os ombros esqueléticos expostos e relando levemente no smoking preto de seu alto amado.


Uma senhora tossiu ao meu lado e desviei a atenção para os rostos ao meu redor, alguns conhecidos e outros não, porem ninguém me notava ou fingia. Era solitário, mas talvez fosse melhor assim, vivendo em minha própria bolha de aço impenetrável.


As imagens ainda estavam claras em minha mente, como uma nova folha sulfite, que aos poucos era preenchida com todas as cores do meu passado, principalmente o quente vermelho, quente como os respingos de sangue que voavam em minhas bochechas toda vez que eu fechava e abria os olhos. Torturante sim, repetir várias vezes a morte e se culpar por pensar que você era a causa, que você não podia fazer nada para impedir aquilo mesmoprevendo todos os movimentos. Torturante fechar os olhos, sonhar, acordar e ver a morte se servindo em um grande banquete sem se importar com quem estivesse vendo, fazendo sujeira e rindo das lágrimas de quem assistia.


Eu estava quase acreditando no que todos diziam inclusive minha psiquiatra e minha família, eu devo ter perdido a sanidade em algum momento entre a realidade e os sonhos, no entanto eu tenho a certeza de que tudo que aconteceu enquanto estava acordada era real, se não fosse então porque eu estava sofrendo tanto assim? Essa dor é verdadeira, é algo que mastiga o meu coração e me faz congelar.


A alta musica invadiu meus tímpanos com seu ritmo calmo e romântico, me fazendo voltar para o casamento da mulher que eu amo.


Passo a passo, uma garota pálida entrava na igreja, segurando em uma mão uma pequena almofada prata com dois pontos brilhantes de luz e em sua outra mão um pequeno e delicado buque, enquanto seus braços se entrelaçavam aos braços do meu irmão. Ela exibia um sorriso encantador e marcante combinando com os olhos, que quase se fechavam com o ato, fazendo com que qualquer um que olhasse se demorasse ali, naquela expressão de extrema felicidade como se o mundo brilhasse para ela e realmente deveria ser assim, além de linda ela estava ocupando o meu lugar ao lado do meu irmão, como daminha de honra no casamento da minha mãe. Em nenhum momento essa menina deve ter pensado que aquela posição era minha, pois ela estava ocupada chamando a atenção e agradando o noivo, seu pai.


Embora me parecesse errado odiar quem eu nem ao menos conheço eu não podia evitar sentir raiva da garotinha sorridente, o mundo era perfeito demais para ela enquanto o meu sempre fora apocalíptico.


Abaixei o olhar assim que minha umma a recebeu com um beijo delicado nas bochechas rosadas e sorriu, enquanto tentava inutilmente conter as lágrimas de emoção, talvez aquela menina fosse o modelo ideal da filha que ela sempre sonhou.


Fechei os olhos e apenas escutei as juras de eternidade, tão firmes como se fossem talhadas por um gume afiado. O “sim” final ecoou em meus ouvidos e só depois de algum tempo voltei a mim quando a musica final tocava alta, enquanto as pessoas saiam lentamente da igreja.


Acabou. Eu tentava dizer para mim mesma, porem nada me fazia relaxar, principalmente quando eu pensava no que seria daqui para frente, no quão duro e diferente seria meu futuro após esse casamento, que aconteceu repentinamente após dois meses da morte do meu pai.


Com passos lentos sai pela lateral da igreja, embora todos ali presentes resolvessem escolher a saída principal, para dar os parabéns aos recém-casados.


Olhei para o imenso sol nublado, que era como um reflexo do meu interior, caminhei solitariamente até o carro preto, chutando pedrinhas e folhas pelo caminho. Sentei-me no banco do passageiro e esperei alguns minutos pelo motorista, meus irmãos e aquela peculiar e irritante garota, cujo nome eu não me recordava.



Fui deixada sozinha com meus irmãos e aquela garota, Tiffany, enquanto minha umma se divertia em sua lua de mel, não deveria fazer tanta diferença para mim, pois ela me deixou sozinha desde que aquilo aconteceu em um dia parecido com esse.


Eu estava sentada no banco daquela conhecida praça, olhando fixamente para meus pés que se balançavam para frente e para trás em sincronização sem conseguir encostar-se ao chão.


O vento gélido batia com força contra meu corpo, me fazendo tremer, enquanto os pingos de chuva ajudavam a camuflar as minhas lágrimas, que por tanto tempo foram reprimidas, finalmente eu podia deixar com que a angustia e a tristeza presas dentro de mim fluíssem livremente em meu exterior.


Meu appa costumava a me trazer aqui, ele dizia que esse lugar era especial porque nos proporcionava um momento único, pois as atenções dele se voltavam para mim e as minhas para ele, portanto era reconfortante o modo como eu me sentia acolhida nessa praça.


Ergui a cabeça para o céu e respirei fundo de olhos fechados, deixei o filme do meu passado passar em minha cabeça.


Fora em um dia como esse que você partiu...


Naquele dia eu acordei ofegante e suada, era a sexta vez que eu tinha o mesmo sonho, mas isso não o tornava menos aterrorizante. Passei a mão pelo meu rosto e levantei-me, indo até o banheiro e lavando meu rosto.


Eu não fazia ideia do que estava acontecendo comigo, por isso eu fiquei olhando minha imagem no espelho por algum tempo e tentando organizar meus pensamentos, porem o barulho de um trovão, seguido pelo grito grave do meu pai me fez sair dos meus devaneios e comecei a correr desesperadamente em direção aos berros, supondo o pior.


Irrompi pela porta da frente, recebendo uma camada fria de vento e chuva, parei ao lado da árvore em frente a nossa casa e olhei na diagonal, para o carro do meu pai.


Nossa casa se localizava na esquina de uma rua movimentada, no entanto o forte temporal a tornava quase deserta.


Appa estava parado ao lado do carro, batendo na porta e só depois de alguns segundos meu irmão desceu do carro e eles começaram a trocar palavras rudes, enquanto gesticulavam freneticamente.


Apertei meus braços em volta do meu próprio corpo e cravei as unhas em minha cintura, ao sentir a dor constatei que aquilo não era mais um sonho. Ele estava realmente acontecendo igual aconteceu nas ultimas seis noites.


Meu irmão o estava acusando de trair nossa umma e por isso resolveu estraçalhar o carro que nosso appa tanto gostava e tinha trabalhado duro para comprar.


Jiwoong saiu correndo em minha direção, com appa em sem encalço, mesmo de costas meu irmão não diminuía seu tom de voz. Os dois estavam vermelhos e uma veia pulsava de suas gargantas toda vez que abriam a boca.


Enquanto ele se aproximava, eu olhei para a outra rua, esperando que não acontecesse o mesmo que meu sonho, no entanto senti um aperto esmagador em meu peito quando um carro preto virou rapidamente a esquina, ele foi se aproximando como se estivesse em câmera lenta, os pneus fazendo um barulho agudo por conta do derrapamento.


Diferente do meu sonho, eu sabia exatamente o que iria acontecer e só pude gritar, chamando meu irmão, tentando faze-lo sair da rota do carro, no entanto era tarde demais e eu senti o sangue pingar em minha face, assim que o corpo foi prensado contra a árvore ao meu lado.


Avisado pelos meus gritos meu appa agira rapidamente, empurrando meu irmão para longe.


Diferente do meu sonho, naquele dia, a vitima fora meu appa...


Abaixei a cabeça e abri os olhos, tentando apagar a lembrança da minha mente, embora ela não tivesse continuação, pois após presenciar a morte do meu pai eu acabei entrando em transe.


Olhei para o meu relógio, um pingo solitário escorreu pela sua tela e caiu pela lateral, já estava ficando tarde e eu deveria ter tomado os meus remédios.


Um vistoso guarda chuva chamou a minha atenção, a garota vestida com roupas que combinavam com seu acessório se aproximava lentamente em minha direção, as botas de chuva de um tom rosa claro espirravam água a cada passo.


Ela parou na minha frente e disse:


–Oppa Jiwoong me disse que estaria aqui, ele está te chamando–Tiffany respirou fundo e estendeu o guarda chuva para mim, fazendo com que seu corpo recebesse as primeiras gotas de chuva–Pegue, você irá ficar doente.


Segurei o guarda chuva e me levantei, ficando a poucos centímetros de Tiffany para que ela não se molhasse também.


–Não faz sentido você se molhar, eu já estava molhada e parar de receber a chuva não vai evitar uma doença–Eu disse, evitando olhar em seus olhos, porem eu sentia o olhar de Tiffany em mim.


Ela colocou a mão em cima da minha, segurando o cabo do guarda chuva e começamos a andar lentamente, com os ombros encostados. Essa proximidade é tão estranha para mim, que não consegui evitar que minhas bochechas ficassem vermelhas.


Embora permanecêssemos caladas, Tiffany pigarreou algumas vezes, chamando a minha atenção, mas ela nada disse até atravessarmos a rua da praça.


–Está...–Sua voz saiu baixa e tremula, como se ela não tivesse certeza do que fosse me dizer–ansiosa para que sua umma volte?


Balancei a cabeça positivamente em resposta, eu esperava que com isso ela desistisse de falar comigo.


A puxei para o meu lado, para desviarmos de uma poça de água e Tiffany parou na minha frente, atraindo a minha atenção para seus olhos profundos.


–Você está com fome?–Ela levou uma mão a barriga e a acariciou levemente, fazendo círculos com a mão. Eu neguei com a cabeça e ela suspirou–Você não gosta de falar, tem algum problema unnie?


–Não–minha voz saiu rouca–Se está com fome, então vamos nos apressar para chegar logo em casa.


Continuei a andar e Tiffany me acompanhou, no entanto dessa vez ela segurou em meu braço e se encostou mais em mim, alegando que estava pingando nela.


Por algumas vezes mais ela tentou chamar minha atenção e começar um dialogo, mas para a minha sorte ela desistiu assim que eu parei de respondê-la e ela ficou em um monologo por alguns minutos. Eu não entendia o porquê dela querer se aproximar de mim, porem eu não a deixaria penetrar em minhas defesas, Tiffany também deveria me tratar como todos me tratavam, como se eu não existisse.


Não seria diferente com ela.



Arqueei meu corpo sobre a privada, outra contração me fazia encolher a barriga e abrir a boca, porem não havia nada mais dentro de mim para sair. Faz uma semanaque não consigo manter nada no meu estomago, sempre sentindo náuseas e vomitando minutos após comer.


Dei descarga e fiquei olhando para o liquido amarelado girando até sumir, aquele movimento se assemelhava a minha cabeça, sempre rodando depois que parei de ir a psiquiatra e tomar meus remédios.


A falta de apetite também fora outra consequência que sofri, em tão pouco tempo perdi tanto peso que os ossos do meu pulso estão visíveis.


Minha imagem se destacava em relação ao dos outros moradores dessa casa, minha mãe voltara bronzeada da lua de mel junto com o marido galante, meus irmãos estavam contentes com as roupas de marca que recebiam do padrasto, enquanto Tiffany possuía uma beleza que evoluía a cada dia.


Olhei no espelho, o meu cabelo oleoso por conta do suor e as profundas olheiras eram ressaltados em minha pele pálida, é horrível estar nesse estado, porem prefiro estar assim a viver com falsos sentimentos provocados pelos meus remédios, eu quero sentir o quão árdua é minha realidade.


Voltei-me para a privada e dei descarga, respirando fundo e desejando que os vômitos tivessem cessado.


Uma movimentação chamou minha atenção e olhei pela janela do banheiro, enquanto umma, seu marido e meus irmãos carregavam caixas e mais caixas para dentro do carro, conversando alegremente e por fim deram partida.


Abri lentamente a porta do banheiro e me arrastei pela casa com a cabeça tombada para o lado, me faltava força para até mesmo levantar meu pé, como se cada passo durasse uma eternidade.


Um som abafado saiu por entre a fresta da porta entreaberta do quarto de Tiffany, caminhei silenciosamente em sua direção e me posicionei para espiar dentro do cômodo.


A garota estava encolhida e agachada no chão de costas para mim e erguia a foto de uma mulher sorridente e desconhecida. Estava quase me virando e voltando para o refugio da escuridão do meu quarto quando Tiffany começou a falar, me assustando.


–Umma... Eu não queria estar triste, não queria estar infeliz com essa vida. Me perdoe por não estar contente com a felicidade do appa! Eu... eu queria vocês juntos! Eu queria você comigo...–Ela abaixou a foto e todo seu corpo começou a tremer, seus gemidos se tornaram mais audíveis–Porque você morreu? Eu não queria isso, é tão difícil sorrir umma... dói tanto, a raiva é tanta... –Vi suas mãos abraçarem seu próprio corpo e suas unhas arranharem seu corpo e depois seus braços–Oappaacha que é normal eu ser pálida, diz que combina com meus cabelos e olhos negros, mas ele não faz ideia de que a palidez vem por conta dos vômitos diários, umma meu estomago dói tanto... Eu não aguento mais me forçar a comer, tentar vomitar sem fazer barulho...



Sua voz foi se tornando mais tremula e seu choro foi aumentando a cada palavra... Aquelas palavras... Elas batiam contra mim, tão impetuosas quanto um soco forte em minha face, elas me congelavam e me puxavam para baixo, me impedindo de correr dali. Eu não podia escapar da verdade que mais uma vez batia em minha porta. Eu era um lixo egoísta.



Voltei a tomar meus remédios após presenciar a angustiante cena de Tiffany chorando, aquilo me fez despertar, sair um pouco do meu mundo e notar que eu não era a única sofredora, pois havia pessoas fracas e solitárias lutando para continuar a sobreviver, enquanto eu apenas me conformava e aceitava minha condição deplorável.


Calcei minhas pantufas de sapo e segurei meu Dookongcontra meu peito, sai do meu quarto e comecei a andar pela casa.


O remédio logo faria efeito, me derrubando nas sombras dos meus terríveis sonhos, era a quarta vez que eu sonho com a morte de TaeJoon, melhor amiga de infância de umma, a qual fora homenageada nas três primeiras letras do meu nome.


Uma fraca luz oscilava abaixo da escada, originando-se na sala. Por curiosidade eu fui até lá, fechando os olhos quando o degrau rangeu sob os meus pés.


–TaeYeon?–Ouvi o tom doce da voz de Tiffany me chamar.


Respirei fundo, abrindo os olhos e descendo o restante da escada, deixando com que a luz da TV iluminasse meu rosto por completo.


–Sim?


–Eu sabia que era você–ela me direcionou seu eyesmile e eu fiquei parada encarando sua expressão–Não consegue dormir também?–Confirmei com a cabeça e ela continuou–Quer assistir um filme comigo?


Tiffany deu dois tapinhas na almofada bege do sofá ao seu lado.


Hesitei por algum tempo, porem decidi por agrada-la, sentando-me no lugar que ela me indicara.


–Pipoca?–Tiffany pegou o pote do seu outro lado e me ofereceu.


Peguei um punhado de pipoca e coloquei todas na boca, fazendo com que minhas bochechas crescessem, o que a fez rir.


Mastiguei lentamente a grande quantidade de pipoca e ao terminar olhei para a única latinha de refrigerante em cima da mesa de centro. Tiffany percebendo meu olhar disse:


–Novamente eles se atrapalharam com os horários e a lista do mercado e esta é a ultima lata–Ela pegou o refrigerante e me ofereceu–Pode ficar.


–Vamos dividir–Eu sugeri e afastei sua mão–Então... Iremos ver qual filme?


Tiffany colocou a latinha no mesmo lugar e se virou para mim, batendo palmas e rindo, embora não emitisse nenhum som.


–Premonição 3!–Ela pegou o controle e apertou o play, enquanto eu a olhava perplexa–Espero que não tenha visto ainda, é sobre uma garota que previu a morte dos amigos e tenta salva-los.


Levantei-me do sofá e senti uma gota de suor escorrer pela lateral da minha testa, todas as mortes passaram rapidamente pela minha cabeça e só pararam quando senti um puxão forte na camisa do meu pijama.


–Não vai embora, por favor–Sua voz saiu baixa e apelativa.


Relaxei os ombros e voltei a me sentar. Por algum motivo havia algo nela que me prendia a aquela sala, eu só não tinha certeza do que era.


–Eu não gosto desse filme, ficarei apenas se você trocar.


Tiffany fez bico, mas cedeu, desligou o DVD e foi até a estante, voltando com nove DVDs e os colocando em meu colo.


–Pode escolher.


Olhei a capa do primeiro filme e optei por ele, pois parecia uma comédia romântica com um casal se abraçando em um fundo de cores vibrantes, algumas palmeiras e um pequeno cachorro.


Em sua maioria, assistimos ao filme em silencio e às vezes dávamos risadas juntas. A principio me senti desconfortável ao beber da mesma lata que ela, mas após algum tempo lamentávamos o fim da bebida.


Bocejei e Tiffany me olhou pelo canto do olho, sorrindo.


–Já está com sono?


–Sim–Cocei meus olhos–Os remédios dão sono, mas eu não quero dormir...–Cruzei os braços.


Tiffany colocou uma das mãos em meu ombro e me puxou para baixo, me fazendo deitar a cabeça em seu colo, embora eu tenha ficado espantada, relaxei após sentir os dedos de Tiffany passearem por entre meus cabelos.


–Não precisa ter medo de dormir–Ela sussurrou em meu ouvido, antes da minha vista ficar embaçada e minha mente confusa.



Tiffany estava se aproximando lentamente de mim e me lançando olhares pelos cômodos desde quando nós acordamos lado a lado no sofá.


Ela estava sentada a minha frente e dava leves chutes na minha canela por baixo da mesa, Tiffany desviava o olhar de mim sempre que eu a encarava com as sobrancelhas franzidas, como se com isso ela pudesse disfarçar suas ações.


–Hoje irei levar as meninas ao shopping–Umma quebrou o silencio do almoço e segurou na mão do marido–TaeJoon irá nos acompanhar.


Sua ultima frase vibrou em minha mente, um arrepio se inicio nos dedos dos meus pés e subiu até minha nuca. Eu já havia sonhado com sua morte seis vezes.


–Eu não quero ir–Eu disse rapidamente, pela primeira vez em semanas todos ali presentes se viraram para me encarar.


–TaeYeon!–Umma novamente me chamava pelo nome, desde que meu pai falecera ela não me tratava mais como filha–Michelle e Leo chegam da Europa amanhã e você não possui nenhuma roupa que a deixe mais apresentável–Ela adquiriu um certo ar esnobe.


Sacudi freneticamente a cabeça e afastei o prato. Eu seria ignorante se fosse preciso, tudo para não presenciar outra morte sanguinolenta.


–TaeYeon–O marido da minha mãe me olhou–irei entregar meu cartão de crédito para Tiffany, peça a ela para te comprar algo–ele sorriu.


–Reallydad?!–Tiffany sorriu e me chutou novamente–Por favor, aceite ir, iremos nos divertir muito hoje a tarde, unnie.


Tiffany mal sabia que eu não gostava de compras, não gostava da maioria das coisas que ela gostava, principalmente da cor rosa que estava sempre presente junto a ela onde quer que ela fosse, porem ela também não sabia que esse passeio acabaria de uma forma desagradável e chocante.


–Não se preocupe Tiffany, querida, ela irá querendo ou não–Umma disse firmemente e todos voltaram suas atenções para os pratos.


Não tive muito tempo para me preparar mentalmente, após ouvir umma criticar minhas roupas e ter que me trocar três vezes, TaeJoon estacionou em frente a nossa casa e começou a buzinar, como se estivesse atrasada para um grande evento.


Acomodamo-nos em seu glamoroso carro preto e ela deu partida, dirigindo rapidamente pelas já conhecidas ruas.


–Eu quero uma Barbie! Eu quero uma Barbie! Eu quero uma Barbie–Minha irmã, HaYeon gritava repetitivamente ao meu lado.


–Tudo bem filha, umma irá comprar para você, agora faça silencio, tudo bem?–Minha mãe olhou para trás e fez cafuné na cabeça de HaYeon.


Tiffany colocou sua bolsa rosa na minha perna e começou a vasculhar o conteúdo.


–Que tal passar um batom?–Ela me perguntou e retirou um objeto de dentro da bolsa.


–Eu não gosto–Tirei o objeto de sua mão e o coloquei de volta na bolsa.


Tiffany ficou emburrada pelo resto do caminho, no entanto ao chegarmos ao shopping ela segurou em meu braço e começou a cutucar minhas costelas, ela insistia no gesto mesmo quando eu lhe pedia para parar.


–Essa é minha vingança–Ela sussurrou no meu ouvido.


–Aish... Pare–Tentei me desvencilhar dela, porem ela segurou com mais força em meu braço.


TaeJoon parou em nossa frente e nos olhou sorrindo, percebi que ela olhava fixamente para a mão de Tiffany agarrada em meu braço.


–Finalmente você fez uma amiga TaeYeon–Ela levou as mãos a cintura e respirou fundo–Quem ai está com fome?


–Eu! Eu!–HaYeon levantou uma mão e começou a pular.


Olhei para minha irmã e depois para TaeJoon, esse era o momento de que eu me lembrava, tudo aconteceria novamente...


Levantei a cabeça para a placa da loja de cosméticos em cima da cabeça de TaeJoon, bem a tempo de ver as coloridas letras piscarem e faiscarem, em questão de segundos os parafusos se soltaram e a placa caiu rapidamente, atingindo o meio do seu alvo com precisão.


O sangue novamente voou em minha direção, no entanto eu fui rápida o suficiente para me colocar a frente de Tiffany e a abraçar, protegendo-a de receber a substancia que marcara para sempre minhas memórias.


O grito abafado de Tiffany em meu peito ecoou em minha cabeça o dia todo.



O caro plano funerário de TaeJoon cuidou de todo estrago, sendo assim, seu corpo estava sendo velado no crepúsculo, com uma rapidez que espantara a todos. Enquanto a funerária cuidava do corpo, umma cuidava do estado de HaYeon e Tiffany, que ficaram em pranto e chocadas por horas, por sua vez o pai de Tiffany consolava umma com a ajuda de Jiwoong.


Eu estava afastada da multidão que se despedia da casca de TaeJoon, caminhando pelo terreno acidentado e lamoso do cemitério.


Parei ao lado de uma velha árvore, que já não possuía nenhuma folha, apoiei as minhas mãos na sua casca grossa e áspera e olhei para o céu nublado e cinzento. Eu não podia deixar de me comparar a essa solitária árvore velha no meio de centenas de túmulos, no final talvez eu ficasse assim no meio de pessoas mortas, já estava até mesmo me acostumando com a morte.


–O que faz aqui?–Ouvi alguém dizer atrás de mim e me virei, ciente de quem era.


Pela primeira vez Tiffany não possuía uma peça de roupa rosa, o preto reinava até mesmo no seu olhar vazio e distante.


–Não gosto de funerais.


–Eu também não... –Ela se aproximou de mim e abaixou a cabeça–Me traz lembranças ruins.


Fiquei a olhando estática, as lembranças do dia em que a vi chorar no quarto vibraram em minha cabeça e senti não consegui resistir a vontade de abraça-la e aperta-la forte contra meu corpo, enquanto ela tremia e chorava.


Inexplicavelmente ela sempre quebrava a minha barreira protetora, era como se eu fosse uma célula que rejeitasse qualquer substancia, no entanto minha permeabilidade seletiva aceitava Tiffany.


–Não chore... –Afaguei o seu cabelo.



Algumas semanas se passaram e pela primeira vez eu me senti verdadeiramente feliz após as mortes e sonhos se iniciarem, parte da minha recuperação foi graças a Tiffany, a cada momento com ela era especial, por mais que na maior parte do tempo ela fale sozinha e reclame do meu silencio, mas ela simplesmente não sabia que eu preferia a admirar.


Toda vez que nosso olhar se cruzava eu não conseguia evitar que o sorriso se formasse em meus lábios, o qual se alargava mais ainda quando ela me correspondia com seu eyesmile. Aos poucos aprendemos a nos comunicar com o olhar, o que irritava os nossos irmãos que sempre imaginavam que estávamos tramando algo.


A tristeza voltava a me habitar em alguns raros momentos, quando Tiffany acompanhava a irmã Michelle até o shopping ou quando ia jantar com o irmão, que de tempos em tempos trocava de namorada. O que me fazia melhorar nesses dias era o pensamento de que no dia seguinte ela viria correndo empolgada até mim e contaria todos os detalhes, como se tivesse acabado de voltar de uma grande aventura.


–Que tédio–Tiffany sentou-se no sofá ao meu lado, com uma revista em mãos e colocou os pés no meu colo–Porque você pensa tanto?–Ela começou a folhear a revista rapidamente.


–Porque eu tenho muito no que pensar–apontei para a capa da revista de moda–sabe... Meu cérebro tem mais conteúdo do que isso ai.


Ela jogou a revista para o lado, suas folhas se debateram no ar antes de caírem amaçadas na mesa de centro. Tiffany se aproximou de mim e passou a mão na minha cabeça.


–Se você é tão gênio assim então inventa algo para me tirar desse tédio–ela me puxou pela gola da blusa–Olha lá fora, é verão e nós não estamos aproveitando.


Levantei do sofá sorrindo e segurei em sua mão, Tiffany me olhou com um expressão confusa, porem me seguiu calada enquanto eu a puxava para fora de casa.


Os raios de sol me cegaram por alguns instantes, até que minha visão aos poucos foi se acostumando. Por todo o caminho Tiffany me enchia com milhares de questões, que eu ignorava ou respondia com um sorriso torto.


Passamos por diversas ruas até chegarmos em nosso destino, a praça que me proporcionou os melhores momentos da minha vida. O ar refrescante balançava as folhas e beijava nossas faces, aliviando um pouco do calor que sentíamos.


–Você gosta desse lugar não é mesmo?–Tiffany parou na minha frente e olhou em meus olhos.


–Sim... –Fechei os olhos e suspirei–Meu pai costumava me trazer aqui.


Abri os olhos lentamente e me desesperei ao notar lágrimas se formando nos olhos de Tiffany, por mais que ela tentasse esconder de mim. Limpei suas lágrimas com a ponta do meu dedão e a vi sorrir.


–Gostaria de ter um lugar assim para me lembrar da minha mãe também–Ela olhou para o lado e respirou fundo– eu sinto tanta saudade.


Senti a tristeza dela me atingir, partilhávamos do mesmo sentimento de perda. Aquele momento silencioso entre nós era mais significativo do que todos os outros, um momento em que nós duas compreendíamos o sentimento uma da outra, como se nossas almas estivessem ligadas.


Em poucos minutos o céu se fechou sobre nossas cabeças, sem que percebêssemos até que as geladas gotas tocaram nossos corpos e o barulho da chuva quebrou o silencio.


–VOCÊ POSSUI UM SONHO?–Tiffany gritou para mim.


–Eu sempre quis ser cantora!–Me aproximei de seu ouvido.


–Eu também!–Tiffany sorriu e beijou minha bochecha–Vamos fazer isso juntas, TaeTae.


Senti sua mão segurando a minha, Tiffany me puxou pela praça, enquanto rodava e cantava para o vento, as gotas caindo serviam como melodia para ela.


Soltei sua mão e passei a olhar o show particular que ela dava, me fazia feliz vê-la assim, por mais que corrêssemos o risco de ficarmos resfriadas eu não queria parar esse momento.


Tiffany pulou de poça em poça, espirrando água para todos os lados até ficar próxima a mim, senti suas mãos se apoiando em meus ombros e seus lábios encostando-se em minha orelha.


–Porque me olha tanto?


Após indagar, Tiffany se afastou um pouco e voltou a olhar em meus olhos. Meu olhar acompanhou uma gota que deslizou por seu lábio e lentamente foi escorregando até pingar do queixo.


Aproximei-me lentamente, certificando que ela não iria recuar e juntei nossos lábios, sentindo uma corrente elétrica passar por todos os nervos do meu corpo e explodir em meu peito. Esse era meu primeiro beijo e eu não tinha certeza de como fazer isso, contudo eu estava extremamente contente por ser com ela.


Afastei lentamente e abri os olhos, analisando Tiffany que permaneceu de olhos fechados por alguns instantes.


–Eu te olho porque você faz eu me sentir feliz, obrigada por me notar–beijei sua bochecha e ela sorriu–Vamos aproveitar o dia!–Agora foi a minha vez de puxa-la por toda a praça.


Aproveitamos juntas o dia rindo, cantando e dançando na chuva, sendo felizes de um jeito que só uma podia fazer a outra ser.


Olhei para os holofotes que iluminavam Changmin e YunHo, os dois estavam fazendo uma performance magnifica, o que deixava a plateia extasiada a cada movimento de dança, a cada refrão.


Ao final da apresentação YunHo se despediu dos fãs e deixou Changmin para trás, pois o segundo resolveu ficar e interagir um pouco mais com os fãs.


–Fantástico!–Bati palmas quando YunHo se aproximou de mim.


–Obrigado, agora façam a sua...–YunHo foi interrompido por um forte estralo e logo em seguida começou uma gritaria.


Olhei espantada para o palco bem a tempo de ver um cabo de aço ricochetear no ar e voar em direção a Changmin, atingindo com força seu pescoço, fazendo sangue jorrar e seu corpo cair duro para o lado.


O mundo ficou silencioso para mim, enquanto pessoas passavam ao meu lado indo em direção ao palco. O único som ouvido era...


“O sol nasceu! Vamos acordar e sorrir!”


Abri os olhos assustada, buscando na escuridão a fonte do barulho, o relógio de Sunny em formato de porco que piscava e iluminava o quarto a cada segundo. Sunny resmungou e elevou a mão, batendo com força no objeto e o fazendo cair com um baque surdo no chão, ela se virou para o outro lado e cobriu o rosto com a coberta.


Respirei fundo tentando me acalmar e apagar a cena marcante da minha mente, porem parecia que o sangue de Changmin insistia em decolar centenas de vezes na minha cabeça.


O estado em que eu me encontrava fizera com que eu perdesse todo o sono, por isso me levantei silenciosamente e sai do quarto, indo em direção ao banheiro, onde fiquei por muito tempo limpando o suor da minha face e tentando organizar meus pensamentos.


–Isso...–Olhei para o meu reflexo e um flash do sonho passou pela minha visão, fazendo com que meu corpo todo tremesse–é um sonho! Um sonho! Você não prevê nada! Nada!–Gritei para mim mesma e tentei segurar as lágrimas de raiva, junto com a minha vontade de socar o espelho–Isso é apenas o trauma que sofreu! Sim–sorri como uma psicopata para mim mesma, repetindo as palavras que minha psicóloga me disse a infância toda–Changmin está bem, ele não tem porque morrer–Senti vontade de gargalhar e antes que percebesse eu já estava rindo.


Faz cinco anos desde que parei com as terapias e remédios, essa pequena trapaça do meu cérebro não me incomodara mais desde então, desde que me tornei feliz e realizada como uma SNSD, no entanto esse pequeno sonho trouxe como bônus algumas duvidas que eu havia trancado no fundo do meu ser.


Escutei batidas na porta e a voz doce de SeoHyun me chamando e perguntando se estava tudo bem. Antes de abrir a porta e responde-la, eu lavei meu rosto novamente e coloquei a minha mascara, não queria preocupar a maknae e nenhuma outra membro.


O café da manhã se iniciou e como sempre Jessica estava emburrada por ter que acordar cedo antes que SooYoung e Yoona devorassem toda comida. Yuri e HyoYeon conversavam entusiasmadas para começarem o ensaio para a turnê da SMTown, enquanto Sunny se concentrava em zerar o seu ultimo jogo antes dos ensaios.


–Tem algo de errado com você?–Tiffany me olhou e me ofereceu um copo de leite quente, que eu prontamente aceitei.


–Não tem nada–sorri amarelo.


Relaxei os ombros e suspirei quando Tiffany me direcionou aquele olhar inquisitivo, ela me conhecia bem demais para saber quando eu mentia, no entanto ela aprendera a me dar espaço e me respeitar, sempre esperando o momento em que eu me sentisse bem para contar tudo a ela.


Todo dia eu pensava no que passei para chegar até onde estou, todos os sacrifícios que tive que fazer, me empenhar por horas, dormir e comer pouco, ensaiar mesmo quando não tinha mais forças. Era inacreditável pensar que eu poderia ter desistido, mas eu me superei e estou aqui agora, mas eu sei também que não teria conseguido sem Tiffany ao meu lado.


Nos dois primeiros meses dividimos o mesmo dormitório, porem eu fui transferida para o dormitório de Sulli e passei a vê-la apenas durante os duros ensaios e os raros almoços, mas isso em nenhum momento atrapalhou nossa ligação, tantas vezes Tiffany correra para meu dormitório durante a madrugada e chorara em meu colo por ter saudades da família e por pensar em desistir do sonho.


Foi Tiffany quem me encontrou quando fugi do dormitório, foi ela que escutou todo o meu desabafo e me fez mudar de ideia, me levando de volta para o dormitório para que meu sonho se realizasse e agora estou plenamente feliz graças a ela.


O desjejum passou voando e antes que eu percebesse já estava me atirando ao chão da sala de ensaios, sentindo uma dormência incomoda nas minhas pernas.


–TaeTae, vamos beber água e nos recuperar para voltarmos com força total–Tiffany estendeu a mão para mim e me ajudou a levantar.


Hidratei-me e voltei a praticar a coreografia, como sempre todas estavam se esforçando ao máximo, me deixando orgulhosa por participar de um grupo como aquele e sempre que alguém se sentia desanimado as outras oito faziam de tudo para ajudar aquele membro a se levantar e continuar.


Como líder eu tentava evitar certos pensamentos sobre Tiffany, sempre que estávamos em grupo eu tentava trata-las igualmente, porem sempre alguma parte de mim ficava admirando Tiffany, a culpa, em parte, talvez fosse pelo seu comportamento doce e generoso e em parte pelo seu encantador eyesmile.


Durante os seis dias que antecediam a turnê ensaiamos incansavelmente, em busca da sincronização perfeita para a nossa coreografia, tudo para não desapontar nossos fãs que sempre esperaram muito de nós e nos apoiaram.



Estralei meus dedos de nervosismo, por mais que eu já estivesse acostumada com grandes apresentações não podia deixar de sentir aquele embrulho em meu estomago. Era o medo de cometer algum erro e desapontar aqueles que vieram até ali apenas para me ver dar um espetáculo.


Eu estava atenta a apresentação de DBSK, como em meu sonho eles estavam levando a plateia ao delírio, no entanto eu tentava não pensar naquilo, repetindo mil vezes que não aconteceria, que hoje seria diferente.


Ao final da apresentação resolvi agir por um modo diferente e deixei com que YunHo passasse diretamente por mim e fiquei atenta ao cabo de aço que estava presa a uma das barras de ferro do palco.


Tudo parecia perfeitamente em ordem, até que um imprevisto aconteceu, uma faísca saiu de um dos holofotes e a luz se apagou por um instante, fazendo todo o estádio ficar em silencio, o qual foi quebrado com aquele aterrorizante estrondo. As luzes voltaram a se acender bem a tempo de ver o cabo atingir Changmin, fazendo jorrar ainda mais sangue do que aquele que vi em meu sonho.


Pronto. O caos se instalou com pessoas gritando e correndo por todos os lados, enquanto a cabeça de Changmin rolava por alguns centímetros, se afastando de seu corpo.


Abri a boca e coloquei a mão nas minhas têmporas, tentando puxar o ar, mas nada que eu fizesse ajudava. Atirei-me de joelhos ao chão, sem me importar com a dor e aos poucos percebi minha visão escurecendo.



Após desmaiar na horrível noite da SMTown eu fui hospitalizada e não pude ir ao velório e não estava tão triste por isso, pois eu não gosto de enterros e ver o caixão de Changmin traria com força as lembranças contra mim e eu não sei se eu poderia aguentar mais.


Ao chegar ao dormitório tive que me fazer de forte, como líder eu deveria me manter firme na frente delas, ainda mais vendo que SeoHyun estava lutando para não chorar nas frentes de sua unnie, já que ela era a muito próxima a Changmin e nunca presenciou uma cena chocante como essa.


Depois do cancelamento da turnê, por mais que eu tenha disfarçado bem a minha angustia e tenha protestado me obrigaram a ir até a psicóloga novamente e eu já sabia onde isso iria dar.


Fiquei algum tempo sentada na cadeira estofada e macia do consultório, olhando para as paredes brancas e a estante de livros, que também possuía alguns retratos de pessoas sorridentes, tão felizes que lhe faziam acreditar que não existiam grandes problemas que não pudessem ser superados em sua vida.


–Kim TaeYeon–A porta se abriu e uma mulher baixinha de óculos e de cabelos curtos e bagunçados se sentou na cadeira atrás da mesa a minha frente.


Assenti com a cabeça e ela ergue os óculos, apoiou o cotovelo na mesa e juntou as mãos, me analisando profundamente.


Respondi instantaneamente um questionário que ela me fizera, como se estivesse em uma entrevista para a imprensa.


Estava tão sobrecarregada com a morte e a volta das previsões que contei fatos importantes da minha vida para ela, mesmo sabendo que não encontraria um modo de acalmar o que estava dentro de mim, ainda assim eu sentia um pingo de esperança.


Contei-lhe sobre meus sonhos, aconteciam sempre seis dias seguidos, no sexto dia a pessoa morria como na visão e se algo mudasse a visão a morte aconteceria de outra maneira ainda mais drástica, durante um mês eu sonhava com três pessoas diferentes e nenhuma conseguia escapar da morte.


Falei sobre a minha primeira psicóloga, o modo como ela me iludia quando eu era apenas uma criança insegura, que se trancava no banheiro chorando e se culpando pelas mortes, como se sonhar provocasse isso. Eu arrancava meus cabelos, gritava, me socava até arrancar sangue do meu próprio rosto, pois eu não tinha mais ciência do que era real ou sonho e por noites eu ficava sem dormir, pensando que assim eu evitaria algo.


Certa vez eu estava tão confusa que tentei me matar, cortando o meu pescoço, porem faltou coragem para fazer um corte profundo. Esse ato covarde me fez odiar mais a minha insignificante existência.


–Senhorita TaeYeon–A psicóloga chamou a minha atenção me trazendo de volta a realidade–Por conta dos fatos traumatizantes da sua infância eu creio que seu subconsciente reaja dessa forma, te fazendo acreditar que tem visões–Ela pegou a caneta e começou a rabiscar rapidamente algo no seu bloco de notas–Aconselho que procure um psiquiatra e comece a ser medicada.


Pisquei os olhos algumas vezes, tentando absorver as informações. Medicamentos. Terei que viver com falsas sensações novamente.


Levantei-me da cadeira e sem dar nenhum aviso retirei a folha das mãos dela e sai do consultório, batendo a porta com força e xingando baixinho para aliviar um pouco da raiva que eu sentia.



–TaeYeon-ah–Yuri colocou a cabeça dentro do quarto–HyoYeon me mandou entregar isso para você.


Ela me mostrou um imenso pacote amarelo queimado, peguei o pacote de suas mãos e me despedi dela, fechando a porta do quarto, no entanto dessa vez tomei a precaução de tranca-la.


Rasguei de qualquer maneira a embalagem, olhando os vários frascos de remédios, pegando um a um e largando-os logo em seguida. Peguei a receita médica e comecei a ler com quanta frequência teria que consumir aquelas drogas, a quantidade era maior do que a que eu tomava quando criança.


Olhei para os pingos de lágrimas que mancharam a receita e só então me dei conta de que não conseguiria controlar o choro.


Não existia escapatória, eu teria que passar por tudo novamente, logo agora que eu estava tão feliz com meu sonho realizado tive que largar tudo.



–Coma–Insistiam as shikshins.


Eu estava há dias sem comer, apenas me entupindo de remédios, o que ocasionou na queda do meu rendimento como cantora e dançarina. O angustiante mesmo era esperar uma mudança, no entanto essa mudança parecia nunca vir. O quanto mais eu terei que sofrer?


HyoYeon pegou em minhas mãos e olhou dentro dos meus olhos, com uma expressão séria.


–Eu sei o quanto é difícil, mas você tem que superar–Ela apertou meus dedos e continuou–Você vai superar!


Elas faziam de tudo para me animar, desde brincadeiras até a palavras incentivadoras, contudo desde que comecei os medicamentos eu senti toda minha confiança própria ir embora.


Você tem que superar, TaeYeon, por suas dongsaengs, pelos sones. Você é a líder, tem que ser forte e agir como tal.


–Eu irei–sorri e me juntei a SooYoung e Yoona, que estavam repetindo a refeição.


Mesmo com a turnê cancelada nós tivemos que ensaiar incansavelmente desde cedo, para o desagrado de Jessica. Eu me empenhava o máximo que podia fazendo ensaios até mesmo no quarto, ultrapassando meus limites e esse meu esforço erabem recebido no grupo, que já acreditava em uma possível recuperação vinda de mim.


Assim como elas confiavam em mim, eu passei a confiar também.



Levantei rapidamente da cama, sentindo meu peito descer e subir, meu pijama estava molhado e grudado no meu corpo, assim como meu cabelo.


Sai do quarto sem alertar Sunny e corri até o banheiro, derrubando coisas e procurando remédios, enquanto minhas lágrimas se misturavam com meu suor. O único som no dormitório era o dos remédios caindo e minha respiração alta.


Juntei a maior quantidade de remédios emuma mão e os engoli, fazendo força para que passassem pela minha garganta, onde primeiramente ficaram entalados.


Meu corpo todo tremia e tive dificuldades para abrir a porta do banheiro, mas quando o fiz despenquei de joelhos e apoiei as palmas das mãos no chão. Por alguns minutos fiquei assim, tendo dificuldades para respirar, até que senti duas mãos em meus braços me puxando para cima.


–SeoHyun!–Ouvi Tiffany gritar atrás de mim.


–Unnie...–Ergui a cabeça e vi uma SeoHyun pálida parada no começo do corredor, ela começou a correr e parou a poucos centímetros de mim–O que aconteceu?


Tiffany me puxou para dentro do banheiro e me segurou com o corpo inclinado em cima da privada.


–Olha quanto remédio na pia!–Tiffany gritava cada palavra, fazendo minha cabeça doer– Me ajuda, por favor!


A ultima coisa de que me lembro foi de sentir algo invadir minha boca, raspando em minha garganta e me fazendo vomitar diversas vezes.




Tentei ficar algumas noites sem dormir, era fácil se eu lembrasse do sonho, eu não queria que ele morresse, ainda mais daquela forma, porem ao me lembrar eu não conseguia evitar os choros, fato que chamou a atenção de Sunny, ela alertara Tiffany sobre isso e a segunda resolveu que iria cuidar de mim, me obrigando a dormir em sua cama de casal.


Tiffany me acomodou em seu colo e afagou meus cabelos, alisando minha franja para trás. Eu deveria relaxar ou ficar feliz, no entanto eu não conseguia sentir nada, apenas o vazio e a escuridão que rodeavam minha visão.


–Vai ficar tudo bem...–Tiffany beijou minha testa e começou a cantarolar com sua voz angelical.


Aos poucos senti meu corpo relaxar e minhas pálpebras pesarem, eu não queria mais lutar contra o sono, eu não podia mais lutar, ainda mais com Tiffany fazendo-me sentir bem, daquela forma que apenas ela conseguia.


E pela sexta vez sonhei com MinHo.



A imensa porta de madeira se fechou atrás de mim, apesar de receber cobranças de Lee SooMan eu estava melhor ao saber que MinHo não compareceria a agencia, eu não podia evitar a morte dele, mas pelo menos eu não iria presenciar. Hoje o sangue não marcaria minhas memórias.


Olhei para o meu celular e comecei a ler as mensagens que Tiffany me mandara, a cada minuto ela perguntava como e onde eu estava, pois nosso chefe não a deixou me acompanhar na reunião.


Ergui a cabeça e fiquei estática ao ver a silhueta de MinHo em frente ao elevador, ele retirou uma mão do botão, olhou para mim sorrindo e acenando, as portas do elevador se abriram e ele se adiantou de costas.


Eu gritei e corri em sua direção, porem não cheguei a tempo de evitar sua queda, no mesmo instante em que seu corpo caiu, o elevador subiu com seu corpo torto, sua cabeça e o braço direito tombaram para fora, sendo arrancados e jogados aos meus pés.


Olhei para o sangue escarlate tingindo o chão como se fosse um tapete deformado, sua cabeça possuía um olhar distante e eu tentei parar de encarar aqueles olhos negros e sem brilho.


Minha mente se tornou confusa e minha visão opaca quando olhei para o osso exposto de seu braço, comecei a gritar alto, até minha garganta arder. Corri pelo cômodo arrancando meus cabelos e dando cabeçadas na parede, eu não podia suportar isso eu tinha que arrumar um modo de fazer essas atrocidades saírem de mim.


Logo chegaram homens tentando me acalmar, no entanto eles não podiam me controlar, nem eu mesma podia. Eu iria fazer isso parar mesmo que custe minha vida.


Debati-me e os empurrei toda vez que tentavam chegar até mim, porem meus esforços foram em vão quando me seguraram por trás e eu senti uma picada na minha nuca, usei meu ultimo folego para gritar para eles.



Eu estava taciturna, olhando para Tiffany e seu pai, que eu gosto tanto que nunca lembrarei o nome. Eles estavam preparando o jantar, o senhor Hwang cortava as carnes com uma afiada faca, enquanto sua filha buscava os ingredientes na geladeira.


Tiffany se aproximou dele, sorrindo e quando estava perto o suficiente tropeçou em seu próprio pé e caiu lentamente em cima do pai, com os olhos esbugalhados e a faca enfiada no abdômen que instantaneamente começara a sangrar e sangrar.


O sangue da minha amada!


Abri os olhos e me sentei na cama, senti um puxão em meus pulsos e olhei para as agulhas e fios enfiados em minha pele, retirei um por um sem me importar com a dor, pois o que mais doía agora era a imagem fixa do meu sonho, era pensar que ela morreria.


Parecia que aquele sonho tinha se repetido diversas vezes.


Levantei-me da cama e analisei aquele quarto branco e estranho, os móveis possuíam uma cor perolada, porem não deixavam de se fundir as cores das paredes.


Abri a porta e antes que pudesse correr um enfermeiro veio até mim e ficou em minha frente com os braços abertos, me dizendo para voltar ao quarto.


–Onde eu estou?!–Segurei na gola de seu uniforme azul–Eu preciso falar com Tiffany!


–Senhorita Kim, por favor, volte ao seu quarto–Ele segurou em minhas mãos e começou a me empurrar para dentro do cômodo.


–Eu não quero! Eu não quero! –Comecei a me debater e a tentar me livrar de suas fortes mãos.


Eu não compreendia onde eu estava porem de uma coisa eu tinha ciência, eu precisava encontrar Tiffany, precisava achar uma solução. Isso não pode ser real.


Olhei para baixo e ergui o joelho, acertando o enfermeiro entre as pernas, fazendo-o me largar e colocar as mãos nas partes, aproveitei e sai correndo pelo corredor, me desvencilhando de macas e alguns enfermeiros.


Desci vários lances de escada e virei um corredor e consegui avistar o grande letreiro avisando a saída, nesse momento eu senti como se minhas pernas voassem, eu estava tão perto de agarrar a maçaneta, porem senti algo me prendendo pela cintura, lutei novamente com todas as minhas forças, no entanto me arrastaram para longe da porta e eu senti novamente algo perfurar meu pescoço.


Sonhei novamente com Tiffany e acordei ainda mais desesperada, eu deveria encontrar alguma maneira de escapar daqui.


Um barulho chamou minha atenção, abri as janelas e senti meu coração bater mais rápido quando vi a multidão lá embaixo, gritando e segurando cartazes rosa pastel.


Uma ideia desesperadora passou por minha cabeça, eu não tinha escolha, portanto resolvi segui-la. Arrastei o sofá para a porta e coloquei vários outros móveis contra a porta. Subi no parapeito da janela e eles logo prestaram atenção em mim, alguns até mesmo se calaram, abri a mão e a levantei, sentindo flash em minha direção.


–Eu quero a Tiffany!–Comecei a gritar o mais alto que conseguia–Se ela não vier aqui agora eu irei pular!


Senti o frio dos azulejos da janela, me aproximei mais de sua beira e abaixei meus dedos, como se fossem uma garra.


–TaeYeon! Não pule! Eu te amo!–Ouvi alguém quebrar o silencio.


Os gritos em coro se iniciaram logo após esse e a cada vez mais carros e vans da mídia paravam e começavam a me filmar.


Durante uma hora ameacei me jogar, gritando por Tiffany e dizendo que se alguém entrasse no quarto eu me atiraria.


O carro dela contornando o local chamou a minha atenção e a de alguns sones que começaram a gritar o nome dela, eu não relaxei até ouvir batidas e a voz dela atrás da porta.


Desci da janela e fiz força para arrastar todos os móveis, as lágrimas caiam do meu rosto quando ela abriu a porta e me envolveu em seus braços, Tiffany me apertou contra ela e eu a senti chorar.


–Está tudo bem, tudo bem–Ela dizia e soluçava.


–Não me deixa, por favor, não me deixa–me afastei e comecei a beijar suas bochechas–Eu te amo, Tiffany, eu te amo.


Toquei meus lábios rapidamente nos dela e me afastei, olhando para sua expressão surpresa, após alguns segundos, Tiffany sorriu, se aproximou e limpou minhas lágrimas com o seu dedão.


–Eu não quero ficar aqui–balancei a cabeça freneticamente–eu não quero.


–Psiu–ela colocou o dedo indicador em cima dos meus lábios, me calando– Meu pai veio para os EUA com Jiwoongoppa, seu irmão está assinando os papéis para te tirar desse hospício–Ela acariciou minha face.


Fechei os olhos e apenas aproveitei a sensação da sua pele contra a minha, sua presença aqui me acalmava, eu iria arrumar um método de impedir que sua morte acontecesse, eu não podia perdê-la, não podia perder o que eu mais amava no mundo todo.


Entreabri os olhos e vi Tiffany se aproximar de mim com os olhos fechados, seus lábios se encostaram aos meus e sua língua abriu passagem para se encontrar com a minha. Ficamos nessa junção até o ar nos faltar e quando nos afastamos Tiffany segurou em minha mão e me guiou pelos corredores.


Eu não me sentia completamente aliviada, no entanto isso era um começo.



Mesmo protestando, Jiwoong e Tiffany seguraram meus braços e me auxiliaram a andar até chegar ao apartamento, que o pai dela alugara.


Sentei-me no sofá e deitei a cabeça para trás, respirando fundo e esticando as pernas.


–Eu ainda não posso acreditar que enviaram minha irmã para um lugar como aquele–Jiwoong demonstrava toda a irritação em sua voz.


–Eu apenas fico feliz que você tenha vindo logo dos EUA, oppa–Tiffany sentou ao meu lado e pousou as mãos em meu colo–Eu teria invadido aquele lugar se você não chegasse.


Tombei a cabeça e a encostei no ombro de Tiffany, respirando fundo e sentindo os pensamentos sobre a sua morte voltarem a invadir minha cabeça como um forte turbilhão. Meus olhos estavam pesados devido ao cansaço, porem eu não queria dormir.


–Quan...–Minha voz falhou e eu limpei a garganta, antes de continuar–quanto tempo você irá ficar Jiwoong?


–Ficarei apenas mais quatro dias, você e Tiffany ficarão aqui enquanto eu não voltar–Ele se inclinou e apoiou o cotovelo nos joelhos, me olhando nos olhos–Acho melhor você descansar, dessa vez de um modo descente.


Dividi o quarto com Tiffany e durante a noite senti seu corpo colar ao meu e logo após seus braços me envolverem, ela cantarolou em meu ouvido e apenas essa noite eu não consegui lutar contra o sono.



Durante os quatro dias tive que tomar remédios, tão fortes que sempre me derrubavam em um sono profundo e por mais que eu estivesse com meu irmão e com Tiffany, ainda assim eu me sentia assustada e angustiada.


Hoje é a sexta vez que eu sonhava com aquilo, tem que existir um modo de impedir, eu preciso encontrar!


Vomitei escondido os remédios e as comidas do dia, com medo de terem colocado alguma substancia nela, isso me ajudou a clarear minha mente, vasculhando cada canto do meu cérebro em busca de uma saída.


A morte de Tiffany era a terceira esse mês e isso fechava o ciclo dos horrores, no entanto eu não permitiria que isso acontecesse.


–Jiwoong–O pai de Tiffany se levantou do sofá e desligou a TV, no meio do meu programa favorito, me irritando profundamente.


–Sim?–Meu irmão fez um aceno com a cabeça.


–Combinei com Tiffany de que prepararíamos o jantar essa noite–senti um calafrio percorrer minha espinha–Mas eu preciso que você vá agora buscar bebidas e alguma sobremesa.


Observei Jiwoong pegar o casaco e depois a chave do carro, colocando o dedo na bola do chaveiro e a girando no ar. Ele acenou para mim sorrindo e fechou a porta logo em seguida.


Tiffany cutucou as minhas costelas e eu a encarei, enquanto ela dava seu lindo eyesmile.


–Quer ajudar o dad também?–Tiffany colocou minha franja atrás da minha orelha.


Neguei com a cabeça e o sorriso se desfez do seu rosto, ela se levantou e entrou na cozinha, me deixando sozinha e paralisada com a ideia que acabara de se passar em minha mente.


Não tive muito tempo para refletir, essa talvez fosse a minha única chance, no entanto para dar certo eu precisaria ser rápida. Eu precisaria fazer uma troca de sangue, do mesmo modo que acontecera quando meu pai morreu no lugar do meu irmão, a vida do pai de Tiffany pela vida dela. Espero que isso funcione.


Sai correndo do apartamento e olhei para os lados, até achar a caixa retangular e vermelha, li rapidamente as palavras “use em caso de emergência”, então eu usaria essa arma corretamente. Peguei o pequeno machadinho e quebrei o vidro de segurança, pegando rapidamente o machadinho e voltando correndo para o quarto de hotel.


Passei rapidamente pelos cômodos e parei em frente a cozinha, observando Tiffany abrir a geladeira, pegar vários ingredientes e os equilibrar em seus braços, a poucos centímetros estava seu pai com a faca em mãos.


Apertei o cabo do machado, fazendo os nós dos meus dedos ficarem brancos, estreitei os olhos e corri, observando Tiffany chegar cada vez mais perto da faca.


Fechei os olhos e apenas senti aquele liquido quente espirrar em mim.


Minha mão se movia automaticamente, desferindo vários golpes, enquanto meus ouvidos eram feridos por um grito agudo.


Abri os olhos e larguei o machado, observando o corpo deformado e ensanguentado de Hwang e depois olhando para a expressão abatida de Tiffany, que chorava. Era horrível vê-la naquele estado, mas pelo menos ela estava viva, o que me fez sorrir e receber um soco forte na minha boca.


–Você ficou maluca?!–Tiffany me deu outro soco e eu senti o gosto enferrujado de sangue–Eu te odeio! Eu te odeio!–Ela me socava e eu continuei apenas segurando o machado com força, estática.


Eu merecia aqueles socos, eu tirei dela alguém que ela amava, porem ela não compreendia que eu havia feito aquilo para salva-la. Eu fiz isso por amor Tiffany.



Passei de cabeça baixa pelo escuro corredor, algumas mãos saiam das grades e tentavam me agarrar, pessoas gritavam meu nome e algumas me ofendiam, não necessariamente todos prisioneiros, mas alguns guardas me empurravam e zombavam de mim por todo o caminho. Zombavam do meu rosto, da minha voz, do meu corpo, da minha banda.


Jogaram-me cela a dentro e eu me escorei na parede, escorregando lentamente e abaixando a cabeça, encarando o imundo e esburacado chão. Esse era apenas o primeiro dia dos dez anos que eu teria que ficar aqui, porem eu não estava tão triste, minha pena fora reduzida de trinta para dez graças aos sones, que protestaram e até mesmo ameaçaram invadir o julgamento e outro motivo de meu alivio era saber que a troca de sangue havia funcionado, apesar de me odiar Tiffany estava viva e isso era o suficiente para mim.



Hoje faz cinco anos desde que fui parar nesse lugar, eu mal me lembro o que é luz solar ou comida de verdade, pois eu preferia passar a maior parte do tempo trancafiada na minha cela, respondendo as cartas de HyoYeon, SooYoung, Yuri, Sunny, Jessica, SeoHyun e Yoona, e também escrevia todo dia uma página da minha história para Tiffany. Eu tinha esperança de que quando saísse pudesse entregar isso a ela para tentar explicar e pedir perdão.


Nas varias vezes que eu sai acabei apanhando de pessoas que odiavam não só a mim, mas a SNSD também e algumas noites um guarda penitenciário ficava batendo com seu cassetete em minha cela, tudo para impedir que eu dormisse bem.


A porta da cela rangeu e eu levantei o olhar.


–Vamos–O guarda fez um sinal com a cabeça–Você tem visitas.


Fiquei surpresa, porem me levantei e deixei com que ele me algemasse e me guiasse até a sala de visitas, pela primeira vez nesses cinco anos alguém viera me ver.


Sentei na dura cadeira preta e peguei o telefone, sorrindo quando vi que Jessica estava do outro lado do vidro. Toquei aquela superfície gelada e Jessica fez o mesmo, como se pudéssemos dar as mãos.


–Que saudades!


–Eu também sinto muitas saudades, Taengoo–Jessica abaixou a mão e o sorriso desapareceu de sua face– me pergunto quando é que você voltara para nós.


–Meu advogado está fazendo um grande progresso–Dei de ombros–pelo menos assim eu tenho mais tempo para escrever aquela carta para Tiffany. Como ela está?


Jessica respirou fundo algumas vezes, abaixou o olhar e seu sorriso foi desaparecendo lentamente de sua face. Senti um aperto no meu peito e imaginei o pior, comecei a cogitar a possibilidade da minha troca não ter funcionado, no entanto eu não havia sonhado novamente com ela.


–TaeYeon-sshi... –Ela continuo a encarar o nada e seus olhos ficaram úmidos–Já faz um tempo desde que... –Ela fechou os olhos e as lágrimas escorreram rapidamente por seu rosto,ela abriu um pouco a boca e como um sopro disse:–Tiffany irá se casar esse mês.



Eu ainda estava me acostumando com a sensação quente do sol batendo em minha pele, o céu azul era extremamente belo, porem no horizonte as primeiras nuvens negras se aproximavam, como se estivessem dançando lentamente, mudando de forma.


A liberdade era maravilhosa, eu apenas me perguntava por que nunca tinha reparado nisso antes.


Parei ao lado de um poste e observei ao longe aquela linda mulher se agachar para falar com a filha. Um homem, que eu não reconhecera, se aproximou dela, tocando delicadamente em suas costas, ela levantou e lhe deu o sorriso que eu tanto amava e tocou levemente seus lábios nos lábios dele, aquilo fez doer meu peito, no entanto uma pequena parte de mim estava feliz por vê-la feliz.


A chuva caiu com violência, fazendo a família se recolher para dentro de casa e novamente eu me senti sozinha. Aquela tempestade representava toda a tristeza acumulada por anos, tudo iria acabar quando o sol saísse novamente.


Quando eu soube, Fany-ah, quando eu soube que você iria se casar eu entrei em pânico e fiquei cinquenta dias sem escrever essa carta, porem eu refleti durante esses dias e tomei a decisão de que você merecia saber de tudo, eu precisava que você soubesse.


Após cumprir toda minha pena eu precisava te ver pela ultima vez, precisava saber que você estava verdadeiramente feliz e agora eu sei.


Hoje eu sonhei pela sexta vez com a minha irmã, HaYeon, eu não posso deixar que ela morra, portanto irei impedir a morte dela do mesmo jeito que eu impedi a sua morte, fazendo uma troca de sangue.


Se você está lendo isso significa que eu já parti, apenas saiba que eu sempre te amei, desde a minha infância até os meus últimos segundos de vida. Apenas me perdoe, seja feliz sem mim e, por favor, não me apague de suas memórias.


Eu te amo, Hwang Stephanie.



Tiffany estava sentada na mesa da sala de estar, sua pequena filha brincava de lego, enquanto ela guardava vários papéis dentro de um envelope.


Ela olhou para cima e não conseguiu conter as lágrimas, Tiffany nunca chorara na presença da filha, porem agora uma imensa angustia despedaçava o seu peito, seu coração.


































Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Visite nosso perfil para ler outras oneshots deste Challenge!
Obrigada pela leitura!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "My Rain" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.