Enternecer escrita por Carloscrc


Capítulo 1
Capítulo 1




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“Quando a Tempestade passar eu lhe acolherei em minhas asas.”

KAEL

Prólogo

A neblina tomava toda a sombria floresta enquanto Sofia tropeçava desesperadamente entre as árvores, ela não se lembrava há quanto tempo caminhava, só havia algo que ela sabia que precisava fazer. Salvar o filho que estava prestes a nascer.

No início da noite Sofia fora acordada as pressas por sua governanta Isadora.

Ela dizia nervosamente que Sofia precisava fugir, pois a vida de seu filho estava em perigo, alguém estava disposto a impedir que o bebê nascesse.

            Sofia se levantou e sem pensar em mais nada saiu correndo pela porta dos fundos para dentro da floresta.

            A lua estava cheia e a luz do luar iluminava o caminho entre as árvores favorecendo a visão de Sofia. Ela estava a poucos metros de sua casa quando ouviu o som de tiros. Isadora havia sido morta.

            Vozes de vários homens ordenaram para que procurassem por toda a floresta e não permitissem que a criança nascesse. Sofia sabia que não teria forças para correr então se escondeu embaixo de um grande tronco podre para esperar que os homens se distanciassem. Assim que ela percebeu que eles estavam longe, Sofia saiu tropeçando para o desconhecido, não sabia para onde ir, só tinha em mente que de alguma forma precisava salvar seu filho.

A dor excruciante tomava todo o corpo de Sofia enquanto ela andava, sua visão estava embaraçada, era o seu nono mês de gestação, e ela sabia que todo o esforço feito durante a fuga iria induzir ao parto. Mas ela precisava ser forte, ela precisava correr para o mais longe que conseguisse, ela tinha certeza que sua vida iria chegar ao fim nessa madrugada, mas isso não importava, a vida que estava em seu útero era importante demais para ser perdida.

Ela não aguentava mais de dor e caiu de joelhos se apoiando em uma árvore, quando percebeu a sua bolsa havia estourado. O bebê estava nascendo.

A dor era insuportável, mas ela não podia gritar para não atrair os assassinos.  Pegou um graveto e pressionou entre seus dentes para sufocar os gritos. Não sabia quanto tempo se passou, já não havia mais lágrimas para derramar.

 Depois do que pareceu ser uma eternidade Sofia ouviu o choro do bebê, ela acolheu a criança protetoramente em seus braços. A alegria de ver seu filho foi imensurável. Ali não importava mais nada, não importava o que acontecesse a seguir, o bebê era tudo para Sofia e ela iria fazer o que fosse preciso para protegê-lo.

O som do de um graveto quebrando atraiu a atenção de Sofia, alguém estava se aproximando, ela embolou seu filho que chorava em seus braços como uma leoa, ela iria lutar até a morte. Então a luz da Lua iluminou o rosto de uma senhora.

“Graças a Deus você conseguiu! Achei que não te acharia a tempo.” – Disse ela.

“Quem é você? Não toque em meu filho.” - A voz de Sofia mal saía.

“Eu vim para ajudar, por favor, me entregue à criança. Eles estão vindo.” – Sofia sabia que o choro do bebê havia atraído os perseguidores.

“Por favor. Salve o meu filho.” – Foi à única palavra que ela conseguiu sussurrar.  Era sua última esperança, de alguma forma seu coração dizia que a mulher era de confiança. Sofia precisava se apegar a última esperança de salvar seu filho.

A senhora tomou o bebê carinhosamente e imediatamente o pequeno parou de chorar. Havia algo mágico naquela mulher.

            Sofia deu um ultimo beijo no rosto da criança e sussurrou.

“Dê o nome a ele de Diego.”

“É um lindo nome.”- Disse a senhora serenamente.

Elas ouviram o som de passos, e ao longe se podia ver a luz de tochas se aproximando.

“Vá!”. – Sofia disse.

“Eu prometo que ele ficará bem.” – Disse a mulher e em seguida sumiu entre a mata.

Três homens chegaram até onde Sofia estava.

Um homem de meia idade com olhos cinzentos olhou para ela com uma expressão de nojo.

“A maldita traidora conseguiu dar a luz. Onde está o bebê?”

Sofia não respondeu.

O homem se aproximou e puxou os cabelos dela com violência.

“Responda cadela.”

Sofia segurou o grito de dor. Ela não iria se entregar. Iria morrer nobremente.

“Você sabe o que você fez? Você condenou toda a nossa linhagem dando a luz a essa criança. Para o bem de todos, ela precisa ser morta.”

“Vá para o inferno.” – Foram as ultimas palavras de Sofia.

O homem puxou do seu cinto uma arma. E antes de puxar o gatilho sussurrou.

“Não importa quanto tempo leve. Nós iremos achar a criança e iremos matá-la.”

Então puxou o gatilho.

Duas horas depois. A senhora depositou a criança num cesto junto com um pacote contendo um bilhete e um objeto e o colocou na porta de uma humilde de casa. Tocou a campainha e sussurrou para o bebê.

- Fique bem criança. Daqui uns anos nos encontraremos de novo.

Antes que a porta abrisse a mulher sumiu para noite.

Capítulo 1

 A porcaria do despertador não tinha tocado e eu estava me esbarrando em todas as pessoas que viam em minha direção.

Era meu primeiro dia de aula em Unya, devia ser a enésima cidade para onde eu havia me mudado com meu pai. Juro que perdi as contas. Ele trabalhava como regional de vendas, e constantemente precisava viajar, quando o emprego em que ele era escalado ficava numa cidade muito longe, ele decidia que era melhor se mudar para não me deixar muito tempo sozinho. Nunca ficamos mais do que um ano em uma única cidade

Unya era uma pequena cidade litorânea, localizada na encosta de uma grande serra no Rio Grande do Sul, chegamos há três dias e já ficou claro que o sol seria algo raro por aqui. Era início de setembro e o vento frio batia em meu rosto enquanto eu corria deixando minha face endurecida. Já estava quase uma hora atrasado quando cheguei à escola Robert de Sorbón para onde eu havia sido transferido.

Era uma escola de construção antiga que lembrava mais uma igreja, em frente havia um grande salgueiro onde um grupo de alunos que mataram aula estavam fumando maconha. Eu passei por eles e recebi várias encaradas. Com certeza eles sabiam que eu era novo por aqui.

Ignorando os olhares me dirigi para dentro da escola. Ela tinha uma decoração barroca, o piso e o teto eram todo de madeira, o cheiro de cera me deixou enjoado. Eu puxei o meu documento de matrícula da minha mochila para ver o número da sala onde eu iria estudar.

Sala 143. 3° B.

Informei-me na secretaria a localização da sala e me dirigi ao 2° andar.

 A grande porta de madeira estava fechada. Com um frio na barriga e com medo do que eu iria encontrar bati três vezes na porta. Uma mulher com cara de cachorro atendeu.

“Olá eu sou Diego, hoje é o meu primeiro dia.” – Disse timidamente.

“Acho que você tem que rever o seu conceito de horário garoto.” – Disse a mulher.

Ela segurou o meu braço e me puxou para dentro. A sala toda me encarou com apatia para ver quem era o infeliz que havia interrompido a aula.

“Esse é Diego, o nosso novo colega de classe que chegou para dar o ar da graça no meio da aula. Digam oi.”

Ninguém abriu a boca.

Vaca! Não seria mais simples mandar eu me sentar e continuar a aula? Com certeza ela fez isso como vingança por eu ter interrompido a aula.

Observei o quadro negro e me deparei com várias fórmulas de Física.

Ótimo! O dia não podia ter começado pior.

Depois da humilhação inicial me dirigi para a penúltima carteira na fileira do meio. Todos me ignoraram.

A professora continuou a explicar as formulas que nem com uma década eu conseguiria entender.

Fingi que estava prestando atenção.

Senti uma cutucada em minhas costas.

“Gostei da sua roupa”. – Uma voz feminina disse.

“Obrigado!” – Respondi.

Eu estava usando uma camiseta da banda Ramones, calças jeans rasgadas e All-Star.

Eu não era revoltado nem nada do tipo, mas simplesmente gostava de me vestir assim. Meu cabelo sempre estava bagunçado, pois eu morria de preguiça de arrumar.

“Eu sou Ana. Qual é o seu nome?” – Perguntou ela.

“Diego, prazer.”

Estava aliviado, pois pela recepção que tive na sala de aula eu achava que iria passar o dia sem conseguir falar com ninguém.

“Faz tempo que você se mudou para Unya? Nunca te vi por essas bandas?”

“Estou por aqui há três dias.”

“Se quiser eu posso te mostrar a cidade à tarde. Topa?”

“Claro”

“CALEM A BOCA!” – Berrou a professora.

Ana me passou um bilhete.

“A professora Mag é uma velha azeda, melhor nos comunicarmos assim.”

Estava rabiscando uma resposta quando alguém bateu na porta.

Mag foi reclamando para atender e conversou com alguém. Em seguida ela veio anunciar para a sala.

- Acabo de saber que teremos mais uma colega de classe. Digam oi a Serena.

Diferente de mim a sala toda parou para observar a nova aluna entrar na sala de aula.

Ela tinha uma beleza fora do comum. Seus cabelos dourados caiam pela cintura. Sua pele era extremamente pálida e seus olhos eram de uns azuis tão penetrantes como nunca vi. Ela por um momento parou seu olhar sobre mim e esboçou um sorriso.

Eu fiquei sem reação.

Em seguida ela se dirigiu para uma cadeira na ultima fileira à esquerda na sala.

“A garota arrasou!” – Murmurou Ana.

A professora Mag retomou a insuportável explicação das formulas de física.

 A mulher estava falando grego.

Cinco minutos depois houve mais uma batida na porta.

“Mas que diabos!” – Reclamou a professora Mag indo atender a porta.

Em seguida ela veio mais uma vez anunciar para a sala.

“Parece que todo mundo resolveu se transferir para a nossa escola hoje. Deem boas vindas a mais um aluno. Erick.”

Ana abafou um grito quando o rapaz entrou.

As garotas observaram o garoto com cobiça e os meninos com inveja.

Erick também possuía uma beleza fora do comum. Tinha quase um metro e noventa de altura, sua pele era pálida, olhos escuros como as trevas. Seu cabelo era negro e estava jogado sobre o seu rosto. Usava uma jaqueta negra, calça jeans justa e camiseta colada. Depois do choque da sala ele se dirigiu com cara mal humorada para o lado oposto onde Serena havia sentado.

“Não sei o que está acontecendo hoje. Mas eu estou amando.” – Disse Ana.

A aula de Física se arrastou até às dez da manhã. E quando finalmente o sinal tocou a turma se embolou como se tivessem se libertado da escravidão no subsolo correndo desesperadamente para ver a luz do sol.

O vento continuava ainda mais forte no pátio da escola. Saindo do prédio notei que o grupo que estava fumando embaixo do salgueiro estavam jogados pela calçada. Provavelmente dopados.

“O refeitório é por ali. Vamos”. – Disse Ana apontando para um bloco nos fundos da escola.

“Menino. O que você achou dos novos alunos? Eu nunca vi algo assim em toda a minha vida. Onde será que eles moram? Estou realmente disposta a descobrir.” – Continuou ela.

“Eu não sei, mas eu percebi algo estranho neles. Senti que a garota ficou me olhando. Deve ter se assustado com o meu cabelo.” – Eu disse.

“Ela realmente parece uma modelo internacional. Mas estou mais curiosa sobre o Erick, está entrando em meus planos fazer uma investigação detalhada sobre a vida dele durante essa semana.”

Quando chegamos ao refeitório, o lugar estava completamente tumultuado, os alunos haviam se abrigado ali, para fugir do vento, pois metade deles não estava comendo nada.

Eu e Ana nos dirigimos à fila para pegar comida quando uma garota veio desfilando para perto de nós.

“Olá perdedora!” – Disse a garota para Ana.

“Eu realmente gostaria de saber o que se passa pela droga da sua cabeça para dedicar o seu tempo me atormentando.” – Respondeu Ana.

“Diversão. Mas não é por isso que eu vim falar com você. Eu vou dar uma festa no próximo final de semana. E você sabe que as minhas festas são as únicas que valem a pena nessa cidade. Eu até te convidaria, mas como você não tem namorado. Sinto muito. Mas só é possível entrar acompanhada.” – A garota disse com um sorriso maldoso e em seguida saiu rebolando sem ao menos olhar pra mim. Eu realmente devia ser invisível nessa escola.

“Anoréxica Maldita.” – Murmurou Ana.

“Quem era?” – Perguntei enquanto pegávamos nosso lanche, onde havia um purê de batata, salada, iogurte e uma maçã. Dirigimo-nos a uma das poucas mesas ainda livres.

“O nome dela é Jeniffer. Algo mais próximo que tenho como uma arqui-inimiga. Ela me meio que me persegue desde... Sempre.”

Jeniffer tinha o típico perfil de uma garota mimada. Usava roupas coladas. Corpo extremamente magro e a cara entupida de maquiagem.

“E você ao menos sabe o motivo de tudo isso?”

“Quando estávamos no fundamental, ela era mais cheinha e eu meio que a perseguia colocando alguns apelidos nela. Eu não sou flor que se cheire. Aí depois de alguns anos eu comecei a namorar o cara que ela gostava desde o fundamental. O Marcos. E isso foi meio que o motivo decisivo para ela decidir fazer da minha vida um inferno. Só que de uma hora para outra ela se tornou magra e popular. E ela meio que... tomou meu namorado e faz questão de jogar isso na minha cara diariamente.”

“Caramba. Mas esse Marcos devia ser um canalha pra simplesmente te trocar.”

“Eu o traí.”

“A sim...”

“É sério. Eu realmente não gostava dele, ele sempre foi meio que possessivo, eu era nova, nunca tinha beijado outro cara, num belo dia houve um Lual. Eu estava tão bêbada e me deparei um cara que achava bonitinho. Sem pensar eu me joguei como uma macaca em cima dele, esquecendo que o Marcos estava atrás de mim. Logo depois do meu ato insano o cara que eu tinha beijado estava estirado no chão com a cara amassada e eu estava sendo arrastada aos gritos para fora da festa.”

Eu não sabia o que dizer devido aos fatos.

Ana parou de falar junto com todo o refeitório quando Serena entrou. Ela dava passos graciosos enquanto se dirigia até o balcão para pegar o lanche.

“Como será que faz para ficar como ela?” – Murmurou Ana com inveja.

Serena se dirigiu para uma mesa vazia nos fundos sob os olhares de todo o refeitório.

Ana colocou o queixo que estava caído no lugar para continuar falando mal de Jennifer quando o queixo caiu de novo com a entrada de Erick.

Mais uma vez o refeitório caiu em silêncio.

Diferente de Serena, Erick não foi pegar o lanche. Dirigiu-se para uma mesa afastada. Sem olhar pra ninguém. E começou a ler um livro.

“Acho que eu estou apaixonada.” – Sussurrou Ana.

“DIEGO” – Disse Ana me fazendo dar um pulo da cadeira.

“Essa visão do paraíso me deu uma ideia. Uma grande ideia. A vaca disse que eu não poderia ir à festa por eu não estar acompanhada certo?”

“Certo.” – Concordei.

“Pois a solução está na minha frente. Você vai comigo.”

Eu apenas a observei incrédulo

“Mas eu nem fui convidado. Ela sequer olhou pra mim.”

“Dane-se. Nem todo mundo que vai às festas da Jennifer são convidados. Então topa? Não aceito não como resposta.”

“OK.”

Ana bateu palminhas em felicidade.

O sinal tocou e nos dirigimos de volta à sala de aula.

As próximas duas horas se arrastaram com uma aula de História sobre Esparta e Atenas, O professor falava com fúria e empolgação comparando as duas políticas dizendo o quanto o modo de educação militar em Esparta era empolgante.

Estava quase caindo em sono no meu caderno quando finalmente o sinal tocou.

“Encontre-me hoje as três na praça principal. Faremos um tour pela cidade e te apresentarei uns amigos.” – Disse Ana.

Eu concordei.

Estava realmente feliz por ter feito uma amiga. Porém, eu desenvolvi uma regra sobre mim durante a minha vida. Essa regra era não me apegar a ninguém. Pois era realmente chato você se integrar em um grupo, se sentir finalmente encaixado em algum lugar, e logo em seguida ser obrigado a dizer adeus.

Ana parecia ser muito bacana. Mas eu sabia que nossa amizade acabaria em no máximo um ano, quando meu pai chegaria anunciando a nossa próxima mudança.

Estava tomando o caminho de casa. Afastando-me da escola quando alguém segurou meu braço.

Eu me virei e me assustei com quem eu vi.

Erick.

Ele me encarava profundamente.

“Você não deve ir à festa.”

Foram as únicas palavras dele. Em seguida ele se virou e foi embora.

Eu chamei por ele, mas ele não se virou.

Como assim?

Como alguém que eu mal conhecia aparece do nada me dizendo para não ir a determinado lugar?

E como ele sabia que eu havia planejado ir à festa.

Será que Ana falou tão alto assim?

Se ele estava tentando me assustar ele tinha caído do cavalo. Eu não iria deixar de sair por causa de alguém que eu sequer conhecia.

Eu prossegui meu caminho de casa.

Quando virei para atravessar a rua dei mais uma olhada e vi Erick ao longe me encarando.

Capítulo 2

A caminhada da escola até a minha casa levava trinta exatos minutos. Estávamos morando numa vila isolada chamada Vila dos Eucaliptos, pois ficava na frente de uma floresta de eucaliptos, era uma casa branca feita de madeira, tinha dois andares. O lugar era numa região alta e dava para ter uma boa visão de toda a cidade e da praia que ficava ao lado.

As duas únicas casas vizinhas estavam desocupadas. Do lado direito havia uma casa que deveria estar abandonada há muito tempo, pois estava coberta de musgo, o mato crescia por todo o lado e os portões estavam enferrujados.  A casa do lado esquerdo estava mais conservada. Mas a sensação que dava era de que ambas eram assombradas.

Meu pai havia alugado a casa nessa vila isolada pelo baixo preço, pois ele não ganhava muito bem em seu trabalho, e se morássemos numa casa com melhor localização deveríamos cortar algumas despesas como a internet, e internet era algo que eu não poderia viver sem. Então concordei de boa vontade em morar no fim do mundo.

Quando entrei fui tomado pelo delicioso cheiro de lasanha, para meu pai ter cozinhado lasanha ele deveria estar animado com alguma coisa.

Joguei minha mochila no sofá e fui para cozinha. Meu pai tinha quase cinquenta anos, mas pela sua aparência as pessoas davam muito menos, tinha todo o cabelo castanho, e quase não havia sinais de rugas em seu rosto. Ele estava usando um avental e tirando a comida do forno.

“Oi!” – Cumprimentei.

Ele deu um grande sorriso quando me viu, nos dávamos muito bem, apesar de não passar muito tempo com ele, éramos tudo um para o outro, pois devido às mudanças de cidade, não tínhamos conhecidos próximos, pois acabávamos perdendo contato com todas as pessoas que conhecíamos. O único amigo que eu ainda matinha contato pelo Facebook era o Joly, que conheci há dois anos em Curitiba.

Meu pai se chamava Lorenzo e posso dizer que durante toda a minha vida e ele fez o papel de pai e mãe com maestria. Eu não tenho nenhuma lembrança da minha mãe, pois meu pai nunca tocara em algum assunto referente a ela. A única coisa que eu sabia é que eu nasci prematuramente e ela morreu no parto, não havia fotos e nenhuma lembrança referente a ela em nossa casa. Cheguei à conclusão que para meu pai era muito doloroso lidar com lembranças referentes à minha mãe, então ele a guardou em algum lugar oculto em seu coração para conseguir seguir com a vida. A última vez que toquei em um assunto referente a ela ele teve uma reação furiosa e me fez prometer que pararia de insistir, ele só disse que ela havia sido uma grande mulher, a melhor que ele já a conheceu, e para conviver com o fato dela não existir mais. Eu acabei me conformando com o fato de que na minha vida só havia eu e meu pai. E minha mãe estava viva em algum lugar do passado.

Eu nunca cheguei a sentir falta dela, pois acho que não é possível sentir falta de algo que você nunca teve. Mas não nego que sinto muito curiosidade para saber mais sobre quem ela foi.

“Como foi o seu primeiro dia de aula?” – Ele perguntou.

“Sobrevivi, tinha uma garota legal que se ofereceu para me apresentar a cidade hoje à tarde.”

Eu não iria mencionar que um cara que parece que tinha saído de um filme de terror me abordou me avisando para não ir a uma festa.

“Chego em casa me deparando com uma lasanha. Qual é a boa nova?” – Perguntei.

“O emprego realmente deu certo, acho que poderemos ficar aqui por um bom tempo, eu realmente gostei da cidade.”

“Mas a má noticia é que eu deverei viajar quase todos os finais de semana. Então você deverá sobreviver sem mim.” – Continuou ele.

Eu já estava acostumado a ficar sozinho.

Após comer eu subi para o meu quarto, dei uma olhada na minha tarefa de física, mas não entendi coisa alguma.

Liguei o computador e digitei no Google.

“Como resolver exercícios de termologia?”

As respostas que tive só me deixaram mais confuso.

Resolvi deixar os exercícios de lado. Daria um jeito de copiar os exercícios de alguém.

Fui até a janela e percebi que eu tinha uma boa visão da casa abandonada. O lugar parecia o cenário de um filme de terror. Com calafrios fechei a cortina e deitei para esperar dar o horário para me encontrar com Ana.

Quando desci meu pai já havia ido trabalhar. O vento havia parado, e estava mais quente, mesmo sem dar pra ver o sol devido a grande quantidade de nuvens. Comecei a caminhar em direção a praça principal. Unya era uma cidade que tinha a maior parte das casas com arquitetura que lembrava o período colonial Deveria ser uma cidade muito antiga.

A caminhada até a praça principal demorou uma hora, Ana estava sentada em um banco tomando uma raspadinha. Eu percebi que ela era muito bonita, tinha as pernas longas e a pele clara, seus cabelos eram negros e encaracolados. Quando ela me viu veio saltitando em minha direção.

“Estou tão empolgada, pensei em mil e uma maneiras de alfinetar a Jennifer nessa festa, acho que vou colocar laxante na bebida dela.”

“Você realmente leva isso a sério.” – Respondi.

“Lógico eu não vou ficar recebendo insultos e ficar quieta, mas deixa isso pra lá por hora, vamos fazer um tour, preciso comprar umas coisas, e depois vamos até A cabana.”

“O que é isso?”

“É o nosso point, uma espécie de sebo onde vendemos produtos musicais, CDs, revistas, instrumentos... O pessoal mais cool frequenta o lugar. É divertido.”

O nosso passeio por Unya durou uma hora. Ana comprou uma calça nova para usar na festa. E ela me mostrou a maioria dos lugares importantes da pequena cidade. O mercado municipal, o museu, a biblioteca... Apesar de pequena. Unya era realmente um lugar agradável. Era aconchegante e eu realmente gostava do clima frio.

Depois do tour nos dirigimos para o sul da cidade em direção da Cabana. O lugar era uma garagem que ficava em frente à praia. Na frente havia uma vitrine, com vários discos de vinil, camisetas de banda, acessórios e instrumentos.

Ana entrou gritando pelo nome Guilmor.

Um cara com um moicano saiu do fundo da loja e jogou uma pilha de discos no colo de Ana.

“Ajude-me a arrumar isso antes que eu seja demitido”- Disse ele.

“Você fica vagabundeando o dia todo e depois joga o perrengue pra cima de mim? ” – Protestou ela.

“Como se fosse só eu. O Izaac estará aqui ao anoitecer e ordenou que a loja estivesse em ordem.”

“O Izaac é o dono daqui. Ele realmente gosta de ameaçar os empregados, mas no fundo ele é um doce.” – Disse Ana.

“Ow, esse é meu novo amigo. Diego.”- Continuou.

Guilmor deu um sorriso e me cumprimentou.

“Seja bem vindo A Cabana. O lugar mais aconchegante de Unya.”

Em seguida nos dirigimos ao fundo da loja.

Ele não brincou quando se referiu ao lugar como aconchegante. Estava tocando uma musica dos anos 80, o lugar era todo decorado com pôsteres, e objetos curiosos como miniaturas de famosos e algumas esculturas. Havia uma lareira acesa onde o reflexo do fogo bruxuleava pela parede, cindo sofás com cores berrantes estavam distribuídos pelo cômodo. Um rapaz de cabelo longo tocava violão. E havia mais duas pessoas sentadas ao redor dele.

Uma garota de cabelo rosa, e um cara obeso com o cabelo arrepiado.

Quando me viram todos vieram me cumprimentar.

“Essa é a Andressa, mas todos a chamam de Pucca, e esse é o Guiliam, irmão do Guilmor.” Disse apontando para o cara que estava tocando violão. “Ele é gay e extremamente sentimental, então a menos que você queira um encosto em seus pés não dê bola pra ele.”

Guiliam mostrou o dedo do meio para Ana e ela respondeu com um gesto obsceno.

“E por ultimo essa bola de gordura é o Marlon, ele é viciado em tecnologia, então se algum dia o seu computador quebrar obrigue ele a concertar de graça, tenho certeza que ele ficará muito feliz em fazer o serviço.”

Ana recebeu mais um dedo do meio.

Depois de sermos apresentados nos sentamos e me oferecem coca, enquanto a tomava, todos falavam sobre alguns acontecimentos populares na cidade. E citavam alguns nomes de pessoas que eu não fazia ideia de quem eram.

Quando de repente direcionaram o foco da conversa para mim.

“Diz aí. Da onde você é?”-Perguntou Guilmor.

“Eu nasci em uma cidade litorânea chamada Morretes. Mas não me lembro de nada sobre ela. Já que fiquei por lá só nos primeiros meses da minha vida. Minha mãe morreu no parto então sou só eu e meu pai. Passamos a vida toda mudando de cidade em cidade. Essa deve ser a octogésima. Se tudo der certo. Vamos ficar por aqui.”

“Você vai ficar sim, pois gostei de você e te quero como meu amigo sacou?” – Disse Ana.

A conversa se estendeu e quando me dei conta já eram quase seis horas da tarde. O dia passou extremamente rápido. E foi muito agradável.

“Nossa eu preciso ir” – Eu disse.

“A não fica mais um pouco.”- Insistiu Ana.

“Sinto muito, mas não avisei meu pai que eu chegaria tarde. Ele nunca anda com celular, então não quero deixa-lo preocupado.”

“Tudo bem” – Respondeu ela.

Despedi-me de todos e peguei o caminho de casa.

Eu estava realmente feliz pelo dia que eu tive. Não foi todo o completo desastre que eu imaginei que seria. Geralmente eu ficava uma semana sem fazer amizades nas cidades que chegava. E não era legal passar o dia sozinho em casa enquanto meu pai trabalhava. Hoje foi o contrário, parecia que eu já estava encaixado em um grupo de pessoas, e me sentia bem por isso.

A noite já havia chegado. A cidade ficou toda iluminada pelos postes de luz. Eu apressei meus passos com a esperança de chegar a minha casa antes do meu pai.

Decidi pegar um ônibus para chegar mais rápido. Quando cheguei à minha vila fiquei aliviado ao ver que o carro ainda não estava na garagem. Continuei caminhando quando vi algo curioso.

Havia caixas de papelão em frente à casa abandonada.

Três gatos estavam perambulando pelo quintal. Eu me aproximei para ver o que tinha nas caixas. Dei um pequeno chute e percebi que elas estavam vazias.

Meu pai já havia desempacotado praticamente toda a mudança, então aquelas caixas não poderiam ser nossas.

Aproximei-me mais da casa e observei para o quintal. Na parte da frente havia uma janela com o vidro embaçado. Foi quando eu senti o meu coração gelar. Havia alguém me olhando por trás do vidro.

Sufoquei o grito.

Quando observei de novo percebi que não havia mais ninguém ali.

Corri para dentro da minha casa e tranquei a porta para esperar o meu pai chegar.

Peguei o telefone para ligar para a polícia caso a pessoa que estivesse por detrás do vidro fosse um ladrão que estava planejando nos assaltar.

Subi para o meu quarto e verifiquei se as janelas estavam trancadas. Observando para o quintal da casa vizinha, não percebi nada diferente.

Exceto que as caixas haviam sumido.

Fechei a cortina e deitei na minha cama segurando o telefone.

Depois de quase uma hora eu ouvi o som do motor do carro do meu pai se aproximar, eu suspirei de alivio e desci para abrir a porta.

“Olá!”- Disse ele entrando segurando um saco de compras.

“Desculpe a demora, mas resolvi comprar alguns mantimentos você passar a semana.”

Ele depositou as compras na mesa e continuou.

“Tenho uma noticia que talvez você não goste muito.”

Eu esperei a bomba.

“Eu vou precisar viajar essa noite, para resolver alguns negócios da distribuidora. Haverá algumas reuniões e eu precisarei ficar uma semana fora.”

Ótimo eu iria ficar sozinho nessa casa correndo o risco de ser assassinado pelo possível psicopata que estava escondido na casa ao lado.

“Tudo bem!” – Foi o que eu disse.

“Certeza?” – Perguntou meu pai.

“Sim!”

É lógico que não estava.

Mas eu sabia o quanto meu pai precisava trabalhar. E eu não queria soar como o moleque medroso que tinha medo de ficar sozinho. Sei que seu eu pedisse para ele ficar ele não pensaria duas vezes. Mas eu já tinha dezesseis anos, e precisava me portar como um adulto. Além disso, eu não pude ver se o que estava atrás da janela era realmente uma pessoa. Eu poderia ter me confundido com o meu próprio reflexo. Era melhor eu esquecer isso.

Ajudei meu pai a fazer a janta, e fiz as malas para ele. Quando o relógio chegou às dez da noite, ele se despediu com um abraço.

“Tome cuidado ok? Se precisar de qualquer coisa ligue, prometo que estarei com o celular por perto o tempo todo. Você é o meu garoto.”

Ele deu um beijo em minha testa e se dirigiu para o carro. Acenando para ele eu vi o carro sumir para a noite.

Eu dei mais uma olhada para a casa abandonada.

Um dos gatos me olhava com os olhos brilhando.

Entrei e tranquei a porta. Subi para o quarto, pois queria que e a minha primeira noite sozinho terminasse logo.

 Eu tinha um taco de beisebol que havia ganhado meu pai.

Por precaução eu o deixei posicionado ao lado da cama. Adormeci logo que coloquei minha cabeça no travesseiro

Estava chovendo arduamente na manhã seguinte, coloquei uma capa de chuva e fui para a escola. Tivemos aula de Português. Ana não devia ter dormido direito, pois eu conseguia ouvir os pequenos roncos que ela dava atrás de mim. Seu cabelo estava todo bagunçado, e sua face era de profundo cansaço.

Nem Erick e nem Serena compareceram a aula.

A manhã passou lentamente e quando o sinal finalmente tocou fui para casa. A chuva havia se transformado em garoa.

Quando estava me aproximando do portão de casa. Não pude deixar de observar para dentro da casa abandonada. Os gatos estavam dormindo no quintal da frente.

 Olhando para a janela não vi mais nenhum reflexo.

Estava me preparando para entrar na minha casa quando para o meu horror percebi que estava fazendo algo insano.

Comecei a me dirigir para o portão da casa abandonada e quando percebi estava puxando o trinco do portão.

Ele fez um grande barulho de metal enferrujado enquanto eu o abria.

Eu só podia ter pirado. Mas a curiosidade para saber o que havia dentro daquela casa tomou conta de mim. Eu entrei lentamente no quintal. Os gatos me observaram.

Havia um muro com um portão semiaberto que levava para o quintal dos fundos. A porta da frente da casa estava trancada.

Dirigi-me para o portão e espiei para ver o que havia por detrás dele.

Um grande quintal com várias árvores se levava para os fundos. Havia uma grande janela que daria para observar o que existia dentro da casa.

Estava morrendo de medo de me deparar com a pessoa que havia visto ou pensado ter visto na noite passada. Mas mesmo assim passei pelo portão e me dirigi para a grande janela.

Limpei a camada de pó e pressionei meus olhos no vidro para conseguir enxergar o que havia por dentro.

Um grande lustre estava pendurado sobre uma mesa de madeira redonda, dava para ver um corredor que levava para outro cômodo e um grande armário de madeira.

“Posso ajudar?”

Meu coração quase saiu pela boca.

Lentamente eu me virei para ver o que me aguardava.

Uma senhora estava parada logo a minha frente me fitando. Ela usava um grande chapéu de palha e segurava uma tesoura de jardinagem. Ela poderia me degolar facilmente com o instrumento.

Com as palavras mal saindo eu respondi.

“Por favor, me desculpe, eu não sabia que alguém morava aqui, eu só queria dar uma olhada para ver o que tinha dentro desse terreno, sinto muito incomodar, já estou de saída.”

“Espere!”- Ela me interrompeu enquanto eu começava a caminhar em direção ao portão.

Eu parei olhado para ela com o medo expresso em meus olhos.

“Você mora na casa ao lado não é?” - Perguntou ela.

“Sim”- Respondi

“E qual é o seu nome?”

“Diego”

Um grande sorriso se formou no rosto da senhora.

“Que grande prazer lhe conhecer. Meu nome é Maria, mas pode me chamar de Tanana. Eu e minhas netas nos mudamos ontem para cá, queríamos a casa que ficava do lado esquerdo da sua. Mas ela tinha acabado de ser alugada. Então resolvemos ficar com essa. O estado dela não está muito bom, mas estamos trabalhando para deixa-la muito bonita.”

Quer dizer então que as duas casas que até então estavam abandonadas agora estavam ocupas?

Quem poderia ser meu outro vizinho?

“É um grande prazer lhe ter como vizinha Tanana.”- Respondi.

“Hoje realmente está tudo uma bagunça, minhas netas foram à cidade comprar as tintas e ferramentas para a reforma, depois que tudo estiver pronto seria um grande prazer lhe receber para tomar um chá.”

O sorriso na face dela era radiante.

“Eu adoraria.” – Respondi.

Eu realmente não sabia o que falar.

“Foi um grande prazer lhe conhecer, mas agora eu realmente preciso ir.”- Eu disse.

“Tudo bem. Mas, por favor. Volte para me visitar.” – Disse ela.

Eu dei um sorriso e me dirigi para a saída.

Estava aliviado.

Pelo menos não tinha um psicopata se escondendo ao lado da minha casa.

Quando passei pelo portão vi que alguém estava em frente da outra casa vizinha me observando.

E eu descobri quem era meu outro vizinho.

Erick.




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Notas finais do capítulo

O Livro está pronto, postarei mais capítulos nos próximos dias.



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