Era a primeira vez que Priscilla Minson se sentia tão bem, parecia até um sonho para uma garota órfã cuja maior conquista na vida foi deixar as ruas para se tornar uma escrava. Uma governanta que ajudava a manter o edifício da Ordem da Rosa Branca organizado deu um banho na menina e colocou nela um pequeno vestido. Estava tão elegante que poderia se passar até mesmo por uma filha de nobre.
Seu passeio pela cidade com Ent, a quem tinha se apegado, já estava chegando ao final, conforme retornavam para o quartel general, mas havia sido muito bem aproveitado. Em particular, a refeição, que também foi algo inédito: a primeira vez que a futura Viper comera tanto de uma só vez. Mas agora a hora de tratar de questões sérias se aproximava, mais rápido do que esperavam.
Inferno, imponente e sereno desde aquela época, já os esperava diante do pilar erguido na frente do refúgio da Ordem. Ele avançou com passos lentos e sua aproximação levou Priscilla a se esconder atrás de Ent. O velho sentiu vontade de rir, mas era contido demais para isto. Lembrou que também tivera problemas para conversar com a menina quando a viu pela primeira vez, tendo de usar um pão como isca.
–Não precisa se preocupar, este é o homem de quem eu falei. Um rapaz bom e esforçado que um dia vai me substituir como líder da Ordem.
–Não diga exageros, Ent! – Fabius protestou, encabulado com o elogio, mas não pressionou o assunto. Ao invés disso se abaixou, mantendo uma distância respeitosa, para encarar a garota nos olhos. Não era exatamente especialista em lidar com crianças, mas seu tempo como sacerdote o ensinou que paciência e compaixão eram as chaves para conseguir o apreço de alguém.
–Está tudo bem, Priscilla, nós vamos cuidar de você. Mas mais importante que isso, você é uma garota muito especial, possui um grande poder dentro de si. Não vamos obrigá-la, mas eu realmente espero que você escolha se juntar a nós da Rosa Branca.
Cautelosamente, ela se colocou à frente e, com o olhar se tornado subitamente firme, disse sem sombra de hesitação.
–Pode contar comigo.
Enquanto os três retornavam devagar para o interior da base, o controlador das plantas passou um de seus braços sobre o ombro de Inferno e falou em tom risonho.
–Realmente você dará um ótimo líder, Fabius! Já está fazendo discursos melhores que os meus para convencer os novos membros!
–Que bobagem, não me comparo a você nem de longe!
–Você é que pensa, menino. – O velho riu.

Durante o ano que se seguiu, Priscilla se dedicou exclusivamente à Ordem, treinando com afinco para se tornar digna do uniforme e do título de verdadeira integrante da Rosa Branca. Boa parte de sua motivação estava calcada no fato de que amava o controlador das plantas como o pai que nunca tivera e desejava muito deixá-lo orgulhoso. Faltava pouco para o exame final, e ela imaginou que fosse discutir sobre seu desempenho, excelente por sinal, quando foi chamada para conversar com Ent, na época ainda líder, e Inferno na sala de reuniões.
Aos doze anos, Minson agora tinha diversas mechas verde esmeralda em seus cabelos castanhos e vestia um uniforme parecido com o da ordem, mas sem os tradicionais caules, como os dos manipuladores que já a esperavam sentados. Ela se acomodou rapidamente após cumprimentá-los com um olá.
–E então, já estão preparados para começar a me chamar de Viper? – Disse Priscilla, sorridente.
–Na verdade surgiu uma situação... bastante grave, e talvez você mude de ideia quando souber. – Comentou o velho, visivelmente entristecido. – Inferno, os resultados foram confirmados?
–Sim senhor, os sábios responsáveis me informaram hoje mais cedo. Não resta mais nenhuma dúvida. – Illumire também tinha uma expressão solene.
–Do que vocês estão falando? – Questionou a jovem, incapaz de conter uma súbita onda de nervosismo.
–Priscilla, nós descobrimos que os seus poderes elementais causam um efeito colateral nocivo em seu organismo. – Começou Ent, mantendo os olhos fixos nos de sua pupila. – O veneno que você controla está destruindo muito lentamente as suas células. Vai demorar até que começar a sentir alguma coisa, mas dificilmente você passará de vinte e cinco anos.
–Como assim? Eu... eu estou morrendo aos poucos? – Disse Minson, erguendo suas mãos e alternando seu olhar entre uma e outra.
–Acredito que este seja a melhor forma de descrever sua situação. – Completou o controlador das chamas negras.
Viper deixou escapar um longo suspiro enquanto baixava seus braços e mantinha os olhos fechados. Era injusto, quando pensava que finalmente havia encontrado sua felicidade ter de lidar com o fato de que seria algo fugaz.
–Você terá nosso apoio se quiser seguir um rumo diferente agora que sabe disso. – Apontou Ent.
–Não. – Priscilla abriu os olhos novamente e nenhum dos outros dois conseguiu ver traços de lamentação em sua face. – A Ordem é meu lar, vocês são a minha família. O meu lugar é aqui e pouco me importa se não vou viver para vê-los velhos e caducos.
Durante os anos que se passaram após, Viper nunca demonstrou arrependimento por sua escolha. Porém, ela mudou de forma irreversível, tornando-se uma pessoa impetuosa, sem qualquer preocupação com a própria segurança. Não apenas isto, desenvolveu uma curiosidade insaciável, como se quisesse compensar sua vida que se esvaía aos poucos experimentando tudo que o mundo tinha a oferecer.

Inconformada, a controladora dirigia um olhar furioso para sua adversária. Sentia-se ultrajada e sua ira apenas aumentou quando tirou a mão da ferida e viu pequenas manchas de sangue sobre a palma.
–O que você pensa que está fazendo, bruxa?! – Nisto ela se levantou e agarrou a gola do quimono de Erika com as duas mãos. – Por que não me matou?!
De fato, o corte no pescoço de Viper era apenas superficial, não havia sequer arranhado sua jugular ou outro ponto vital. Porém, para ela era um sinal de desrespeito, de que não era uma adversária digna de ser eliminada. Contudo, não era assim que a discípula de Anya pensava.
–Eu estava cheia de raiva pelo que os chesordianos fizeram comigo e com as bruxas deste reino, mas não consigo me irritar com você.
–Do que está falando?!
–Você já é uma mulher destruída, Viper. – Disse Secrett com serenidade enquanto lentamente sua inimiga desolada soltava suas vestes. – Alguém como você, que luta como se não tivesse nada a perder, realmente não tem nada. É uma pessoa vazia, que já está morta por dentro.
–Tanto faz. A vitória é sua, agora vá embora daqui!
A mente de Erika protestava, dizendo que era um erro deixar aquela inimiga viva, mas seu coração não era capaz. Ela até pensou em continuar ajudando na batalha, mas logo se deu conta de que o poder do veneno era implacável. Seu corpo havia aguentado até lá, mas conforme ela se afastava sentia que já não respondia aos estímulos. Inevitavelmente, a bruxa caiu.
Viper, por sua vez, desabou sobre os próprios joelhos e ficou lá parada, olhando o céu. Teve a impressão, por um momento, de ter visto algo cruzando o ar em asas reluzentes. Seu primeiro pensamento era de que se tratava de um anjo, mas imediatamente rejeitou a possibilidade como pura tolice. Então baixou o rosto e deixou que suas lágrimas acumuladas por anos fluíssem.

Samantha, Yasmin, Luna, Karin e Fernand seguiam subindo uma colina, todos com expressões mistas entre seriedade e preocupação, com a exceção da manipuladora das trevas, que não parecia abalada em qualquer sentido. O clamor da batalha já os havia alcançado há algum tempo e não demoraria muito para que estivessem diante do Forte Brokefront.
Conforme avançavam, mantinham os olhares voltados para cima, na expectativa do retorno do sexto integrante do grupo. Reconheceram Elbio Lumarc graças ao brilho de suas asas prateadas. Quando ele pousou diante de todos, foi Watlear a primeira a falar.
–E então, como está a situação?
–Ruim. A batalha já está bem avançada e há muitos mortos e feridos. Além disso, parece que Empericia está em desvantagem.
–Era de se esperar, quase toda a Ordem da Rosa Branca está lutando aqui. – Comentou Samantha.
–Temos que nos apressar! Se não localizarmos meu pai logo, o plano de William e Vortex não vai servir de nada. – Afirmou Yasmin.
–E é claro que os palhaços da Rosa Branca não vão facilitar para nós. Mas não se preocupe que nós podemos lidar com isso. Vá e encontre Agas Pyrath! – Exclamou Fernand.